A partir dos anos 90 a rede ferroviária portuguesa foi vítima de um processo de “comboicídio” cuja máxima expressão coincidiu com o cavaquismo e a aposta praticamente exclusiva na auto-estrada.
Entre 1986 e 1995 foram encerrados 700 km de via-férrea, incluindo a ligação internacional Pocinho-Barca d’Alva, parte da via estreita do Douro incluindo toda a Linha do Sabor, as Linhas do Dão e do Vale do Vouga, a Estrela de Évora (ligações para Reguengos, Mora ou Portalegre), etc. Deste processo resultou duas capitais de distrito (Viseu e Bragança) deixarem de ser servidas pela ferrovia, o mesmo sucedendo com cidades de alguma importância, caso de Chaves, Miranda do Douro, Fafe, Monção, etc.
Uma segunda leva de encerramentos ocorre entre 2008 e 2012, coincidindo em parte com os anos da troika. Fechou o que restava da via estreita do Douro, os ramais de Marvão, Lousã e da Figueira da Foz (por Alfarelos), bem como a linha da Beira Baixa entre Covilhã e Guarda. A lista de cidades sem serviço ferroviário cresceu: Mirandela, Amarante, Vila Real, Lousã…
OS CASOS DA LOUSÃ E DO TUA
No Ramal da Lousã os carris foram levantados em 2010 a pretexto de ser construído o Metro do Mondego. Vieram os anos da troika e nem ramal nem metro, o que significou para os utentes a troca de um serviço ferroviário razoável por um muito pior e ambientalmente mais negativo em autocarro. Decorre a recuperação da linha mas para serviço de autocarros eléctricos. Uma solução testada com sucesso no resto da Europa mas para linhas de reduzido trafego como eram a nossa via estreita do Douro e não para uma de serviço suburbano como este sempre foi.
A Linha do Tua entre Foz Tua e Mirandela era um monumento à engenharia ferroviária portuguesa do século XIX e considerada internacionalmente uma das três linhas de montanha mais bonitas do mundo. A EDP, comportando-se como um estado dentro do estado, construiu uma barragem, entretanto tornada redundante pela do Baixo Sabor e não foi obrigada, nem pela administração central nem pelas autarquias, a financiar a preservação ou reconstrução a uma cota mais alta do canal ferroviário.
MIL QUILÓMETROS PERDIDOS
Ou seja, perto de mil quilómetros de ferrovia desapareceram na natureza. Nem todos tinham o mesmo potencial turístico nem a mesma importância para a economia local mas não houve preocupação de separar o trigo do joio, tendo-se encerrad a eito em nome desse bezerro de ouro dos tempos modernos, a rentabilidade.
Numa série de locais houve o bom senso de recuperar parte dos traçados abandonados, já não para o serviço ferroviário (o que nalguns casos seria possível, ainda que noutros moldes de exploração de que são exemplos linhas turísticas ou de gestão local em França ou no Reino Unido) mas para fazer percursos pedestres ou cicláveis.
Não sendo a solução ideal, apesar de tudo fixa e preserva o canal ferroviário (não sabemos o dia de amanhã). Pode gerar alguma dinâmica local com comércios e serviços pensados para servir os novos visitantes. E torna atractiva a recuperação de património em perigo, nomeadamente estações e outros edifícios ligados à ferrovia.
Surgiram, assim, umas largas dezenas de percursos, sobretudo no norte do país, que convidam a um fim-de-semana bem passado que, podendo ter graus diversos de exigência física (consoante a vontade e o apuro de forma de cada um), será seguramente um banho de natureza e ar puro, o que já não é pouco nos tempos que correm.
NOVE SUGESTÕES DE NORTE A SUL
Sem preocupação de ser exaustivo, deixo uma referência às principais ecopistas instaladas em antigos traçados ferroviários.
Rio Minho – 12 km entre Valença (arredores da estação) e Senhora da Cabeça (Monção), quase sempre à beira do rio Minho, com passagem por locais históricos como a torre medieval da Lapela e com bom piso sintético.
Guimarães – 8 km entre Devesa/Mesão Frio (sobranceira a Guimarães pela estrada para Fafe) e Fareja (Fafe). Declive persistente em dois terços do trajecto que se acentua nas proximidades de Fafe.
Tâmega – 39 km entre Amarante (estação) e Arco de Baúlhe. Mesmo de bicicleta não é aventura ao alcance de todos para fazer num só dia mas quem quer bater recordes? Tem estrada aproximadamente paralela para eventuais viaturas de apoio e inclui a transposição do monumental viaduto de Matamá perto da antiga estação de Mondim de Basto.
Sabor – 9 km entre Torre de Moncorvo e Carvalhal, oportunidade para apreciar a bonita paisagem transmontana.
Corgo – 36 km entre Abambres (Vila Real), Vila Pouca de Aguiar, Pedras Salgadas e Vidago. Oportunidade para caminhar ou pedalar em terras de termas e de águas santas. O banho de natureza é garantido, nomeadamente na descida de Sabroso de Aguiar para Vidago.
Vouga – 12 km entre a foz do Rio Mau e Paradela (Sever do Vouga), com passagem no portentoso viaduto do Poço de Santiago, sempre com o rio Vouga ali ao lado.
Dão – 49 km entre Santa Comba Dão, Tondela e Viseu com alguns viadutos e um curioso túnel devidamente iluminado perto de Parada de Gonta. Tal como no Corgo, atenção à distância a percorrer e se não é um ciclista habituado a estas andanças, não tenha a pretensão de fazer tudo num dia, pois arrisca-se a ser vítima da sua hubris…
Porto de Mós – 7,9 km entre as antigas minas da Bezerra (a sul de Porto de Mós) e Figueiredo (perto desta última vila). Percurso muito bonito e fácil por ser predominantemente a descer (no sentido Bezerra-Porto de Mós)
Fronteira – 12 km entre a vila alentejana de Fronteira e as termas de Cabeço de Vide. Já construída mas ainda não formalmente inaugurada, aproveita o traçado do antigo Ramal de Portalegre entre os dois pontos referidos. Um mergulho na tranquilidade do Norte Alentejano.