OPINIÃO
Um dos motivos do sucesso da luta contra a COVID-19 em Portugal, no embate inicial da pandemia, teve a ver com o confinamento que obrigou quase 10 milhões de pessoas a permanecerem 24 horas por dia no seu domicílio, entre múltiplos passeios dos animais domésticos e idas e voltas impulsivas aos supermercados.
Só percebemos a gravidade da situação quando o Primeiro-Ministro foi à televisão anunciar o encerramento das escolas e a obrigatoriedade de todos permanecerem no seu eremitério.
Não me esqueço, claro, do papel insubstituível do Serviço Nacional de Saúde, das Câmaras Municipais, das corporações de bombeiros, das forças da autoridade, da proteção civil, da comunicação social que fez um trabalho extraordinário de informação e pedagogia, e de tantos outros.
O papel corajoso e altruísta dos profissionais de saúde que não hesitaram em colocar-se na linha da frente, no combate a um vírus que desconheciam nunca poderá ser esquecido.
Mas porque, então, passamos de um “milagre português” para a situação de um país que o resto da Europa quer evitar como destino de férias?
O desconfinamento trouxe-nos o oposto do confinamento. A sociedade em geral, as comunidades, as famílias, os grupos, nas suas casas, no seu local de trabalho, na rua, no seu dia a dia, passaram de um estado de permanente preocupação para um estado de inconsciente despreocupação. Para muitos, a mensagem subjacente ao desconfinamento foi entendida como o fim do perigo invisível, como um retorno total à fase pré-COVID.
Poucos perceberam que a disseminação do vírus é pior hoje do que na altura em que apareceram os primeiros casos em Portugal. Agora o SARS-CoV-2 já está espalhado pelo país. Por todo o país.
Não encontro hoje a mesma preocupação cívica que nos permitiu, numa primeira fase, enfrentar o vírus. Encontro atualmente múltiplos exemplos, alguns absurdos, de desrespeito das recomendações básicas para nos protegermos uns aos outros. Vêem-se pessoas a conviver umas com as outras como se esta pandemia nunca tivesse acontecido, outras sem máscaras a entrar em estabelecimentos ou agrupamentos de pessoas à porta de hospitais. Chegamos a ver situações grotescas de pessoas juntas em conversas e risadas na rua, à espera para serem chamadas… para o teste de despiste do vírus SARS-CoV-2.
Não basta atar uma máscara às orelhas, não bastam umas gotas de álcool-gel na cova da mão e não chega manter uma distância de segurança por alguns minutos. É uma forma nova de encarar a nossa postura diária e a nossa interação com os outros que são necessárias.
Há dias, entrei no recinto de uma grande empresa, com centenas de trabalhadores. O que vi foi assustador pela sua irresponsabilidade, parecia mais um recreio de uma escola com pessoas adultas.
Quem pensa que escapou à fúria tranquila e persistente do SARS-CoV-2 enganou-se. Todos somos potenciais vítimas.
A única arma que temos contra este vírus é a prevenção e a participação de todos. A linha da frente está atualmente centrada nos nossos comportamentos como comunidade.
Se não nos mentalizarmos que o nosso destino está hoje nas mãos de cada um de nós, como talvez raramente esteve na nossa História, nunca conseguiremos vencer esta calamidade.
Carlos Cortes
Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos
Médico lusodescendente