O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal, para aceder às verbas comunitárias pós-crise da Covid-19, prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.
No documento, estão também previstos 2,7 mil milhões de euros em empréstimos, mas fonte do executivo garante que “ainda não está assegurado” que Portugal irá recorrer a esta vertente do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da União Europeia.
O PRR de Portugal está enquadrado no Mecanismo de Recuperação e Resiliência da Comissão Europeia, criado no passado dia 12 de fevereiro como um processo único e inédito na História da União Europeia e tem como objetivo “assegurar que todos os Estados-Membros beneficiam de apoios e de estratégias capazes de alavancar a recuperação económica da mais grave crise que a União Europeia enfrentou, e de assegurar a recolocação da Europa na vanguarda da sustentabilidade e da inovação tecnológica, motores de um futuro mais resiliente para os cidadãos europeus”, explica o comunicado divulgado Governo português.
Assim, o PRR contempla um envelope financeiro total de 16.643 milhões de euros (M€), composto por 13.944 M€ em subvenções e por 2.699 M€ em empréstimos, com o investimento centrado em três grandes áreas temáticas: resiliência, transição climática e transição digital. Cada uma delas é composta por diversas componentes, subdivididas em reformas que, por sua vez, são consubstanciadas através de projetos.
A versão preliminar e resumida do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está em consulta pública através do site https://www.consultalex.gov.pt/ConsultaPublica_Detail.aspx?Consulta_Id=183
Previsto está que a maior fatia (61%) das verbas do PRR se destine à área da resiliência, num total de 8,5 mil milhões de euros em subvenções e de 2,4 mil milhões de euros em empréstimos.
As subvenções destinam-se, por exemplo, à habitação (1,6 mil milhões), ao investimento e inovação (1,4 mil milhões), às qualificações e competências (1,35 mil milhões), ao Serviço Nacional de Saúde (1,3 mil milhões) e às respostas sociais (583 milhões).
Por seu lado, a dimensão da transição climática equivale a 21% do montante global do PRR e prevê a mobilização de 2,8 mil milhões de euros em subvenções e 300 milhões de euros em empréstimos.
Como exemplos de apostas das subvenções estão a mobilidade sustentável (1,03 mil milhões de euros), a descarbonização (715 milhões de euros) e a eficiência energética dos edifícios (620 milhões de euros).
Já para a transição digital, que concentra os restantes 18% do montante global do PRR, o Governo estipulou 2,5 mil milhões de euros em subvenções (sem recurso a empréstimos) para questões como a digitalização das empresas (650 milhões) e da administração pública (631 milhões) e a escola digital (559 milhões).
Dotado com 672,5 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência da União Europeia é o principal elemento do ‘NextGenerationEU’, pacote de recuperação acordado em 2020 pela UE para fazer face à crise social e económica provocada pela pandemia de Covid-19, com uma dotação total de 750 mil milhões de euros, entre subvenções e empréstimos.
2,7 mil ME em empréstimos
Para além dos 13,9 mil milhões de euros em subvenções, o Governo pondera recorrer a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus dos fundos pós-crise da Covid-19 para investimentos em habitação acessível, capitalização de empresas e transportes, apesar de o primeiro-ministro, António Costa, ter vindo a afastar tal recurso por pretender recorrer “integralmente” às subvenções.
Certo é que o Governo já o está a equacionar a versão preliminar do PRR de Portugal, ao estipular desde logo empréstimos de 2,4 mil milhões de euros para as áreas da habitação e do investimento e ainda de 300 milhões de euros para a mobilidade sustentável, de acordo com o PRR.
A maior fatia refere-se ao Banco Português de Fomento, para o qual estão previstos 1,25 mil milhões de euros em empréstimos para a capitalização de empresas e resiliência financeira, indica o documento colocado em consulta pública.
“Os objetivos passam pelo financiamento direto a empresas com vista a restabelecer níveis de autonomia financeira, após os efeitos económicos da pandemia, fortemente adversos, terem agravado o problema estrutural de baixa capitalização do tecido empresarial português e ainda pelo financiamento por dívida ou instrumentos de quase-capital, em áreas de relevância estratégica”, explica o Governo no documento.
No que toca à área habitacional, estão a ser considerados 1,14 mil milhões de euros para o parque público de habitação a custos acessíveis (774 milhões de euros) e para o alojamento estudantil a custos acessíveis (375 milhões de euros).
A estas verbas acrescem 300 milhões de euros para o setor dos transportes, que, segundo fonte do executivo, se destinam à aquisição de material circulante ferroviário.
1.383 ME para reforçar Saúde
O Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal prevê um investimento total de 1.383 milhões de euros em diversas vertentes para reforçar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Ao nível dos investimentos, o montante mais significativo – 463 milhões de euros – é destinado à reforma dos cuidados de saúde primários, através do reforço do acesso e da qualidade, do alargamento dos serviços dos agrupamentos de centros de saúde e da requalificação de instalações e dos equipamentos.
Para as redes nacionais de cuidados continuados integrados e de cuidados paliativos, o PRR reserva 205 milhões de euros destinados a desenvolver uma nova geração de respostas de proteção social dos cidadãos.
Entre as metas definidas para os cuidados continuados, estão o aumento da capacidade de internamento em 5.500 camas, a criação de 50 equipas domiciliárias e o alargamento até mil lugares nas respostas em saúde mental, estando ainda prevista a construção de 20 unidades de internamento de cuidados paliativos.
O PRR propõe-se também concluir a reforma da saúde mental com uma verba de 85 milhões de euros, que será aplicada, entre outros investimentos, na criação de residenciais na comunidade que permitam retirar os doentes residentes em hospitais psiquiátricos, na construção de quatro unidades de internamento em hospitais gerais e na criação de 15 centros de responsabilidade integrados.
Para o Hospital de Lisboa Oriental e para os hospitais de proximidade de Seixal e Sintra estão destinados 196 milhões de euros, que permitirão “alavancar um conjunto de investimentos previstos de reforço da rede hospitalar numa região altamente pressionada” e muito povoada, refere o documento.
A transição digital da saúde absorve 300 milhões de euros do PRR, que serão aplicados em quatro pilares: rede de dados, uniformização dos canais de comunicação entre o cidadão e as unidades de saúde, os profissionais de saúde e os registos nacionais.
A Madeira receberá 89 milhões de euros para concretizar o seu Plano Estratégico do Sistema Regional de Saúde e a sua Estratégia Regional para a Promoção da Saúde Mental, estando ainda previstos mais 15 milhões para a digitalização do setor nesta região autónoma.
O projeto ‘Hospital Digital da Região Autónoma dos Açores’ conta com 30 milhões de euros do PRR e que pretende reforçar as condições de acesso aos cuidados de saúde dos cidadãos que vivem nas ilhas mais isoladas e sem hospital.
2% do PIB para inovação
O Governo assume ainda o objetivo de Portugal dedicar 2% do Produto Interno Bruto (PIB) ao investimento em inovação até 2025, criando também 15 mil empregos qualificados. “Atendendo ao perfil do tecido produtivo português – onde predominam empresas de pequena dimensão, com baixas competências de gestão, insuficientemente capitalizadas – e da economia portuguesa – pequena economia aberta -, é fundamental acelerar o processo de inovação e a progressão nas cadeias de valor”, argumenta o Governo.
Isso passa pela promoção da “capacitação e do fortalecimento do sistema de I&D, crucial no desenvolvimento de investigação aplicada e no apoio à inovação empresarial, como se viu, aliás, na resposta de Portugal à Covid-19”, adianta. Outra meta incluída no documento centra-se em “atingir o volume de exportações equivalente a 50% do PIB até 2026 e a 60% do PIB até 2030, tendo enfoque no aumento da balança tecnológica de pagamentos”, adianta o PRR.
O plano prevê também a mobilização de pelo menos 130 milhões de euros para a cibersegurança, pretendendo o Governo assegurar a proteção de infraestruturas críticas. Previsto está, assim, um investimento de 83 milhões de euros em “infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas”, verbas que, segundo o Governo, se destinam desde logo aos “sistemas de informação e processos associados à gestão e controlo de fronteiras, cooperação policial e judiciária e asilo, permitindo reduzir a carga burocrática dos serviços do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)”.
Este montante visa também uma “melhoria da cobertura e capacidade” da Rede Nacional de Emergência e Segurança (SIRESP) em Portugal Continental e ainda nas regiões autónomas dos Açores e Madeira. Ainda no domínio da cibersegurança, prevê-se a alocação de 47 milhões de euros para “reforço do quadro geral de segurança cibernética na base da confiança para a adoção dos serviços eletrónicos”. Aqui inclui-se a criação de um Sistema Nacional de Certificação em Cibersegurança, como previsto pelas normas comunitárias.
Transição ‘verde’ é um pilar do plano português
O PRR português prevê que 47% das verbas tenham como fim a sustentabilidade ambiental, enquanto 38% visam a transformação digital, acima da percentagem estipulada por Bruxelas.
Um dos pilares do plano para Portugal é o da transição ‘verde’, área sobre a qual “o PRR português cumpre o limiar de 37% do seu investimento global com afetação a objetivos de transição climática, atingindo os 47%”, destaca o executivo no documento, numa alusão à meta estabelecida pela Comissão Europeia.
Isto significa então que, do ‘bolo’ total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, Portugal prevê destinar 6,5 mil milhões de euros à transição climática.
A meta dos 37% para as questões ‘verdes’ foi um dos requisitos estabelecidos por Bruxelas para os planos nacionais de resiliência e recuperação dos Estados-membros, ao qual se junta a obrigação de dedicar pelo menos 20% das verbas à transformação digital.
UM PLANO, TRÊS GRANDES DIMENSÕES…
Estas são a três grandes dimensões de um Plano de Recuperação e Resiliência que, em articulação com os outros instrumentos disponíveis, como é o caso dos Quadros Financeiros Plurianuais, o que cessa (2014-2020) e o que agora tem início (2021-2027), “vai marcar o arranque de um vasto conjunto de reformas estruturais capazes de responder às necessidades de transformação do país, para assegurar um futuro de crescimento e de desenvolvimento assentes na coesão territorial e centrados nas pessoas”, defende o Governo.
Dimensão Resiliência
Integra nove componentes, que abrangem da saúde às respostas sociais, passando pela habitação, inovação, infraestruturas, qualificações e competências, entre outras.
Destas nove componentes resultam 21 reformas, concretizadas através de 43 projetos, que têm como objetivo, por exemplo:
– Dotar todos os Centros de Saúde com gabinetes de medicina dentária e equipamentos para resposta qualificada em emergência de suporte básico de vida (saco de emergência, desfibrilhador e monitor de sinais vitais);
– Apoiar 26 mil agregados familiares com habitação digna;
– Alargar a rede de equipamentos e respostas sociais ao nível da infância, pessoas idosas e pessoas com deficiência ou incapacidades, abrangendo 28 mil lugares em respostas sociais;
– Promover o aumento do salário mínimo nacional para 750 euros até ao 4.º trimestre de 2023;
– Apoiar a criação de 30 mil postos de trabalho permanentes;
– Criar 15 mil novos postos de trabalho com as agendas mobilizadoras;
– Apoiar 20 mil estudantes em cursos de ensino superior em áreas de ciência, tecnologia, engenharia, humanidades e matemática.
Dimensão Transição Climática
Na Dimensão Transição Climática será aplicada uma tranche de financiamento que corresponde a 21% do total de subvenções do PRR. Integra um total de cinco componentes, das quais resultarão oito reformas implementadas através de 14 investimentos, entre os quais:
– Apoiar a aquisição de frotas de transportes públicos limpos (325 autocarros e 4 navios para percursos fluviais) e a instalação dos respetivos postos de carregamento/abastecimento;
– Apoiar soluções de eficiência energética, atribuindo cheques a 100 mil famílias em situação de pobreza energética;
– Contribuir para reduzir em 40% os consumos de energia primária na Administração Pública.
Dimensão Transição Digital
A Dimensão Transição Digital concentra 18% do montante global de subvenções do PRR e desenvolve-se através de cinco componentes que incluem sete ações de reforma e 18 investimentos:
– Adquirir 215 mil computadores de uso individual, para alunos e professores;
– Formar 800 mil pessoas em competências digitais com planos de formação individual e formação online;
– Promover a transição digital das empresas, requalificando 36 mil trabalhadores e apoiando 30 mil PME;
– Promover a digitalização da Administração Pública, reforçando a interoperabilidade e facilitando o acesso aos serviços públicos, de forma particular à Saúde, à Segurança Social, às Finanças e à Justiça, diminuindo de forma significativa os custos de contexto aos cidadãos e empresas;
– Reforçar a qualificação e rejuvenescimento do quadro de recursos humanos da Administração Pública.