Não nasceu para ser rei mas teve um dos reinados mais longos da nossa história: 48 anos. A capacidade de liderança revelada por D. João, mestre da Ordem de Avis (1357-1433), durante a revolução de 1383, o cerco de Lisboa, em 1384, e a resistência à invasão castelhana levou os representantes do clero e da nobreza a imitarem o povo e a escolhê-lo como rei, nas cortes de Coimbra de 1385. Inaugurou uma nova dinastia, confirmou Portugal como país independente e lançou, em 1415, a expansão ultramarina. Chamaram-lhe o rei da Boa Memória.
Tudo começou a 6 de Dezembro de 1383, quando D. João, Mestre de Avis, filho bastardo de D. Pedro I e meio-irmão de D. Fernando, o rei há pouco falecido, entrou, com um grupo de amigos armados, no Paço de a-par de São Martinho, ao Limoeiro, em Lisboa. Lá dentro, D. João empunhou um cutelo comprido e desferiu um golpe na cabeça do homem mais poderoso de Portugal. O conde Andeiro não morreu logo e ainda tentou chegar aos aposentos da rainha, sua amante, mas um dos homens do Mestre, Rui Pereira, acabou com ele à espadeirada.
Aos 26 anos, D. João não sonhava com a coroa. Mas temia pela própria vida, pois tinham-lhe dito que a viúva do seu meio-irmão e o amante desta planeavam matá-lo. Foi por medo que o Mestre de Avis apunhalou o conde Andeiro. Por essa altura já Lisboa estava em alvoroço. Perante a insurreição, D. João hesitava. Pensou em fugir para Inglaterra, mas desistiu. Quando os ricos proprietários e mercadores da capital, pressionados pelos homens dos ofícios e pela arraia-miúda, lhe declararam apoio, aceitou o título de Regedor e Defensor do Reino e preparou a resistência ao invasor.
O rei de Castela, Juan I, vinha cobrar a herança de sua mulher, D. Beatriz, filha única de D. Fernando, que a dera em casamento ao vizinho na sequência da terceira derrota consecutiva nas guerras entre os dois países. A maioria dos nobres portugueses, com a rainha Leonor Teles à cabeça, seguiu a lógica feudal e reconheceu a soberania de Beatriz e do marido castelhano. Mas outros membros da fidalguia e, sobretudo, os burgueses e o povo pobre opuseram-se-lhe.
Nos dois anos seguintes, Portugal foi palco de batalhas contra o estrangeiro mas também de uma guerra civil. As Cortes de Coimbra, em Março de 1385, deram razão aos argumentos do jurista João das Regras e deliberaram que o trono estava vago, sendo legítimo eleger um novo rei. Por unanimidade, aclamaram o Mestre de Avis com o nome de D. João I. Mas logo em Agosto seguinte, o novo rei teve que provar ser capaz de manter a coroa na cabeça. Conseguiu-o com a vitória de Aljubarrota. Governou durante mais 47 anos. Em 1415 conquistou a cidade marroquina de Ceuta, dando início ao período da expansão marítima.
O casamento com a inglesa Filipa de Lencastre confirmou a mais antiga aliança do mundo. Mas D. João I não foi só pai da Ínclita Geração: um dos seus filhos bastardos, Afonso, viria a ser o primeiro duque de Bragança, antepassado da última dinastia real portuguesa.