A Câmara de Lisboa “seguiu de perto” a prática dos governos civis na comunicação de dados de promotores de manifestações, mas em 2013 António Costa mandou alterar procedimentos, o que foi reiteradamente desrespeitado pelos serviços, anunciou hoje Fernando Medina.
Numa conferência de imprensa para divulgar os resultados da auditoria realizada após ser conhecido o caso da divulgação de dados de ativistas à Embaixada da Rússia, o presidente do município (no cargo desde 2015) afirmou que, após a consulta do acervo do extinto Governo Civil de Lisboa, foi possível concluir que a prática quanto ao envio de dados sobre manifestações não foi a mesma ao longo tempo.
Contudo, referiu, em diferentes situações, o Governo Civil de Lisboa (que até 2011 recebia as intenções de realização de manifestações, uma competência transferida para os municípios) fez essa comunicação a entidades externas, inclusive a embaixadas.
Em alguns casos foi transmitido o nome do promotor, mas noutras seguiu mesmo uma cópia na íntegra do aviso recebido, que podia conter mais dados sobre a pessoa em causa, explicou.
Com a passagem da competência para o município, foi iniciado um procedimento para lidar com a comunicação de manifestações e a autarquia “seguiu de perto aquilo que vinha sendo feito na matéria ao nível dos governos civis”, tratada, no âmbito da legislação em vigor, no contexto do expediente administrativo.
Em 2013, o então presidente da autarquia, António Costa, atual primeiro-ministro, emitiu um despacho – ainda em vigor, já que é o último sobre o tema – para alterar a prática, dando “ordem de mudança de procedimento no sentido de só serem enviados dados à Polícia de Segurança Pública e ao Ministério da Administração Interna”.
Contudo, assumiu Fernando Medina, esse despacho foi alvo de “reiterados incumprimentos” ao longo dos anos, ou seja, ocorreu “uma prática relativamente homogénea, mesmo quando houve instrução do presidente da câmara para alteração desse procedimento”.
Em 2018, entrou em vigor o novo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), mas, no “esforço substancial de adaptação” do município, o procedimento de tramitação de avisos de manifestações “não sofreu adaptações”.
De acordo com as conclusões da auditoria, desde 2012 foram comunicadas à Câmara de Lisboa 7.045 manifestações.
“No total, foram remetidas 180 comunicações de realização de manifestação junto de embaixadas, 122 anteriores à entrada em vigor do RGPD e 58 após. Depois da entrada em vigor do RGPD, ou seja, para o período de maio de 2018 a maio de 2021, foram considerados como tendo sido enviados dados pessoais em 52 dos processos”, lê-se no documento.
O presidente do município salientou, contudo, que para a contabilização destes 58 processos foi aplicado o “critério mais restrito de todos”, tendo sido incluídas situações em que foi identificado o nome de um representante de uma organização.
Sobre o número de processos em que foram enviados dados pessoais a embaixadas entre 2012 e 2018, Medina afirmou que esses dados ainda não foram tratados, advogando que esta auditoria preliminar foi feita “num tempo recorde de uma semana” que “mostra bem a importância” atribuída pela câmara ao assunto.
Essa informação constará de uma auditoria alargada, que o presidente da autarquia não avançou quando é que deveria estar disponível.
Fernando Medina disse também que “não é possível apurar neste espaço de uma semana” porque é que o procedimento ordenado por António Costa não foi cumprido, mas acredita que “tem a ver com uma transferência de competências que foi feita de forma insatisfatória com uma lei que precisa de adaptação e de clarificação muito precisa”.
Em 2019, numa resposta ao Comité de Solidariedade da Palestina, a assessora de imprensa do município referia que a Câmara reencaminhava as comunicações de manifestação às forças de segurança, ao Ministério da Administração Interna e também às embaixadas “sempre que um país é visado pelo tema”.
Questionado sobre como é que a autarquia não identificou o problema nessa altura, o chefe do executivo municipal respondeu que a resposta “refere-se à comunicação a embaixadas e não estava patente nem nenhuma assunção de qualquer violação ou consciência de violação do regime de dados pessoais”.
Ainda assim, reconheceu que “mesmo não havendo dados pessoais já há incumprimento da diretiva de 2013”.
O presidente da Câmara adiantou ainda que irá enviar a auditoria para a Comissão Nacional de Proteção de Dados, assim como para o Ministério Público.