O médico português David Ângelo recebeu da Sociedade Europeia de Cirurgiões da Articulação Temporomandibular (ESTMJS), a missão de criar uma base de dados que torne uniforme, sistemática e simples a forma como os clínicos da Europa irão registar a informação relevante dos seus doentes.
O objetivo desta base de dados é criar algoritmos preditores do sucesso de determinadas técnicas cirúrgicas, informa o Instituto Português da Face num comunicado.
O cirurgião e diretor clínico do Instituto Português da Face está a construir uma base de dados que irá registar todas as intervenções cirúrgicas na articulação temporomandibular (articulação que liga o maxilar ao crânio) realizadas na Europa.
Depois de ter recebido o ‘Prémio de Investigação 2019’ do SORG (Strasbourg Osteosyntehesis Research Group), uma prestigiada sociedade científica europeia que promove investigação clínica, David Ângelo obteve financiamento da ESTMJS e começou este ano a conceber uma plataforma informática “que irá registar os diagnósticos, intervenções e evoluções pós-operatórias de todos os doentes no espaço europeu, de uma forma rigorosa e de fácil utilização pelos médicos”, explica o comunicado a que o ‘Mundo Português teve acesso.
“Desenhei este projeto e candidatei-me ao financiamento, porque queria obter informação rigorosa de doentes operados à articulação temporomandibular na Europa, mas a informação que existe está muito desorganizada, é de difícil acesso, com registos muito heterogéneos, e assim não é possível tirar conclusões válidas”, explica David Ângelo, que é o único cirurgião português a integrar a ESTMJS.
‘Vai permitir acompanhamento a médio e longo prazo
O projeto ‘EuroTMJ’, nome que David Ângelo deu à sua base de registos europeus, tem precisamente o objetivo de uniformizar, sistematizar e simplificar a forma de registar a informação clínica relevante.
Em alguns casos trata-se apenas de um processo de digitalização, dado que em muitos centros os dados ainda são registados em papel.
“Pequenos detalhes técnicos podem fazer uma enorme diferença na evolução e recuperação dos doentes, por isso é crucial que a informação introduzida seja precisa e exata: só isso nos permitirá ter o ‘filme’ rigoroso de cada doente, desde a primeira observação na consulta médica até ao acompanhamento ao longo de décadas após a intervenção”.
“Serão os milhares de “filmes” clínicos introduzidos na base de dados que irão permitir atráves de ‘machine learning’, na área da articulação temporomandibular, chegar a novas conclusões sobre as técnicas mais seguras e eficazes a propor para cada patologia específica”, adianta o comunicado do Instituto Português da Face.
Segundo o estomatologista português, interessa para a ciência médica saber como irá estar um doente que fez em 2020 uma artroscopia nível 2, por exemplo daqui a 30 anos.
“Só o acompanhamento do doente numa base de dados rigorosa permitirá perceber com detalhe o diferente impacto, a médio e longo prazo, das distintas técnicas cirúrgicas”, defende.
O comunicado lembra que na Europa, não há dados sobre o número de artroscopias realizadas em 2019 ou número de próteses da articulação temporomandibular colocadas no primeiro semestre de 2020, enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, essa informação é facilmente acessível.
“Um parceiro informático forte”
David Ângelo encontrou na equipa que desenvolveu o ‘reuma.pt’, um “parceiro informático forte” para criar um bom software para a base de dados ‘EuroTMJ’. Lançado em 2012 pela Sociedade Portuguesa de Reumatologia, o reuma.pt não parou de crescer desde então, possibilitando aos reumatologistas portugueses um instrumento de trabalho de enorme utilidade.
“O modelo que estamos a criar poderá ser replicado noutras especialidades médicas, seja a nível europeu, seja a nível nacional”, avança o estomatologista e cirurgião.
David Ângelo doutorou-se com uma tese sobre a Disfunção na Articulação Temporomandibular na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, da qual é professor auxiliar convidado. No âmbito do seu trabalho científico e de investigação, está neste momento a desenvolver um biodisco com capacidades regenerativas para usar como substituto do disco nativo em articulações com patologia mais avançada.
Para além da sua atividade profissional e académica nesta área, trabalha também com implantes zigomáticos no Instituto Português da Face, uma solução para doentes com grandes perdas de osso nos maxilares que exige menos intervenções e é mais eficaz do que os enxertos ósseos e implantes tradicionais.
A disfunção da articulação temporomandibular é uma patologia incapacitante dos músculos da mastigação e/ou da articulação temporomandibular, mais comum em mulheres entre os 20 e os 50 anos de idade.
Para além de dores intensas no maxilar e na face, a disfunção pode comprometer a mastigação dos alimentos, bloquear a articulação e/ou limitar a abertura da boca, em alguns doentes de forma severa.