Em Portugal, as mulheres têm mais dificuldade em progredir nos empregos do que os homens; dois terços têm salários que não ultrapassam os 900 euros líquidos por mês; dispõem apenas de de uma ou duas horas por dia para si próprias em casa e fora de casa; 39% têm uma curso universitário; a maioria tem um filho único ou uma filha única “porque a situação económica não lhes permite” ter mais; 51%, a maioria, sentem-se menos felizes do que gostariam. É o que revela ‘As mulheres em Portugal: hoje’, um estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Cansadas, com níveis e felicidade abaixo das expectativas, com “mais dificuldades em progredir hierarquicamente porque a maioria das empresas é dirigida por homens e estes preferem promover outro homem”, têm menos rendimentos do que o companheiro e pouco tempo para si. A maioria não tive mais filhos “porque a situação económica não lhes permite”. Estas são algumas das conclusões da maior investigação sobre a situação da mulher feita em Portugal até hoje e divulgada em fevereiro pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
O estudo ‘As mulheres em Portugal: hoje’, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, contou com a participação de 2.428 mulheres, 88% das quais nasceram no país, representando “cerca de 2,7 milhões” de mulheres em Portugal. Foram entrevistas mulheres dos 18 aos 64 anos e que utilizam a internet com frequência, tendo sido de 40 anos a idade média dos 2,7 milhões de mulheres que esta investigação representa. Os critérios da pesquisa foram variados e abrangeram diversas temáticas para traçar a representatividade da mulher portuguesa, que vão desde os traços de personalidade, parceiros, filhos, trabalho remunerado e não remunerado até à família de origem, situação económica, assédio no trabalho e violência doméstica. Neste artigo destacamos alguns dos resultados.
Escolaridade
Das 2.428 mulheres entrevistadas nesta investigação, 73% vive nas suas casas e 68% reside na mesma localidade que a sua família. As que já saíram de casa dos pais representa, 73% das entrevistadas e fizeram‑no sobretudo entre os 18 e os 27 anos – em média, saíram de casa dos pais com 23 anos. Do total, 39% concluíram algum tipo de bacharelato ou licenciatura, mas 38% deixou de estudar aos 17 ou 18 anos, depois de concluir o ensino secundário ou pós-secundário. E as que continuaram a estudar após se graduarem na universidade são apenas cerca de uma em cada dez. Direito, Ciências Sociais e Serviços; Economia, Gestão e Contabilidade; Humanidades, Secretariado e Tradução são as três áreas de licenciaturas mais comuns, enquanto os cursos mais frequentes entre as mulheres com ensino secundário ou pós‑secundário são os cursos profissionais e os cursos científico‑humanísticos.
Maioria não recebe mais do que 900€ líquidos
Quase todas as mulheres com experiência no mercado de trabalho concordam com a afirmação “as mulheres têm dificuldades em progredir hierarquicamente porque a maioria das empresas é dirigida por homens e estes preferem promover outro homem”, lê-se no documento do estudo. Quanto aos rendimentos do trabalho, dois terços (67%) não recebem mais do que 900 euros líquidos por mês. E entre as mulheres com trabalho pago que estão empregadas, quase um terço (30%) tem um vínculo contratual que não é estável. O mais habitual é terem começado a trabalhar entre os 19 e os 24 anos, mas a idade média de entrada no mercado de trabalho é aos 20 anos.
Outra revelação deste estudo refere-se às expectativas laborais: para 44%, o trabalho pago está abaixo das expectativas que a mulher tinha criado, enquanto 37% manifestou que o trabalho pago as satisfaz como tinham imaginado e apenas 14% disseram que o trabalho ultrapassa as expectativas que tinham criado. “Se classificarmos todas as mulheres com trabalho pago em função de até que ponto declararam que se sentem felizes com o mesmo, podemos concluir que menos de um terço (31%) se sentem felizes ou muito felizes com o actual trabalho pago, quase um quinto (18%) sentem‑se quase felizes e metade (51%) são mulheres que se sentem infelizes com o trabalho pago que estão a desempenhar”, revela o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
E o que será para as mulheres em Portugal, o “emprego ideal”? Dos oito aspectos que as investigadoras pediram às mulheres para associarem ao “emprego ideal”, estas responderam ser mais importante “que tenha um bom salário” e que lhes permita “conciliar bem o trabalho pago com a vida em casal/família”. Mas também as preocupa “”valorizar‑se e desenvolver‑se como pessoa” e “divertir‑se ao fazer esse trabalho”.
O estudo confirmou ainda que entre os casais constituídos por mulheres que vivem com um homem – que são 56% dos 2,7 milhões de mulheres representadas no estudo – o mais habitual é que a mulher tenha menos rendimentos que o companheiro: acontece em 46% dos casais mulher‑homem. São muito menos os casos em que sucede o oposto e ela ganha mais do que ele: 15%. Em menos de um terço dos casos (27%), eles e elas têm níveis de rendimentos semelhantes. Mas o estudo revela um aspecto importante, neste campo: “Apesar deste desequilíbrio em termos dos rendimentos que cada membro do casal tem, as mulheres são um suporte fundamental na economia familiar dado que em 50% dos casais ela e ele contribuem com o mesmo para as despesas da família e em 18% ela contribui com mais dinheiro do que ele. Em média, os homens pagam 55% das despesas da família”.
Um ou dois filhos
Pouco mais da metade dos 2,7 milhões de mulheres mulheres inquiridas (53%) tiveram filhos. Entre as mulheres que não têm filhos, também pouco mais de metade (57%) manifestaram que pretendem tê‑los, 23% disseram que gostariam de ter tido filhos/as mas que já não têm idade para tal e as restantes 20% são mulheres que declararam que nunca os quiseram ter. Entre as mulheres que já não estão em idade fértil, o mais habitual era ter o primeiro filho ou a primeira filha com menos de 30 anos, e mais de um terço (36%) tiveram‑nos com menos de 25 anos. Na análise global, a idade média com que foram mães foi aos 27 anos. Entre as mulheres que têm filhos, a maioria tem um filho único ou uma filha única (48%) ou dois filhos (39%). As que estão ainda em idade fértil (entre 18 e 49 anos), uma em cada quatro lamenta ter menos filhos do que queriam porque “a situação económica não lhes permite”.
Entre as que não têm filhos mas gostariam de os ter, não há praticamente nenhuma que declare que a idade ideal para ser mãe seja com menos de 25 anos. Por outro lado, as que gostariam de os ter com mais de 34 anos são também uma minoria. E acham que a idade média ideal para ser mãe é aos 29 anos. Ainda entre as mulheres que não têm filhos, mas gostariam de tê‑los (27%), o número ideal situa‑se muito acima da realidade de filhos que tiveram as mães atuais: o mais comum é querer ter dois.
Não muito felizes… e quase sempre cansadas
Até que ponto as mulheres se sentem felizes? Esta foi uma das questões que o estudo ‘As mulheres em Portugal: hoje’ colocou às 2.428 mulheres inquiridas. “O mais comum é que os resultados se situem abaixo ou muito abaixo das expectativas: é o que aconteceu a 51% das mulheres”, revela o estudo. Já as que consideram que a sua vida está a satisfazer as expectativas que tinham imaginado são 28% do total, enquanto apenas 14% manifestaram que a sua vida está acima ou muito acima do que tinham imaginado que seria. As restantes 7% não criaram nenhuma expectativa sobre como seria a sua vida. “Se, considerando o limiar entre mulheres felizes e infelizes com a vida, classificarmos todas as mulheres em função do que declararam sobre o grau de felicidade que sentem com a saúde, podemos concluir que há quase a mesma proporção de mulheres que se sentem felizes ou muito felizes com a saúde (41%) do que as que se sentem infelizes (39%)”, revela ainda o estudo. Um fator de felicidade é o tempo que as mulheres têm para si próprias. Mas o estudo revela que o mais habitual é disporem apenas de uma ou duas horas por dia para si próprias em casa (para a higiene pessoal, ver televisão, ouvir música, ler, etc.) e de uma ou duas horas por dia fora de casa (para ir ao cabeleireiro, ao cinema, fazer desporto, encontrar‑se com pessoas amigas, etc.).
E quando questionadas com que frequência se sentem demasiado cansadas, a grande maioria das mulheres (71%) declara que o está sempre ou quase sempre. Estas mulheres têm menos tempo para si próprias: a média situa‑se mais perto das três horas por dia.
Ana Grácio Pinto