A razão primeira de, ciclicamente, se voltar à Guerra Colonial Portuguesa é, para mim, muito mais do que uma questão de ajudar a mostrar o que ela foi, a guerra e as suas nefastas consequências, do que continuar a sentencia-la, meio século depois.
Muito já foi escrito sobre o tema e segundo todos os pontos de vista – embora também ache nunca ser demasiado evocar o sacrifício, a dor, o ressentimento, as mazelas no corpo e na mente de tantos milhares de jovens. Se o fizermos, estamos a passar uma borracha sobre o mais trágico, e sobretudo longo, episódio da história contemporânea de Portugal.
a guerra de guerrilha
Ir combater para terrenos e climas totalmente ignorados e da mais severa agrura, não numa guerra clássica, mas na chamada ‘guerra de guerrilha’, considerada a mais ingrata de todas as guerras, inimigo acoitado na mata, mal equipado nos primeiros anos da ‘revolta armada’ – mas tirando superior partido por ser ‘invisível’, imprevisto na ação, e beneficiando de constrangimentos vários das nossas tropas, pouco preparadas e mal equipadas (exceção às tropas de elite, Comandos, Paras e Fuzileiros), veio a revelar-se o escusado passaporte de uma geração que foi… ainda além da Taprobana.
No ano passado, e pela comemoração do 50º aniversário da partida para Angola da minha Companhia, toda a efeméride de 48 meses ao serviço da Pátria, 26 dos quais em zona de guerra, não mais se alheou de mim, do ‘objeto’ desse súbito reencontro e como dar-lhe continuidade.
retrato das minhas vivências
Aqui nasce o Angola …o canto do cisne, a ideia despretensiosa de colocar no papel algumas das minhas vivências, embora sem a soberba de tentar historiar a vida da CCAÇ2501. Foi como que o reativar de um espaço letárgico no meu subconsciente, anos e anos inativo, mas aos poucos, ir tomando consciência dos desfechos inglórios ao nível da saúde – ou da falta dela – dos traumas procedentes do stress de guerra que vivem, hoje e ainda, milhares de ex-combatentes deixados à sua sorte, agraciados, muitos deles, não com medalhas ou louvores, mas com atestados de incapacidade a zeros, sequelas que não mais desgrudarão até ao juízo final!
O tema “Guerras Coloniais” perdurou como tabu — anos ainda após a madrugada libertadora do 25 de abril de 1974.
Não raras eram as inexplicáveis barreiras que escritores e jornalistas, homens e mulheres do teatro, da revista, do cinema, tiveram que transpor, a pulso, a fim de ‘documentar’, no papel, na tela ou no palco, incómodas memórias, mormente recordado-se o colossal esforço de guerra empregue pelo Regime, enquanto grassavam por cá as maiores taxas de analfabetismo (1970 homens 19,70%/mulheres 31%) e de mortalidade infantil de 55,5%, aliadas à pobreza, ao desemprego, à emigração.
A 2ª edição do Angola …o canto do cisne foi a sequência natural (e imprevisível, diga-se) que surgiu, esgotada que se encontrava a 1ª edição. Esta oferece, agora, com o devido distanciamento e em ‘suplemento’ – de cariz desaconselhável a pessoas sensíveis – a minha narrativa da “Emboscada do Capulo”, uma das mais terríficas dos anos 70 no norte de Angola, onde relato a maior perda em combate de homens da minha Companhia (e de todo o Batalhão) com testemunhos reais colhidos já em 2020, junto dos poucos que sobreviveram a esse massacre.
“O Angola …o canto do cisne”
Contacte o autor.
Email: pedromariosgomes@sapo.pt
Tel: 00351. 91 783 80 89