Uma velha tradição portuguesa está a transformar-se num dos produtos “ícones” da exportação portuguesa. A ginja de Óbidos cada vez mais genuina está a recriar um negócio que parecia moribundo. A “Oppidum” é uma das marcas de maior prestígio. Dário e Marta Pimpão (pai e filha) são o rosto da empresa e falaram com o «Mundo Português»…
Como surgiu esta empresa?
Dário Pimpão: A família esteve sempre ligada à comercialização da ginja (fruto) que compravam aqui e distribuíam pelos vários licoristas do país. Fui a companhia do meu pai nessas andanças, de licorista em licorista, de norte a sul, a entregar frutos, até que, a determinada altura, me apercebi de que havia um potencial fantástico em Óbidos para fazer ginja.
Foi assim que comecei a fazer ginja. Até então a produção de fruta escorrida – tipo A, usada no bolo rei -, representava 98% do produto cá de casa mas começou-se tudo a inverter rapidamente, e por isso comecei a desistir da fruta e a dedicar-me à ginja.
Mas como resolveu o problema da distribuição e comercialização?
DP: A distribuição começou de uma forma muito simples, que foi aqui mesmo. Estávamos em Óbidos, onde há um enorme fluxo de pessoas, que todos os dias visitam Óbidos durante o verão.
Entretanto, foi-se sucessivamente alargando a todo o país…
Marta Pimpão: E alargou-se um pouco com o passa-palavra das pessoas que vinham aqui. Hoje em dia já toda a gente sabe o que é a ginja de Óbidos, coisa que não acontecia há vinte anos.
DP: A ginja que era conhecida era a de Alcobaça, que não tem nada a ver com esta é um processo diferente, tem muito menos concentração de fruto…
O público reconhece com facilidade a diferença entre uma e outra?
DP: A diferença está, sobretudo, no processo de fabrico. No tempo de infusão, mais ou menos longo
Sucintamente como se processa a vossa ginja?
DP: Quando se recebe o fruto, temos 20 ou 30 pessoas a trabalhar. É retirado o pedúnculo, o fruto é limpo e colocado em álcool (etanol) imediatamente. Aí fica algum tempo, nunca menos de um ano. Temos casos de quatro ou cinco anos. É nesse tempo que se vão buscar determinados gostos que achamos importantes para o produto final.
E ao fim desses anos, abrem-se as barricas e o que é que está lá dentro?
DP: Estão os frutos inteiros, rijos e descolorados. Depois são esmagados. As máquinas que temos para fazer esse trabalho estão afinadas para não partir o caroço, porque o que está dentro do caroço não nos interessa. Esmagada a polpa, é, depois, adicionado o açúcar, e está feito.
A vossa gama tem dois tipos de ginja. O que é que distingue uma da outra?
DP: O fruto é o mesmo, o álcool é o mesmo, o açúcar é o mesmo. A Dom Pipas tem ligeiramente menos concentração de fruto, relativamente à Oppidum.
MP: O valor da matéria prima é o que define o preço do produto final e, neste caso, é a ginja que é a matéria prima mais cara aqui. Ao pormos menos, conseguimos um produto mais barato. O que não significa que as pessoas não o prefiram até, em relação ao outro. O facto de ter menos fruto, ao provar, parece mais alcoólica, apesar de não ser. Para muitas pessoas, isso é um valor acrescentado. Dizem que não é tão enjoativa como a outra, mas felizmente há gostos para as duas.
Qual é a produção anual?
MP: A produção anual é relativamente estável. Tem vindo a crescer ligeiramente, andamos na ordem das oitenta mil garrafas por ano. Nós só produzimos o que vendemos. Não vamos fazer ginja se não tivermos escoamento para ela.
Depois, começa o processo da distribuição. Inicialmente, pela região de Óbidos, mas hoje, já está alargado. Têm os seus próprios distribuidores?
MP: Vendemos a alguns distribuidores nacionais, vendemos diretamente para os pontos de revenda, só não vendemos para o cliente final. Não temos nenhum espaço aberto.
Nada de grandes superfícies?
MP: Só as daqui da zona, de modo pontual.
A maneira de trabalhar das grandes superfícies prejudica os produtores?
DP: Eles não estão vocacionados para empresas deste tamanho. É um negócio completamente diferente do nosso, mas lamentamos: toda a gente que bebe este produto fica seduzida, e lam entamos que não tenha uma maior abrangência. Daí enveredarmos por eventos como o SISAB PORTUGAL para darmos resposta aos pedidos que nos chegam do estrangeiro…
Contem-me a vossa experiência no SISAB PORTUGAL…
Estivemnos presentes em 2014, e agora voltamos em 2016. É um meio fantástico para ter contacto com compradores estrangeiros. Temos muitas solicitações do estrangeiro, bastantes mesmo, mas devido à burocracia associada ao álcool, nem sempre é fácil chegar às pessoas que nos procuram. Há sempre a necessidade de ter um intermediário, alguém que conheça a dinâmica do álcool. O SISAB abriu-nos muitas portas: alguns países para onde já tínhamos algum interesse em enviar o produto, e traz-nos sempre um retorno. Por isso é que não fomos em 2015. Na altura do salão, ainda andávamos a tratar dos contactos do ano anterior.
Houve bons contactos para onde? Já estão a exportar alguma coisa?
MP: Sim, para Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, Israel, Brasil, S. Tomé…
Já é mensurável, em termos de facturação, qual é o peso da exportação?
MP: Não, ainda é muito reduzido. Antes do SISAB PORTUGAL, tínhamos umas vendas pontuais, e isso tem vindo a aumentar gradualmente. A dificuldade da venda da ginja lá fora é o facto de ser ginja e de mais ninguém conhecer a não ser o português. O vinho do Porto conhece-se, o vinho tinto conhece-se, uma aguardente, um whiskey… Agora licor de ginja é difícil.
Hoje, em todas as feirinhas, temos milhares de licores de toda a espécie, e realmente o licor de ginja é outra coisa. Mas isto, para nós, portugueses, que o cultivamos.
DP: Quer queiramos, quer não, há aqui um handicap nesta história toda: tudo se chama licor de ginja. Até mesmo aquilo que é feito com corantes e essências. Nos anos 60, eram moda as bebidas com corante, e isso ficou um pouco enraizado. Ainda hoje se vende essa ginja baratíssima, e tudo se chama ginja. Daí o nosso empenho em que haja alguma diferença entre chamar a este produto ginja de Óbidos, em vez de apenas ginja.
A ida para o estrangeiro, a necessidade de exportar, qual é? É vender mais? É compensar as vendas que não se fazem cá?
MP: Há duas vertentes aqui presentes. A necessidade surgiu do facto das pessoas nos procurarem: surgimos em Óbidos, o mundo inteiro vem a Óbidos, e depois chegam a casa, acaba a garrafa, “e agora?”. Houve a necessidade de satisfazer as pessoas que nos procuram de fora. Depois, há dois anos para cá, houve a necessidade de colmatar falhas nas vendas nacionais, devido ao decréscimo do poder de compra dos portugueses, bem como ao aumento da concorrência. Uma série de factores que se juntaram e que nos levaram a experimentar a exportação, a procurar outros mercados.
Sendo isto um produto do campo, que durante muito tempo esteve, se calhar, um bocado esquecido, não têm dificuldade em adquirir matéria prima?
MP: Nos últimos anos, as pessoas também investiram muito, porque a ginja chegou a seis euros por quilo. As pessoas chegam aqui com duas caixas de ginja e levam o mesmo dinheiro do que uma camionete de batatas ou de cebolas.
DP: Então, começou a haver, não só aqui na freguesia, como no resto do concelho, pessoas a trazer ginja. Começaram a ver que era uma opção, um nicho de mercado, interessante. A ginjeira é uma planta rústica, não precisa de grandes cuidados. Gosta de terrenos inclinados, de não ser muito mexida, não gosta de grandes podas, é uma planta muito simples de tratar. É brava, difícil de controlar, depois reproduz-se rapidamente. As pessoas vão tendo outras atividades e têm as propriedades com esta planta, que não dá muito trabalho. Houve imensa gente a fazer ginjais e por isso hoje temos a produção garantida.
Qual é, neste momento, o preço da ginja no mercado?
MP: Este ano foi de cerca de quatro euros.
DP: Este ano foi mais caro do que o normal, porque a produção de ginja foi muito pouca. Apesar disso já não nos afetar. Há anos de uma produção maluca, que nos enche a casa de ginjas, e depois há um ano ou dois em que não há nada, praticamente. E este foi um desses anos. Como há menos, é natural que o preço tenha subido mais. Mas, em anos de uma produção normal, o preço anda pelos dois euros e meio.
Isto, no fundo, é uma cereja: o grande custo, o que faz elevar o preço, é a própria apanha..
DP: É pior do que a cereja: é mais difícil de apanhar, as árvores são mais difíceis de apanhar, porque não têm a robustez da cerejeira.
MP: A nossa variedade é a folha-no-pé, ou seja, para apanhar uma ginja estão 20 folhas à volta e torna-se difícil de as ir buscar. É uma trabalheira brutal: primeiro que se apanhe uma caixa, é um dia inteiro.
A ginja a esse preço, um período de estágio que tem custos inerentes… Quanto é que tem de custar, neste momento, uma garrafa de ginja para o consumidor acreditar na qualidade do produto?
MP: Consegue encontrar uma garrafa de litro de uma ginja de fantasia por cerca de quatro ou cinco euros.
DP: Há que ter atenção que há licores que a única ginja que têm são alguns frutos no fundo. Tudo o resto é artificial. Isso tem sido um grande problema para sairmos daqui, porque até mesmo o mercado da saudade, seja onde for, se queixa do preço do produto. Há uma falta de sensibilidade para a qualidade dos nossos parceiros e compradores portugueses no estrangeiro.
Para que mercados é que gostariam de ir no sentido de remunerar melhor o vosso produto?
DP: Os Estados Unidos têm tido toda a nossa atenção. Temos participado em concursos em Chicago, em Los Angeles, com a ideia entrar no mercado dos licores norte-americano, onde em alguns lugares só entram produtos premiados. As medalhas e os prémios são o um cartão de visita.
MP: Temos tido alguma dificuldade em entrar lá, um pouco por causa do preço. Os americanos são quem mais nos procura, é raro o dia em que não recebo e-mails da América.
DP: Eles são muito curiosos e acedem a estas histórias das medalhas e dos concursos, difundidas de uma grande forma.
MP: Neste momento, os entraves são a nível burocrático. É preciso registar-se uma série de coisas, ainda estamos nessa fase. Há, ainda, a questão do preço: o comprador está habituado a vender ginjas de fantasia e prefere vender esses produtos por serem mais baratos. Não percebem a diferença. No vinho, estas pessoas conseguem entender as diferenças. Na ginja não, apesar de serem simples e óbvias.
Este ano, portanto, vão estar no SISAB PORTUGAL, logo, vai estar tudo informado, com provas. Podem apresentar pessoalmente o vosso produto.
DP: Sim. Ainda na semana passada nos convidaram para fazermos uma degustação de ginja ao Campeonato Mundial de Surf. Estavam pessoas de todo o mundo. Eles não fazem a mais pequena ideia do que é ginja: recebiam um copo, indiferentes, e perguntavam logo o que aquilo era. As pessoas ficam realmente muito agradadas quando provam.
Além da Ginja, marcas OPPIDUM e DOM PIMPAS, dispomos ainda de licor de ginja com chocolate – uma bebida patenteada -, e de bombons de chocolate belga recheados com licor de ginja, que têm sido um verdadeiro sucesso junto dos nossos clientes.
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