Por cada mina terrestre que sai da terra, em Moçambique, Lídia Sebastião “enche-se de felicidade”. Uma mina que é desarmada significa mais vidas que se salvam num país que integra o triste ranking das cinco nações mais contaminadas do mundo, e onde se estima a existência de 10 mil vítimas da chamada ‘arma silenciosa’. A boa notícia é que o país está a 10 hectares de ser declarado livre de minas terrestres.
Moçambique, um dos cinco países mais contaminados do mundo, está a apenas dez hectares de ser declarado livre de minas terrestres, ao fim de 20 anos de operações e 300 mil engenhos removidos. Estima-se que 123 dos 128 distritos moçambicanos tenham sido minados, cobrindo 95% da sua superfície. No dia 17 deste mês, Tete foi declarada província libertada. Agora as operações finais concentram-se em três distritos da província de Sofala e um de Manica, envolvendo cerca de 600 pessoas no terreno, disse à agência Lusa o diretor do Instituto Nacional de Desminagem (IND).
Moçambique comprometeu-se a eliminar até ao fim do ano a totalidade das suas minas, ao abrigo do tratado internacional de Otava, embora Augusto Maverengue acredite que parte dos trabalhos transite para janeiro. “Dantes, falávamos em décadas, depois anos e agora dias”, assinalou o diretor do IND, que em novembro declarou Inhambane como província libertada e, com ela, todo o sul do país, incluindo a capital.
Os trabalhos de desminagem começaram logo após o Acordo Geral de Paz, em 1992, que encerrou 16 anos de guerra civil, e estavam então a cargo da missão da ONU. Dois anos depois, as autoridades moçambicanas assumiram as operações, quando se estimava que a limpeza demoraria entre 50 e cem anos, com largas centenas de milhares de engenhos plantados durante a guerra colonial, a agressão da antiga Rodésia e o conflito interno entre Governo e Renamo.
O cenário não era tão catastrófico como se previa, ainda assim Moçambique era considerado, a par de Angola, Bósnia, Camboja, Afeganistão, um dos cinco países mais minados do mundo e deverá torna-se no primeiro deles a ser declarado limpo.
Chuva e desconhecimento: os inimigos
As equipas no terreno lidam agora com as primeiras chuvas, “o maior inimigo da desminagem”, segundo Augusto Maverengue, e também com o desconhecimento da dimensão real dos últimos campos da morte. “A experiência mostra que temos de fazer o dobro do trabalho previsto nas pesquisas de base”, ressalva o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e rosto governamental da desminagem.
Henrique Banze acredita que 2015 marcará “uma nova era”, em que os moçambicanos poderão ter a certeza de que vão acordar sem esta ameaça. “É uma sensação fantástica”, declarou à Lusa. O diretor do IND, recorda que as minas “bloqueiam todo o uso do solo” e, uma vez desaparecidas, “garante-se segurança, livre circulação de pessoas e bens e que as comunidades invistam na terra, assim como os grandes projetos de desenvolvimento do país”.
Em duas décadas, foi varrida uma área equivalente a 32 mil campos de futebol, com incidência nas grandes infraestruturas. Só da barragem de Cahora Bassa e áreas adjacentes na província de Tete saíram cerca de 40 mil do total de 300 mil minas que se calcula terem sido neutralizadas desde 1992. Mais de cinco mil estavam na linha de alta tensão entre Maputo e Komatipoort, na África do Sul, e 2.700 noutra linha energética entre Manica e a Beira.
Maputo acolheu em junho a conferência de revisão do Tratado de Otava, da qual saiu a decisão histórica de declarar o mundo livre de minas até 2025. Este mês, autoridades moçambicanas, parceiros internacionais, países vizinhos e operadores de desminagem, discutiram o que se deve esperar após a libertação. “Estamos a falar da última mina conhecida”, alerta Augusto Maverengue, porque os trabalhos incidiram nas zonas suspeitas e outras haverá que se mantêm na ignorância.
Para lidar com futuros casos residuais, está a ser dada formação à polícia moçambicana. Se entretanto for descoberto uma área significativa, a tarefa passa para o exército. “Mas não acredito que ainda haja campos grandes”, diz o diretor do IND. Outra preocupação prende-se com os cerca de 600 funcionários que trabalham na desminagem, na maioria colocados em organizações não-governamentais, e que para o ano ficarão desocupados. O Governo tem prevista uma compensação e também apoios na transição para novas atividades. “
Não queremos que o fim da desminagem seja o fim destas pessoas, não seria lógico”, diz Augusto Maverengue.
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