Há 50 anos atrás, em Março de 1964, os governos de Lisboa e Bona assinaram o chamado «Acordo relativo ao recrutamento e colocação de trabalhadores portugueses na Alemanha» O documento deu início à emigração portuguesa para aquele país, que se mantém até hoje, tendo sentido nos últimos anos uma nova vaga.
A chegada de milhares de portugueses a Colónia – cidade que centrou o desembarque dos trabalhadores estrangeiros que depois seguiram para vários pontos daquele país – vai ser celebrada a 13 de Setembro.
A data não foi escolhida ao acaso: ela recordará também a chegada à Alemanha, do trabalhador estrangeiro número um milhão. Desembarcou a 10 de setembro de 1964, chamava-se Armando Rodrigues de Sá, e era português…
A 17 de março de 1964, foi assinado pelos governos português e alemão, o acordo bilateral que iniciava o recrutamento e a colocação de trabalhadores portugueses na Alemanha. Foi publicado em Diário da República a 11 de maio daquele ano, mas na verdade, entrou em vigor na data da sua assinatura. E abriu as portas daquele país, à emigração portuguesa, que nunca mais parou.
Um grupo de portugueses, entre os quais Nelson Rodrigues e Manuel Campos, criaram uma comissão organizadora que lançou a iniciativa de homenagear os emigrantes da primeira hora, os pioneiros. O trabalho de cerca de ano e meio termina a 13 de setembro em Colónia – cidade onde vivem cerca de 3.500 portugueses, , dia em que portugueses e alemães vão relembrar os primórdios da emigração lusa, e com ela a de outros estrangeiros, para a Alemanha. O objetivo das comemorações não será apenas o de relembrar o que foi e é a emigração, mas ainda “de aumentar a visibilidade que, por se tratar de uma comunidade pequena, no maior país da Europa, nem sempre lhe é fácil de conseguir”, como destaca a organização num comunicado à imprensa. Uma visibilidade que consideram necessária, “para que os portugueses na Alemanha se possam apresentar com realismo e verdade, longe dos preconceitos que por vezes ainda despertam na Alemanha”, lê-se ainda.
Maior visibilidade é o que defende Nelson Rodrigues, um dos responsáveis pelas comemorações. O coordenador do departamento de migração e integração da Cáritas de Rheine defende que a comunidade portuguesa tem uma característica ao mesmo tempo positiva e negativa: a de não dar “nas vistas”. “Isso tem que mudar, na vida pública, os portugueses podiam destacar-se mais. Já há muitos a candidatarem-se a nível autárquico, mas fazem-no de uma maneira tão discreta, que a nível nacional a comunidade não se apercebe. Falta aqui qualquer estrutura a nível nacional para os portugueses se fazerem ver, ouvirem-se e não serem esquecidos. É algo que temos que alterar”, defende o sociólogo português, filho de um dos pioneiros da emigração portuguesa para a Alemanha.
Nelson Rodrigues tinha 12 anos quando chegou à Alemanha, em 1972. Um ano antes tinham ido a mãe e as irmãs. O pai já lá estava, emigrou em 1966.
“O meu pai foi o primeiro habitante da aldeia dele, no concelho de Vinhais, a emigrar”, revelou Nelson Rodrigues, recordando que o pai passou pelo recrutamento realizado em Portugal por empresas alemãs, que “procuravam pessoas jovens, com saúde e força”. “As empresas mandavam responsáveis a vários locais de Portugal para contratarem trabalhadores. Primeiro faziam um exame de saúde aos candidatos e os que estavam bem, assinavam o contrato de trabalho”, explicou ao «Mundo Português».
Foi por esse processo que passou o pai. Agricultor e vendedor de profissão, assinou o contrato que fez dele um dos primeiros “a ter a coragem de deixar o seu contexto local” e emigrar, como recorda o filho. “Os alemães procuravam pessoas relativamente jovens, com saúde e com força”, recorda Nelson Rodrigues para quem, a ida do pai para a Alemanha foi “uma aventura enorme”. “Naquele tempo não havia imagens do lugar para onde iam, não havia os meios de comunicação de hoje, era uma viagem para o desconhecido, quase como uma ida à lua. Diziam adeus à família e seguiam de comboio por terras desconhecidas até chegarem à Alemanha”, sublinha. Seis anos depois, era a sua vez de fazer o percurso do pai. Até hoje, retém na memória o tom cinzento da paisagem e dos edifícios “que não tinham vida”, numa região onde a indústria predominante era a de extração de carvão.
Mudaram “as regras da História”
Já Manuel Campos, outros dos organizadores e o coordenador para a imprensa, defende que os emigrantes portugueses mudaram “as regras da História”. “O que estava previsto era virmos e depois voltarmos a Portugal, era uma emigração temporária: tinham um contrato de cinco anos e no fim desse período, deveriam regressar. Houve uma época em que instituíram os prémios de retorno, ou seja, quem voltasse ao seu país levara não sei quantos mil marcos. Mas acabamos por ficar e a estadia prolongou-se. Muitos portugueses diziam-me: «viemos por causa dos filhos, e não regressamos (a Portugal) por causa dos netos»”, explicou o «Mundo Português».
Não foi o caso de Manuel Campos, que emigrou ainda jovem e sozinho. Natural de Vila Nova de Gaia, tinha-se licenciado recentemente em Teologia e Filosofia quando foi ‘avisado’ por um agente da polícia secreta portuguesa de que seria melhor sair do país. “Disse-me que eu integrava uma lista de pessoas suspeitas por ter participado numa peça de teatro de José Régio, que estava proibida. Um mês depois estava na Alemanha e aqui fiquei”, recordou. Emigrou em 1972 e desde então, tem vivido sempre na Alemanha. Foi o primeiro português a trabalhar na Central dos Sindicatos Metalúrgicos da Alemanha, o primeiro imigrante a dirigir um departamento num sindicato alemão. Manuel Campos, que tem dupla-nacionalidade, foi também o primeiro imigrante a entrar na carreira diplomática alemã.
Dirigentes do sindicato convenceram-no a participar no concurso – falava alemão e tinha um diploma de estudos superiores, por isso estava apto a concorrer. Aceitou o desafio, e surpreendeu-se quando foi aceite. Entre 2003 e 2007 foi o Adido Social da Embaixada da Alemanha em Brasília, Brasil. Regressou à Alemanha e ao sindicato, onde esteve no departamento internacional. Esteve depois três anos e meio colocado numa organização internacional de metalúrgicos, sediada de Genebra (Suíça) e passou outros dois anos e meio em São Paulo (Brasil). Regressou em abril de 2013 e reformou-se. Casado com uma alemã, com dois filhos, orgulha-se do facto de todos em casa falarem português.
Uma celebração, quatro momentos…
No dia 13 de setembro, Nelson Rodrigues e Manuel Campos vão poder desfrutar de todo o evento que ajudaram a organizar e que, esperam, venha a proporcionar um outro ‘olhar’ sobre a comunidade portuguesa em Colónia. O trabalho realizado ao longo do ano e meio teve o apoio de várias instituições e organizações da sociedade civil, políticas locais e estaduais e também da Federação (alemã).
“O grande apoio veio da autarquia de Colónia, sobretudo do presidente da Câmara. O segundo apoio central, a nível político, veio do Ministério do Trabalho, Integração e Assuntos Sociais do estado federado da Renânia do Norte-Vestfalia. Recebemos também o apoio da ministra da Imigração e Integração da Alemanha que vai participar nas celebrações. Da parte portuguesa, temos recebido o apoio da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, sobretudo do secretário de Estado, e temos tido o acompanhamento dos respetivos deputados pela Emigração”, revelou Manuel Campos, sem esquecer a disponibilidade mostrada pela direção dos Caminhos de Ferro da Alemanha. “Deram-nos todo o apoio para fazermos a celebração no local da chegada dos imigrantes, a estação de comboios de Colónia e procedermos à colocação de uma placa comemorativa, dedicada ao milionésimo imigrante, o português Armando de Sá (ver caixa)”, revelou ainda, considerando o descerramento da placa como “um facto histórico”.
O programa das celebrações tem quatro momentos-chave. O primeiro tem início às 10 horas, com uma recepção oficial na ‚Rathaus‘ (Câmara Municipal) de Colónia. Para além da presença confirmada do Embaixador de Portugal na Alemanha, Luis de Almeida Sampaio, Secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, dos deputados pela Emigração Carlos Gonçalves e Paulo Pisco, da ministra de Estado da Integração, Aydan Özogüz, do ministro de Trabalho e Integração da Renânia do Norte-Vestefália, Guntram Schneider, e de representantes da Confederação dos Sindicatos e da Federação do Patronato, vão estar presentes ‚pioneiros‘ da imigração para a Alemanha, naturais de vários países.
„ Será um ato reconhecedor do papel dos imigrantes. Não podemos esquecer que Colónia é um aglomerado de população estrangeira, uma cidade multi-cultural“, destaca Manuel Campos, que escreveu duas canções a ser interpretadas durante a receção da Câmara. Uma em alemão, outra em português. Se a primeira versa em torno dos direitos dos estrangeiros na Alemanha («Tu não estás a ver? / Eu tenho cabelo negro, olhos escuros, porque sou estrangeiro / Tu achas que vou deixar este país agora só porque sou estrangeiro? / Não, este país é meu»), a segunda, «Heróis sem Mar», parte do Hino Nacional para falar da emigração recente e, sobretudo, da saída de jovens de Portugal por falta de oportunidades (No seu mundo não há pátrias, nem fronteiras nem razões / para marcharem com coragem contra os canhões / a Pátria é uma ideia ‚morta‘ que neles nunca viveu / são o Sexto Continente que já nasceu). „Eu espero que o pessoal não leve a mal, mas esta é a realidade dos jovens na emigração“, afirma Manuel Campos.
Estação de Colónia: Reconstituição histórica
A estação de Köln-Deutz será o local do segundo momento importante das comemorações. Foi ali que há 50 anos atrás, chegaram os trabalhadores estrangeiros que ajudaram a desenvolver economicamente a Alemanha. Dali eram distribuídos para os vários destinos no país, conforme os contratos de trabalho que levavam. A estação foi a primeira imagem da Alemanha, para milhares de portugueses que desembarcaram no pais, em 1964 e nos anos seguintes. Foi o caso do milionésimo imigrante a chegar ao país, e é por isso que no dia 13 de setembro, a partir das 12 horas, a estação dos caminhos-de-ferro de Colónia vai ser palco da encenação da chegada histórica de Armando Rodrigues de Sá, que será apresentada por um grupo de teatro intercultural do Centro Internacional das Cáritas de Colónia.
“Um grupo de imigrantes estrangeiros, de várias nacionalidades, de uma escola e integração de Colónia, vai fazer essa encenação, que vai repercutir a imagem do que aconteceu há 50 anos”, revela Manuel Campos. A reconstituição incluirá imagens e sons da recepção feita a Armando de Sá, cedidos pelos caminhos de ferro. Um grupo de músicos alemães vai interpretar uma das canções tocadas na chegada de Armando de Sá, a 10 de setembro de 1964. No final, vai ouvir-se a canção «Ei-los Que Partem», de Manuel Freire. A cerimónia termina com o descerramento uma placa evocativa, feito pelo autarca de Colónia e pelo Embaixador de Portugal, que será colocada na entrada principal da estação, dedicada ao milionésimo imigrante (o português oriundo de Nelas). Através dele, pretende homenagear todos os outros imigrantes que foram para a Alemanha. A acompanhar a cerimonia, estarão os dois filhos e o neto de Armando de Sá.
Já na parte da tarde, as celebrações prosseguem com um colóquio reflexivo sobre os «50 Anos», a ter lugar no Museu da Cultura de Colónia, onde também será realizada a festa comemorativas dos 50 anos a emigração portuguesa para a Alemanha.
Aberto pelo Embaixador de Portugal e por Nelson Rodrigues, um dos organizadores das comemorações, o colóquio será dividido em três partes e começará com uma retrospetiva histórica da presença portuguesa. Um mesa redonda com a presença de portugueses que viveram muitos dos momentos da imigração no país conclui a primeira parte do evento. A segunda parte será centrada na integração sócio-política dos emigrantes portugueses, seguida de uma mesa redonda. Por último, o colóquio vai discutir os potenciais económicos da comunidade portuguesa, com especialistas nesta área.
As comemorações terminam à noite com a realização e uma festa com início marcado para as 19 horas. A apresentação do Estrada Fado Group, um grupo de fado com elementos diferenciados, como a substituição da guitarra portuguesa por um instrumento turco, uma espécie de guitarra tradicional. Vai ainda atuar o Rancho Folclórico de São Pedro, de Colónia, e um jovem violinista luso-descendente. A componente musical termina com a apresentação da Banda Lusitana, de Hamburgo.
A organização espera que o 13 de setembro seja um dia inesquecível. Mas tão importante como a celebração dos 50 anos da emigração lusa e da chegada de Armando de Sá, será poder contribuir para uma maior visibilidade da comunidade portuguesa em Colónia. “A componente oficial e institucional vai ajudar a atrair a atenção alemã, nomeadamente dos media. Vamos depois fazer uma reportagem completa desse dia que será disponibilizada. E por outro lado, vão ficar imagens para a história, como a placa que será afixada no lado de fora da estação dos comboios. Estou convencido que vamos ter a possibilidade de dar visibilidade a tudo isso”, afirma Manuel Campos.
Os trabalhadores considerados aptos recebiam na sede da entidade de ligação um contrato de trabalho assinado pela entidade patronal e pelo trabalhador. Este contrato, cujo duplicado era enviado à Junta, era elaborado em português e em alemão, e “visado pela Junta e pela entidade de ligação.” Esta última, organizava com a Junta a viagem do trabalhador até ao local de trabalho na Alemanha e os trabalhadores recebiam da entidade de ligação um farnel correspondente à duração da viagem ou um subsídio equivalente. O acordo bilateral especificava ainda que os trabalhadores portugueses seriam colocados na Alemanha nas mesmas condições de remuneração e trabalho das que estivessem em vigor para os trabalhadores alemães.
Foram essas condições que levaram um carpinteiro de Vale de Madeiros, concelho de Nelas, distrito de Viseu, a rumar àquele país. Armando Rodrigues de Sá nasceu em janeiro de 1926 e emigrou para a Alemanha em 1964, com destino a Estugarda, deixando em Portugal a mulher e os dois filhos. Chegou à estação de comboios de Colónia o dia 10 de setembro, e para grande surpresa sua, tinha à espera uma comissão de boas-vindas: por um acaso do destino, Armando de Sá acabava de se tornar no trabalhador estrangeiro número um milhão. Sem perceber o porque de terem chamado pelo seu nome, perplexo e assustado com a recepção, o carpinteiro português viu-se cercado de jornalistas, recebeu um ramo e flores, os cumprimentos das autoridades… e uma mota Zündapp, com matrícula portuguesa. De um momento para o outro, e sem perceber como, tornou-se uma celebridade e entrou para a História. Armando Rodrigues de Sá foi fotografado e a sua imagem em cima de uma Zündapp faz hoje parte de museus e manuais de História.
Nos seis anos seguintes, passaria várias temporadas na Alemanha, mas em 1970 sofreu um acidente de trabalho, que o fez regressar a Portugal, tendo trazido a motorizada que recebeu do governo alemão. Já na sua terra, foi-lhe diagnosticado um cancro e faleceu em 1979, aos 53 anos de idade. A sua mota ficou vários anos guardada num alpendre, até a viúva de Armando de Sá a vender ao Museu da História Contamperânea da Alemanha, em Bona, onde está em exposição, até hoje. A ‘aventura’ de Armando de Sá faz parte da História da emigração portuguesa no século XX e da presença portuguesa na Alemanha. Mas em Portugal são ainda poucos os que conhecem o percurso de vida de um carpinteiro que se tornou no símbolo da imigração na Alemanha e de um tempo em que mais de um milhão de portugueses deixaram o país em busca de uma vida melhor.
A Comunidade Portuguesa
Na sua maioria, os portugueses de Colónia – que rondam os 3.500 – trabalham no sector metalo-mecânico e automóvel, e ainda no setor siderúrgico, mas em menor número. Há alguns a trabalhar nos serviços públicos e durante muitos anos, houve bastantes portugueses no setor dos Correios da cidade. “Os portugueses estão distribuídos por vários setores, mas o maior é o da metalurgia”, sublinha Manuel Campos, revelando que Colónia é ainda uma cidade com muito comércio português. “Diz-se que além de Hamburgo, é a cidade com mais negócios portugueses. Há até uma rua (a Liebigstrasse) chamada a ‘rua dos restaurantes portugueses’”, revela.
Mas Manuel Campos afirma que o perfil da comunidade portuguesa mudou muito. “Antigamente tínhamos uma emigração (portuguesa) que era intelectualmente pobre e manualmente muito ativa, e agora é o contrário: uma emigração mais jovem do que antigamente, mas formada. São emigrantes que chegam cá e começam logo a produzir, num país que não investiu para que eles crescessem e se formassem”, explica. Mesmo assim, defende que comunidade portuguesa tem que tomar consciência das suas potencialidades e para isso tem que se abrir à sociedade. “Vivemos muito tempo ‘enclausurados’ em nós mesmos, nas nossas associações onde reproduzíamos a sociedade portuguesa e o objetivo era não dar nas vistas. E isso tem que mudar, porque temos muito para oferecer”, alerta.
A mudança não terá a ver apenas com os jovens que chegam com maiores qualificações académicas. “Muitos dos centros, associações, missões católicas, locais onde antes as pessoas encontravam uma espécie de refúgio, fecharam. Ainda há um ou outro centro português, uma ou outra missão católica, mas as pessoas encontram-se mais hoje em dia em restaurantes e cafés, e integram-se mais na sociedade alemã”, explica, acrescentando que esta mudança fez com que a emigração mais recente se tenha diluído na sociedade em geral, tornando “mais difícil encontrar os portugueses”. “Nós seremos pouco mais de 150 mil portugueses na Alemanha e estamos diluídos na sociedade alemã”, afirma.
São as redes sociais na internet que têm ajudado a encontrar os portugueses no país e foram ainda ferramentas importantes para fazer chegar a esses, a informação sobre as celebrações em Colónia dos 50 anos da emigração portuguesa e da chegada do imigrante um milhão
Ana Grácio Pinto
apinto@mundoportugues.org
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