A 21 de junho deste ano, José Cesário completou o primeiro ano à frente da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Um cargo a que regressou (exerceu-o anteriormente entre 2002 e 2004) no momento em que o país está a braços com uma grave crise económica. Com limitações orçamentais impostas por estas circunstâncias especiais, Jose Cesário vê o seu espaço de atuação bastante reduzido, mas mesmo assim revela nesta entrevista exclusiva a O Emigrante/Mundo Português o que poderá fazer sem exclusiva dependência orçamental.
Poucas vezes como hoje foi tão decisiva a ligação às nossas comunidades. Não apenas por motivos económicos, que estão à vista, mas também por motivos políticos e até culturais. Porque as comunidades têm para nós, um potencial – que referimos há vários anos – que assume hoje uma importância cada vez maior. Há muitos países do mundo onde a presença portuguesa, os negócios, a influência política, depende muito dessas mesmas comunidades. Por isso, essa mesma ligação é decisiva. Acho absolutamente indispensável, que se mantenha este sincronismo e ter um membro do Governo dedicado a esta tarefa: de alguma forma coordenar e desenvolver alguns programas que visam essa ligação.
Por outro lado há a questão da existência de determinados serviços que se destinam a um universo de pessoas que é cada vez maior. Porque se é verdade – e é – que a emigração portuguesa tem aumentado nos último anos de forma significativa, há cada vez mais gente a quem temos que garantir aquele número mínimo de serviços que os liga a Portugal em termos formais. Também para isso, é indispensável a existência de quem coordene. E como se faz isto num contexto de «vacas magras»? Faz-se com muito mais rigor. Tenho dito que nalgumas áreas até é possível fazer mais coisas, mas temos que ser é muito mais seletivos e criteriosos.
Há um ano atrás referiu-se aos empresários portugueses nas comunidades como “uma plataforma fabulosa de contatos”. Para esse universo empresarial da diáspora, e com o fim do Netinvest, o que está programado para o substituir?
O Netinvest era um programa que teve várias fases. Na sua versão inicial foi apresentado praticamente como um fundo de apoio ao investimento em Portugal. Essa versão foi abandonada cedo e passou para uma segunda fase em que aquilo que estava em causa era a montagem de um conjunto de serviços, nomeadamente um balcão virtual, o cadastramento das empresas e dos empresários das comunidades, e a realização de um conjunto de eventos, tipo seminários, para a promoção do investimento. Ora, a verdade é esta: para realizar qualquer uma destas ações, talvez à exceção do tal balcão único, não é indispensável, nem nunca foi, haver Netinvest. Nós vamos avançar com o tal recenseamento das empresas e dos empresários. E vamos fazê-lo nós, com os nossos instrumentos. Aliás, dificilmente, qualquer empresa à qual se entregasse esta tarefa, conseguiria utilizar uma rede idêntica à que nós temos, nomeadamente a dos consulados e das embaixadas. Nós conseguimos fazer essa tarefa perfeitamente.
Os encontros dos empresários têm muito a ver com a estratégia que a AICEP, em articulação aqui com o Ministério venham a desenvolver. Esses encontros são feitos pontualmente neste ou naquele local, em função das prioridades. Há paralelamente outro esforço que tem que ser feito: com a rede de câmaras de comércio e associações empresariais, que podem ser pontos de apoio muito bons quer para os empresários portugueses que se querem internacionalizar, quer no sentido inverso, para empresário de fora que queiram investir em Portugal. Essa rede vai ter que ser revitalizada e aí é preciso que a própria AICEP também defina canais de ligação a essa mesma rede.
Nós, aqui, a esse nível, somos mais sensibilizadores, é isso que nos compete fazer. Podendo pontualmente desenvolver uma ou outra ação, que seja considerada mais importante. Se for importante realizar um evento em Portugal para juntar empreendedores portugueses que estão fora de Portugal, esse evento é feito. E posso dizer-lhe que estamos a programar alguns que a seu tempo serão divulgados. Ao contrário, se houver empresários portugueses que queiram contactar com empresários portugueses lá fora, esse contacto também tem que ser facultado.
O Netinvest ressurgirá então noutros moldes…
O Netinvest teve o seu tempo e não foi das experiências mais interessante, porque vendeu-se um slogan às pessoas sem perceber muito bem o que se queria dele. Importa mais falar de ações. Estamos a realizar ações e vamos realizar mais. E há coisas que não se podem desligar: se fazemos uma ação voltada para políticos ou para órgãos de comunicação social da diáspora, não podemos desligá-los da tal vertente empresarial, porque é uma forma de através de uns, chegar aos outros.
Tenho referido muitas vezes que importa-nos muito criar redes que envolvam os antigos protagonistas juntamente com os novos. Ora, nós precisamos de novos protagonistas. Não podemos continuar a viver nas comunidades apenas das figuras de referência de há 20 ou 30 anos atrás. Precisamos que esses se mantenham, mas precisamos também de gente mais nova. Por isso é que a criação de redes nas mais variadas áreas – sejam mulheres, políticos, jovens, empreendedores, órgãos de comunicação, área social, etc – é vital para trazer sangue novo para esta discussão. É preciso que essas pessoas se habituem a vir a Portugal, conheçam os seus interlocutores do lado de cá e possam começar a carrear experiências de um lado para o outro.
Até por essa via vamos dar passos que se vão traduzir em ações. Não vale a pena estar a falar aqui em grandes programas, estamos a funcionar de acordo com uma estratégia que aponta fundamentalmente para a concretização de coisas de maneira a aproximar as pessoas. É isso que está em causa.
Nesse âmbito, há ações programadas?
Temos feito em vários pontos do mundo, com menor ou maior sucesso, em vários domínios, reuniões diferenciadas com vários grupos. Fizemos agora com os luso-eleitos e vamos continuar a fazer. Temos um programa de ações para este ano. Vamos realizar ainda antes do fim do ano, no Porto, um seminário internacional onde se vão discutir às várias facetas da emigração portuguesa. Um conjunto de seminários que se vão realizar no Brasil, organizados por pessoas que têm já muito trabalho feito neste domínio. Temos vários trabalhos de investigação que estão a ser realizados por várias instituições universitárias. E temos um leque de eventos: um encontro dos promotores sociais que vai decorrer em Outubro; um encontro de jovens talentos das comunidades que deverá ocorrer em Novembro; um encontro da comunicação social; dois encontros de jovens; temos a continuação das ações para as mulheres que se vão realizar em vários sítios, como em Outubro, no Cone Sul. O calendário é sério e vai tentar despertar algumas pessoas.
Essas ações são pontuais, mas depois há que alimentar e manter essas ligações, nomeadamente aos luso descendentes. Como espera fazê-lo?
Com as redes, que têm e funcionar. Mas aqui há um dilema grande. Quando dizemos que a sociedade civil deve «respirar», não deve ser limitada pelo Estado, e este é o nosso princípio, temos que ver até que ponto a sociedade, é capaz de dinamizar essas redes. O dilema é: deixar que isto aconteça assim ou introduzir alguns fatores que possam incentivar e acompanhar esse trabalho.
Eu admito que tenhamos introduzir alguns fatores e periodicamente ter alguém – a começar por mim – que vá perguntando a essas pessoas o que está a acontecer de maneira a manter-se essa ligação. Na sequência do encontro de Cascais (I Encontro Mundial de Luso-Eleitos), já fizemos um contacto com todos os presentes, já enviamos os contactos de todos e vamos passar a veicular para eles um conjunto de informações que consideramos importantes em termos da nossa agenda.
Em futuros encontros em cada uma destas áreas, vamos ter que trazer gente nova cá ou a ir aos sítios onde se realizem. Mas tem que haver algumas pessoas que façam a ligação aos encontros anteriores, que sejam «pivôs».
Por falar em redes: o Ensino do Português no Estrangeiro (EPE). Em abril deste ano, durante uma deslocação a Paris, disse que era preciso haver um “lóbi do ensino do português”. Há anos atrás, quando era deputado, defendeu neste jornal que não se poderia realizar todas as realidades do EPE de uma mesma forma. O que está ainda por fazer?
A questão é saber até que ponto a rede do ensino do português no estrangeiro consegue albergar todas essas realidades, que se afirmam muito distintas. Mesmo na rede tradicional do EPE, há realidades distintas, e mais ainda fora dele. O que estamos a procurar fazer, tanto quanto possível, é alargar o âmbito de cobertura do EPE.
Já estamos a desenvolver ações concretas para enquadrar algumas dessas realidades. É o caso do ensino que se faz na América do Norte. Neste momento já é adquirido que há uns milhares de alunos na América do Norte que vão passar a ter uma relação mais direta connosco. Não deixarão de ser utilizadores dos sistemas locais – quer públicos, quer privados, leia-se associativos – mas passarão a ter uma relação connosco a partir do momento em que lhe será facultada a possibilidade de, por um lado, terem uma avaliação se entenderem que precisam dela, e, por outro lado, beneficiarem já de alguns apoios de natureza pedagógica, como a questão dos livros. Isso já nos permite começar a alargar progressivamente este ano.
Começamos a ter também notícias de vários locais onde começa a alargar-se o investimento de países, estados ou de autoridades locais no ensino do português. Nomeadamente em Miami e em Nova Iorque. Começamos a ter sinais – vamos ver se se concretizam ou não – de alguns locais na Europa, como é o caso do Luxemburgo, de um dos cantões da Suíça, onde poderá começar a haver investimento local. Cada vez mais o ensino do português no estrangeiro tem que ter uma estrutura de coordenação que seja no fundo uma estrutura de ligação de um conjunto de realidades muito diferentes.
Mas para si, que é a estrutura ideal?
O ideal é que haja sempre uma relação de envolvimento com as autoridades locais, total ou parcial, isso é evidente. O ensino puro de gueto não interessa a ninguém. Agora, o que nós não podemos é desligar-nos desse tipo de ensino. Os canadianos não precisam de nós para nada, para terem lá quanto mil alunos de português, nomeadamente no Ontário. Eles já pagam os professores, é tudo feito por eles. Mas a nós interessa-nos estar com eles nesse esforço, nomeadamente dar-lhes apoio técnico, para eles perceberem que estamos interessados. Porque se perceberem isso, vão alargar esse esforço. Estrategicamente é esse o nosso objetivo. Agora, que há realidades completamente dispares, há.
Em relação ao anunciado pagamento de propinas, quando avançará?
A medida foi anunciada mas só poderá avançar depois de haver um diploma que a aprove e é nisso que estamos a trabalhar. Já recebi os sindicatos de professores, vamos alterar o diploma que regula o regime jurídico do ensino do português no estrangeiro, o Decreto-Lei 165-C. Vai ser alterado tendo em consideração várias questões: o concurso dos professores, a ligação à comunidade, a introdução da certificação de acordo com os níveis do QuaREPE (Quadro de Referência para o Ensino Português no Estrangeiro) e a questão da possibilidade da cobrança de propinas.
Mas atenção: é uma possibilidade que vai ficar em aberto. Que nós dizemos «vamos utilizá-la», mas amanhã pode-se concluir que não é possível utilizá-la. E os futuros governantes vão ficar com um instrumento que lhes vai permitir fazer opções.
A ser implementada, será cobrada de acordo com as possibilidades das famílias?
Vai ser cobrada tendo em consideração várias questões. Há locais em que não é possível cobrar porque há acordos feitos com determinados estados que nos impedem de o fazer, nomeadamente tudo o que implique ensino integrado. Depois, vamos ter em consideração circunstâncias que limitam as famílias: desemprego, famílias monoparentais, e admito até que o pagamento seja faseado para que as pessoas não digam que isto é um obstáculo à aprendizagem do português. O que não é, porque este é um valor meramente simbólico.
Alias, para o próximo ano letivo até vamos aumentar o número de alunos na rede. Vamos aumentar cerca de 1.500 em relação ao que tínhamos este ano e passar para mais de 57 mil alunos. Tenho dito que o nosso objetivo é viabilizar, é garantir que o ensino do português no estrangeiro, continua. Para continuar, por causa das reduções orçamentais, é evidente que temos que ser muito mais rigorosos na gestão da rede, temos que acabar com situações que são manifestamente de desperdício: professores com pouquíssimos alunos ou experiências que não resultam. Por outro lado temos que introduzir alguns fatores de qualidade, porque eles não existem, vamos ser francos: Não há programas, não há avaliação, não há nada disto, essa é que é a verdade. Há pontualmente algumas experiências de avaliação porque localmente as autoridades o exigem, não porque Portugal o queira.
Mas não há uma estrutura montada?
Há uma estrutura, sempre houve. Simplesmente mudou-se para isto como uma forma de atirar dinheiro para as pessoas. Vamos ser claros: isto não é nenhum modelo de ensino. Para o ser um modelo de ensino, tem que haver planos de trabalho, programas, os pais têm que saber o que os filhos vão aprender, tem que haver o mínimo e neste momento não existe. Estamos a começar a tê-lo agora.
É claro que isto é pesado, porque a estrutura do Instituto Camões não vai aumentar. São as mesmas pessoas que tínhamos, a fazer muito mais. Estamos a acompanhar esse esforço diariamente, mas acho que vai valer a pena e que a maior parte das pessoas vai perceber – quer os professores, quer os pais – que vamos passar para uma nova era. Agora, isto não se vai resolver tudo de um dia para o outro, nem é agora no próximo ano letivo que estará tudo mudado. Este ano já conseguimos fazer reajustamentos que nos permitem ter mudanças significativas na rede para o ano. Mas preciso fazer muitíssimo mais. À medida que vou analisando cada caso, vou verificando situações absolutamente inacreditáveis.
Por falar em instituto Camões como está a decorrer a fusão com o IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento)?
Está a começar a ser feita. A presidente da nova direção do Instituto já está a trabalhar com todos os serviços. Há um problema de integração de todos os serviços, o que vai ser feito ao longo dos próximos meses, não lhe posso dizer com exatidão até quando.
São cada vez mais os portugueses que estão no estrangeiro. Chegou já a referir nos últimos anos entre 120 e 150 mil portugueses saem de Portugal anualmente. No encontro de luso-eleitos realizado em Cascais no mês passado, referiu a importância das permanências consulares. Elas serão uma forma de colmatar os encerramentos dos postos consulares?
Nós fechamos quatro pequenos postos e vamos fazer permanências em todo o mundo. Na maior parte dos países não houve fecho de consulados: nos Estados Unidos, no Canadá não houve e em variadíssimos países da Europa não houve nenhum, como na Suíça. A questão é outra: as permanências consulares acontecem porque nós compreendemos que os consulados têm que se aproximar das comunidades. Hoje o formato é este, que está divulgado através dos novos equipamentos móveis, amanhã será de outras formas, porque terá que evoluir.
Mas eu não fico satisfeito com um sistema em que a pessoa tem que se deslocar a determinado local se quiser tratar de documentos como o passaporte ou o cartão do cidadão, que são os elementos básicos para o identificar como português. E quando a pessoa é obrigada a deslocar-se distâncias enormes e às vezes não consegue ser atendida, é lógico que fique amargurada com isso. O que queremos é que esse consulado – uma estrutura naturalmente fechada que está à espera dos clientes – passe a ir ao encontro de algumas dessas pessoas, progressivamente, cada vez mais. É essa mudança e filosofia que as permanências consulares têm por objetivo. Já se realizam na Alemanha e França. O nosso objetivo é chegar a todos os países.
Está prevista a abertura de mais consulados honorários? Quando abrirá o de Andorra?
O de Andorra está completamente pronto, estamos apenas a resolver o pagamento de algumas coisas, que está em curso. Neste momento já tem condições de funcionar.
Revelou recentemente que ira propor a extinção dos Conselhos Consultivos ligados aos consulados e a sua substituição pelos Conselhos para a Participação à escala de cada área consular, cujos membros reúnam com os cônsules para tratar de questões ligadas à política, ao social, ao associativismo, etc. Havendo esses Conselhos para a Participação, pergunto-lhe: para que serve o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP)?
O CCP é um organismo de representação à escala mundial e depois tem que ter representações regionais, é esse o papel que terão e que acho muito importante. Os conselhos consultivos são de caráter estritamente local e a nossa intenção é que haja grupos de pessoas que em função de determinadas temáticas, aconselhem os chefes de posto e no fundo o próprio governo.
Essas estruturas não chocam com as estruturas locais do CCP?
Não, se tivermos um conselho de país para França, do CCP, podemos ter perfeitamente em Paris, Lyon, Bordéus, Estrasburgo, Toulouse, na Córsega, grupos por áreas de interesse: de políticos, de jovens, de mulheres, um grupo para a educação, que trabalham com força. Mas, se houver algum conselheiro (do CCP) local eleito por aquela determinada área, poderá integrar também esse grupo, desde que o deseje. A articulação tem que ser feita. Nós temos que ter é cada vez mais gente envolvida nisto, esse é o objetivo.
Já apresentou aos conselheiros uma proposta de alteração à lei que rege o CCP e que eles estão a estudar. O que quer mudar? Voltarão a haver só membros eleitos?
Vão ser todos eleitos.
Revitaliza as estruturas locais em detrimento das comissões?
Sim, claro. As estruturas locais serão privilegiadas. Haverá uma representação global – uma comissão permanente – que reunirá em Portugal periodicamente. Mas ainda estou à espera dos contributos, estou há um ano à espera. Vamos continuar a esperar um bocadinho mais, de acordo com o que combinamos, e em princípio lá para o fim do ano, teremos uma proposta de lei ou um projeto-lei, é uma questão que terei que discutir com os senhores deputados
Quais são para o futuro os seus grandes desejos?
Que os portugueses que estão lá fora se sintam tão portugueses como os que estão cá.
E o que vai fazer para isso?
É dar passos, é fazer ações para permitir essa aproximação. Isto não tem a ver só com os governos, mas com a sociedade em geral. Se, por exemplo, colocamos as universidades a refletir sobre esses problemas, haverá um maior acompanhamento desta realidade. Espero que as pessoas cá percebam que têm tudo a ganhar em viver mais próximos dos que estão lá fora. E que essa ligação não acontece apenas no mês de agosto e no Natal, quando eles vêm cá gastar o dinheiro. E também é preciso que os que estão lá fora percebam que vale a pena ter uma maior ligação a Portugal. À medida que vamos dando passos nesse sentido fico muito feliz.
A Secretaria de Estado das Comunidades já tem a visibilidade, em Portugal, que deve ter?
Nalgumas áreas tem, noutras não. Temos que ir fazendo os possíveis e os impossíveis para ter cada vez mais.
Ana Grácio Pinto e José Manuel Duarte
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