O projecto “Telecel” deve ter sido para um gestor um grande orgulho, algo que nasceu exactamente do zero e que ninguém sabia muito bem o que iria ser…
De facto orgulho-me muito desse trabalho, que uma fantástica equipa levou a cabo. No que me diz respeito, fui apenas o “integrador do talento” dos colegas já que valorizo bem mais o “nós” do que o “eu”.
É um privilégio ser um provocador da emergência dos talentos. Terminado o período de ouro do desenvolvimento da Telecel, o apelo da Unicer para integrar a empresa e pensar os mercados internacionais foi muito forte.
A Unicer também é uma paixão?
Sim, é uma paixão entre as paixões da minha vida.. Quem me conhece percebe facilmente que gosto de viver intensamente. Levanto-me às seis e meia da manhã e começo o meu dia com um footing nas praias de Leça. Gosto de viver percorrendo a realidade…
Isso é bastante importante na sua vida?
A minha disponibilidade para esta empresa é total. Até ao fim do ano, acompanhado de alguns colegas, deslocar-me-ei numa missão empresarial à África do Sul e Moçambique, noutra missão à Turquia e ainda irei ao Brasil. Ser cidadão do mundo, viver permanentemente em contacto com clientes e parceiros de outras culturas e com trabalho, trabalho, trabalho é relativamente fácil alcançar a realização pessoal.
Ao longo destes dez anos à frente da Unicer o que é que mudou na relação às comunidades portuguesas?
Quando iniciamos o trabalho na Unicer a empresa vendia cerca de 16 milhões de litros e tinha uma abordagem reactiva face aos mercados numa lógica de exportação de capacidade excedentária, limitando-se a responder à solicitação de potenciais clientes. Nos anos recentes a empresa conseguiu vender cerca de 200 milhões de litros de bebidas,. A grande batalha foi o desenvolvimento de uma nova cultura organizacional capaz de uma abordagem mais estruturada aos mercados. Isso quer dizer uma maior actividade na procura e selecção de parceiros. Assim a Unicer desenvolveu e potenciou a sua rede de parcerias. A melhoria dos níveis de serviço, a capacidade de inovação a nível de produto e o reforço do investimento em “trade-marketing” tornaram a Unicer mais capaz de responder às solicitações dos nossos distribuidores. Simultaneamente optamos por uma maior presença em eventos internacionais e uma mais cuidada selecção de novos parceiros. Assim conseguimos alargar a nossa presença em novas geografias, estando actualmente em 50 países, e consolidamos as nossas relações de parceria com os distribuidores, a quem preferimos ver como parceiros estratégicos de longo prazo. A nossa aposta estratégica na constituição de equipas comerciais locais, tornou-se um factor distintivo no apoio e serviço aos nossos parceiros e à abertura de novos canais. A internacionalização é o nosso desígnio.
As comunidades portuguesas apresentam alterações estruturais significativas? Há novos destinos de emigração?
Sem dúvida que esse representa um dos principais factores de alteração dos mercados. De facto, a Europa conhece recentemente uma alteração de destinos tradicionais de emigração. Por um lado existe alguma tendência para o envelhecimento ou retorno nas comunidades de Franca. A Suíça, Luxemburgo e Inglaterra vêem o número de emigrantes aumentar, proporcionando uma âncora étnica cada vez mais forte para os nossos produtos. Na Suíça e no Luxemburgo faz-se inclusive notar o peso dos profissionais portugueses a operar na restauração o que potencia a receptividade aos nossos produtos. Outro dos efeitos a salientar é o interesse cada vez maior das cadeias de distribuição do sector alimentar que começam a perceber a importância dos produtos portugueses para a atracção de público às lojas. Atentos a estas realidades reforçamos as nossas parcerias no mercado suíço com um operador nosso accionista a Feldschlósschen, bem como reforçamos a nossa estrutura comercial no Luxemburgo, na Alemanha e em Inglaterra. De qualquer forma gostaria de salientar que a Unicer tem como objectivo estratégico estabelecer também a sua marca fora dos mercados étnicos…
Importa-se de precisar com maior detalhe…
Cada vez mais, com a exposição dos consumidores Europeus a marcas regionais, por via das contínuas viagens de negocio e pela via turismo, têm-se vindo a verificar o crescimento do segmento de cervejas de “world beer” com os consumidores mais disponíveis para a experimentação de cervejas de outras origens. A Unicer pretende, com base no reconhecimento das suas marcas, do portfolio alargado que contem muitas cervejas de especialidade, e na competitividade dos seus produtos tornar-se urna marca de referência neste segmento específico.
Qual a posição actual da Unicer nos mercados de exportação. Na sua perspectiva quais as principais vantagens competitivas que justificam a posição da Unicer?
A Unicer é líder destacada no segmento de exportação de cervejas portuguesas com mais de 73% dos volumes totais vendidos no mundo e com uma quota em valor superior a 80%. No meu entender, a qualidade das parcerias e a capacidade de relacionamento com a rede de distribuição são o principal factor diferenciador, claro está associado à qualidade da cadeia de valor, e à capacidade de produzir produtos de qualidade superior a preços competitivos. Quero ainda realçar que beneficiamos de trocas de experiências e do conhecimento da nossa accionista Carlsberg em várias áreas do processo produtivo. A excelência do nosso departamento de qualidade e dos nossos “brewmasters” é reconhecida.
Qual o papel que a inovação tem tido no sucesso da empresa?
Embora a indústria cervejeira apresente especificidades e em muitos dos casos os gostos do consumidores sejam estáveis e formados ao longo do tempo, é importante tentar atrair novos públicos e responder aos segmentos de publico que estão disponíveis para a experimentação. Assim, ao nível do produto, temos de realçar a importância de lançamentos como a “Super Bock” “Green”, “Stout” e “Abadia”, que atraíram novos públicos ao consumo de cerveja. No entanto a inovação não se situa apenas a este nível, mas em todas as outras áreas. Em termos de processos destaco por exemplo o caso do barril de tara perdida em que a Unicer foi pioneira mundial na instalação de linhas de produção. Igualmente interessante foi a instalação de um processo inovador de produção de cerveja sem álcool. Mas a inovação não se restringe a este âmbito. Ao nível do marketing, quer na componente de comunicação com o consumidor quer no desenvolvimento de novas embalagens, a Unicer destaca-se como o exemplifica o recente lançamento da Super Bock Mini pull-off (abertura fácil) em que mais uma vez a Unicer foi primeira a trazer para o mercado novas soluções para o consumidor.
A Unicer parece apostada em definir uma estratégia mais ampla de internacionalização. Qual a sua visão para o futuro das operações em mercados internacionais?
Com a chegada do António Pires de Lima o modelo de internacionalização tornou-se bem mais claro. Mais do que uma aposta, trata-se de um imperativo. No contexto actual a Unicer confronta-se com um mercado nacional maduro, que apresenta poucas possibilidades de crescimento. Ao mesmo tempo detém um know-how relevante na operação de empresas de bebidas, marcas e capacidades de inovação que podem ser transferidas para outros mercados. Em primeiro lugar estamos a desenvolver uma fábrica de raiz no mercado Angolano, que é o mercado onde atingimos maior escala no contexto internacional. Essa experiência poderá contribuir para a avaliação de novas oportunidades de investimentos e parcerias nos Palop. De realçar que estes países apresentam taxas de crescimento previsionais superiores a 7%. Este facto associado à emergência do Brasil como uma dos principais economias mundiais com forte influência junto dos chamados BRICS (Brasil, Índia, China e Rússia), faz-nos crer que a Unicer suportada numa estratégia proactiva de parcerias pode atingir urna facturação superior a mil milhões de euros e poderá vir a desenvolver uma presença consolidada em países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo-Verde e Brasil. Parece-me que o corolário do sucesso na exportação terá de ser a presença sustentada com produção local nos mercados mais dinâmicos. A Europa apesar da forte consolidação poderá também apresentar oportunidades.
O facto, da indústria cervejeira estar numa fase de consolidação significativa, representa uma ameaça ou uma oportunidade?
Penso que se trata de uma grande oportunidade. A consolidação tem excluído, do mercado, produtores menos eficientes e tem gerado uma enorme pressão para a racionalização das estruturas produtivas. No entanto, tendencialmente a concentração da produção mundial de cerveja na mão de um grupo restrito de produtores globalizados tem levado á uniformização dos produtos e processos e consequentemente á redução da escolha dos consumidores. Na sequência de grandes aquisições o que se tem verificado, face á pressão da rentabilidade e do endividamento é que as empresas desinvestem alguns activos. Ou seja oportunidades selectivas existem para aquisições de unidades de menor dimensão, em geral operando em sectores de especialidades que podem ser um excelente complemento de gama para uma empresa como a Unicer. Ou seja oportunidades de crescimento aquisitivo existem mesmo em mercados maduros para uma empresa com capacidade de gestão e de fomentar eficiências na produção e sinergias em fases do processo. Penso que a Unicer deverá ser bastante proactiva na procura dessas oportunidades. Será possível ter a ambição de vir a ser um integrador do sector das “specialties” e criar uma oferta internacional abrangente com retorno para os accionistas
A principal concorrente nacional é actualmente detida a 100% por uma multinacional, qual o significado dessa situação na sua empresa?
De facto, não vou esconder que é com orgulho que se vive na Unicer o facto de sermos a única cervejeira que se pode reclamar de portuguesa, pois o centro de decisão estratégica é nacional. A entrada de um grande grupo internacional induziu no sector uma maior pressão para a eficiência o que é de todo salutar a médio e longo prazo. A entrada de um grande grupo internacional concorrente irá certamente obrigar a critérios de exigência no que respeita ao retorno do capital investido e condicionar outras políticas. A nível internacional temos sentido que se trata de uma oportunidade já que os distribuidores étnicos compreendem que a Unicer pode dar garantias de uma parceria mais estável a longo prazo na medida em que tendencialmente a concorrência tenderá a operar por via das suas unidades de distribuição próprias nos mercados onde opera. Assim temos cada vez mais sido abordados por distribuidores da concorrência que pretendem reduzir o risco inerente às suas operações e manter a ligação ao Portugal “Autêntico”.
A Unicer atravessou um período de reestruturação que resultou na redução da sua dimensão, que balanço faz desse processo?
Tal com referi anteriormente o contexto competitivo obrigou a uma cuidada análise dos processos e à busca de eficiências com vista a poder manter simultaneamente a competitividade e garantir o adequado retorno aos accionistas. Este movimento ao assegurar a optimização de processos e resultados foi fundamental para assegurar a competitividade futura e permitir os níveis de investimento necessários para a manutenção da Unicer como empresa líder ao nível da qualidade dos seus produtos, processos e comunicação. A empresa actualmente está mais sólida para enfrentar os desafios exigentes do contexto competitivo. A empresa conseguiu assim, igualmente, passar economias significativas para os seus parceiros de negócio na distribuição e para os consumidores finais que tem beneficiado de produto a preços mais competitivos. No entanto, não encaro este processo como um processo acabado, na medida em que a empresa aprofundará a cultura de melhoria contínua de produtos e processos.
O canal alimentar pode representar uma oportunidade ou uma ameaça para as cervejeiras. Qual o papel para as empresas de bebidas e da Unicer em particular que pensa poderem representar o canal alimentar?
De facto, devido a múltiplos factores como a proibição de fumar em locais públicos e a crise económica, temos assistido á transferência de consumos dos estabelecimentos HORECA para o sector alimentar, facto esse que tem colocado urna enorme pressão nas margens, em resultado por exemplo do surgimento do canal hard-disccount. Assim no mercado nacional existe um forte conflito entre canais. No entanto, nos mercados internacionais a concorrência entre o canal Horeca e o canal alimentar não é tão acentuada. Assim os distribuidores do mercado étnico continuam a ser a forma mais eficiente de fornecer os estabelecimentos associados com as comunidades, enquanto que a grande distribuição alimentar permite construir uma plataforma mais alargada de distribuição de produto para ganhar quota do consumo em casa das comunidades. De facto, tem-se notado que as grandes cadeias alimentares reconhecem a capacidade de atracção da cerveja portuguesa e em particular da Super Bock e valorizam a sua capacidade de atracção de consumidores para as lojas. Assim a Unicer tem procurado conciliar os interesses dos dois canais e vê o alimentar como complementar á rede de distribuição étnica e em muitos casos como uma forte oportunidade para os operadores do étnico para alavancarem os seus volumes. A grande distribuição apesar da sua forte pressão sobre os preços permite aumentar a visibilidade da marca sem fortes investimentos publicitários a que uma marca de origem portuguesa nao pode facilmente aspirar.
A Unicer tem sido associada a esforços para abertura de mercados menos tradicionais como sejam a China ou os países do médio oriente. Que resultados tem conseguido desses esforços?
A nossa visão é a de que os fortes ritmos de crescimento e a abertura comercial de determinadas economias justifica que se invista em conhecimento de mercado e no desenvolvimento de redes de distribuição. A obtenção de resultados em termos de desenvolvimento de mercados requer um esforço continuado de aposta na construção de marca e na exploração de nichos de mercado. Tendo em conta estes objectivos os produtos da Unicer estão a ter uma excelente aceitação e a assegurar encomendas contínuas em mercados como o Japão a China, a Jordânia e os Emiratos Árabes Unidos.
Como avalia o potencial de crescimento num dos países mais importantes das comunidades portuguesas e Palop: O Brasil?
O Brasil possui uma indústria de bebidas com uma enorme capacidade de oferta e escala, associada a um mercado bastante protegido do ponto de vista tarifário e regulamentar. De facto a maior cervejeira mundial sustentou a sua posição na exploração desse mercado. Trata-se no entanto de um mercado dinâmico onde novos operadores têm aparecido, e algumas empresas de menor dimensão tem seguido estratégias inovadoras e agressivas para disputar o domínio das empresas estabelecidas. Penso que faz todo o sentido poder vir a desenvolver parcerias para a exploração da proximidade das nossas marcas para um número significativo de brasileiros e para apoiar as estratégias de investimento portuguesas nas áreas do turismo e restauração. Uma das marcas fortemente apreciadas é a marca Pedras Salgadas, para a qual existe uma significativa procura latente, reflectida nos repetidos contactos de cadeias alimentares.
A estrutura fragmentada do mercado nas áreas da produção e distribuição proporcionam igualmente oportunidades para empresas que tenham estratégias de consolidação do sector. Em muitos casos a estrutura familiar das empresas pode gerar novas oportunidades aquisitivas.
A nova fábrica de Angola vai ser assim tão importante atendendo a que o país importa actualmente tudo o que precisa?
Angola é de facto um país que importa muito do que precisa. Mas esta política vai certamente ter de terminar um dia porque não é boa para Angola e em consequência a Unicer sabe que os tempos próximos serão bem mais difíceis. O nosso projecto é mais profundo e vai para além da fábrica de produção de cerveja. Em Angola pretendemos levar a cabo o modelo português estimulando os agricultores a produzir a própria cevada. Pretendemos também vir a construir uma “malterie” que permita a abastecer as fábricas do sector em Angola.
Qual é o grande sonho que ainda tem para a Unicer?
A Unicer está no caminho certo. Quando iniciei a minha actividade nos mercados externos conheci uma empresa que pouco exportava. O desenvolvimento de uma cultura de internacionalização foi a tarefa que o grupo dos Mercados Externos deu corpo e que ainda hoje está longe de terminada. Hoje face à crise brutal que o nosso país atravessa entende-se bem melhor a oportunidade da decisão da internacionalização da nossa companhia. Tem sido uma luta constante entender e fazer entender que o caminho está na internacionalização. E como o sonho comanda a vida, acreditamos que dentro de 10/15 anos seremos capazes de vender fora de Portugal tanto quanto vendemos no Mercado Interno.
José Manuel Duarte
jduarte@mundoportugue.org
António Vaz Branco assume a sua paixão pela Unicer, uma empresa para a qual a sua disponibilidade “é total”. Em entrevista a O Emigrante/Mundo Português, destaca o crescimento da cervejeira nacional que vende cerca de 200 milhões de litros de bebidas por ano e já está implantada em 50 países. |
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