O risco da ocorrência de actos de violência infantil em Portugal é maior em famílias reconstruídas e o agressor tende a ser do sexo masculino. Esta é a conclusão de um estudo realizado por uma equipa de investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), que pretendeu fazer uma abordagem da violência infantil “testando modelos evolutivos para explicar algumas características dos maus-tratos infantis em Portugal”.
O estudo «Cinderela: do conto de fadas à realidade. Perspectiva sobre os maus-tratos infantis» revela que a violência infantil que ocorre no ambiente familiar é mais frequente em famílias reconstruídas do que em famílias nucleares, o agressor tende a ser do sexo masculino e a forma de violência mais praticada é a sexual.
“Apesar das vertentes psicológicas, sociológicas e económicas conhecidas, o fenómeno é difícil de caracterizar” afirmou Paulo Gama Mota, co-autor do estudo, juntamente com Dora Simões e Eugénia Loureiro. O investigador referiu entretanto, que uma abordagem evolutiva “oferece um novo quadro conceptual que permite explicar algumas características dos maus-tratos infantis”.
A mostra, inclui o estudo dos casos de 100 crianças maltratadas – diagnosticadas no Instituto de Medicina Legal de Coimbra entre 2002 e 2003 , com idades compreendidas entre os 0 e os 16 anos, naturais da região centro do país. As conclusões do estudo indicam que “a violência atinge crianças de todas as idades e sexos, sendo mais frequente o abuso sexual em raparigas com idades compreendidas entre os 10 e os 16 anos”.
“Registou-se uma predominância de maus-tratos dirigidos a raparigas, (67 por cento raparigas e 33 por cento rapazes). Os maus-tratos tenderam a verificar-se em todas as idades, embora tenham sido mais frequentes no grupo etário dos 10 aos 16 anos (62 por cento), seguindo-se o grupo dos 6 aos 9 anos (21 por cento)”, revela o estudo que concluí ainda, em relação à gravidade dos maus-tratos, que os mais frequentes “foram de tipo 3”, nomeadamente fracturas, queimaduras, abuso sexual, rejeição e abandono.
Burocracia e confidencialidade impedem acesso a dados oficiais
Ale dos 100 casos acompanhados, a equipa de investigação tentou obter dados junto de instituições oficiais, como as Comissões de protecção de menores, que identificam, acompanham e encaminham estas situações. Entretanto, esbarrou na “natureza confidencial dos processos”, na “burocracia no acesso aos dados” e nas limitações de recursos humanos, “factores que impediram a obtenção de quaisquer dados junto dessas instituições”, lamentou Paulo Gama Mota. “Outra condicionante na recolha, mas inerente aos processos, resulta do facto de os registos não conterem, de uma forma geral, algumas das variáveis que se pretendia utilizar no estudo”, acrescentou o docente da FCTUC.
Foram quatro os campos investigados para contextualizar e caracterizar os maus-tratos: grupo doméstico de pertença da criança, perfil da criança, gravidade do mau-trato (tipo de mau-trato praticado e sua gravidade) e perfil do agressor (incluindo dados sóciobiográficos). Este último domínio pretendeu ainda definir a presença de alguma relação de parentesco com a criança, se era portador de “handicap” físico ou mental e, finalmente, se consumia substâncias ilícitas.
A investigação permitiu concluir que “a explicação mais plausível para a maior ocorrência de maus-tratos sobre as crianças, em famílias reconstruídas, parece residir num efeito colateral relacionado com a ausência de laços de vinculação estabelecidos desde o nascimento que deveriam induzir a fenómenos de inibição da agressão relativamente à descendência”.
“O que nós afirmamos é que há um risco acrescido de maus-tratos em famílias reconstruídas, possivelmente pela ausência de vinculação biológica de um dos adultos”, explicou Paulo Gama Mota.O investigador sublinha que “sso não quer dizer que não se possa desenvolver afecto nestas condições, mas apenas que o risco é maior de que não se desenvolva”.
A.G.P.
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