A propósito das recentes eleições na Confederação dos Agricultores de Portugal, conversámos com o seu presidente, João Machado.
A crise alimentar mundial tem dado maior exposição mediática à CAP?
A crise mundial é uma crise de preços. Ainda não é uma verdadeira crise de falta de alimentos, pelo menos nos blocos mais desenvolvidos. No mundo ocidental, mais desenvolvido, não há nenhuma falta de alimentos, nem na Europa nem nos Estados Unidos.
O que há, o que houve, é uma especulação enorme à volta dos produtos agrícolas, nomeadamente dos cereais. Isso fez com que os preços aumentassem significativamente. Infe-lizmente, esse aumento de preços, que quase duplicou do ano passado para este ano no caso dos cereais, não teve o mesmo aumento na produção. Isto é, o preço que é pago aos produtores agrícolas não tem nada a ver com os preços que são transaccionados nas bolsas mundiais. Estamos a falar de especulação pura e simples.
Portanto, o preço dos cereais, por exemplo em Portugal, aumentou, de há um ano para cá, entre os 20 e os 30 por cento. Ainda por cima, é um aumento menor do que o aumento dos factores de produção. Estamos a falar de adubos, estamos a falar de pesticidas, estamos a falar de gasóleo. Portanto, apesar de os preços estarem mais altos, os agricultores até têm mais dificuldades financeiras do que tinham há um ano atrás, porque o aumento dos preços dos cereais não compensou o preço dos factores.
Portanto, a questão da crise é uma questão que é mais visível hoje do lado dos consu-midores e do lado da comunicação social do que do lado dos agricultores. Para nós, infelizmente, existe também uma crise, que é o preço dos factores de produção, que aumentou exponencialmente.
Os da venda mantêm-se…
Os adubos aumentaram mais de 100 por cento num ano. O gasóleo aumentou cerca de 40 por cento. Os pesticidas aumentaram cerca de 50 por cento. E o preço dos cereais aumentou entre 20 e 30 por cento. Nós estamos a vender hoje milho ao preço de 1989, em termos absolutos, sem correcção monetária. Veja a disparidade desta natureza.
A crise hoje, real, perpassa muito pela sociedade, mas perpassa muito pela sociedade porque os preços aumentaram aos consumidores. O agricultor não tem um benefício muito grande com isso.
Que é que se pode fazer para prevenir os impactos da crise?
Nesta questão dos preços e do consumo, em primeiro lugar, nós tínhamos dito, em 2003, quando se fez esta reforma da Política Agrícola Comum, que esta era uma má reforma, porque incentivava os agricultores a mudar de sector e, em segundo lugar, retirava a obrigação da União Europeia de ter reservas estratégicas de alimentos, ter stocks. Para quê? Para lançar no mercado em anos maus.
Foi o que aconteceu este ano. Veio a verificar-se logo dois anos depois, isto é, a Europa prescindiu totalmente de ter stocks, os seus stocks estão a zero, no caso do leite, da man-teiga, dos cereais, e, portanto, o que acontece neste momento é que uma produção a nível mundial de cereais mais pequena levou a que os preços aumentassem e que tivéssemos aqui o período onde, apesar de não haver fa-lhas de colocação desses produtos no mercado, houve mais falta desses produtos porque se importou menos de outras partes do mundo. E os preços imediatamente subiram.
A questão primeira, respondendo à sua pergunta: é preciso, do nosso ponto de vista, voltar a alterar a Política Agrícola Comum. E agora que estamos a pensar nisso para 2009, era bom que a Comissão Europeia arrepiasse caminho e voltássemos a privilegiar a produ-ção agrícola e, em simultâneo, a manutenção, dentro das fronteiras da União Europeia, de reservas estratégicas de alimentos que podem ser lançadas no mercado quando houver falta de alimentos. Que é o que não acontece agora.
Em primeiro lugar, uma Política Agrícola Comum que privilegie estes factores que estou a dizer, que é o antagónico do que está a acontecer neste momento.
Em segundo lugar, uma política agrícola nacional portuguesa que não permita que haja sectores que sejam abandonados, como é o caso dos cereais de há dois anos para cá, em que o Ministro da Agricultura veio dizer, repetidamente, que os cereais eram um sector não competitivo em Portugal, que os agricultores deviam abandonar. E, com esse tipo de linguagem, e, depois, com um quadro comunitário de apoio ao investimento que não privilegia os cereais, nós diminuímos, de há dois anos para cá, cem mil hectares na área de cereais em Portugal.
Este ano já houve mais terrenos cultivados…
Do ano passado para este ano, os preços aumentaram, apesar de tudo, alguma coisa, e valia a pena semear. Os agricultores respondem com alguma rapidez.
A questão aqui é que não pode haver, do ponto de vista da agricultura nacional, uma política que anda aos ziguezagues. A agricultura não é como a indústria: não se muda a produção como se muda numa fábrica.
Nessa perspectiva, tem que haver estabilidade nas políticas. E os ministros da Agricultura têm que perceber que não podem chegar e, no tempo que cá estão, em princípio uma legislatura, não podem mudar tudo. A agricultura faz-se com estabilidade nas políticas e são investimentos de muito médio e longo prazo.
A grande questão aqui é: não pode haver políticas erráticas. Há dois anos atrás, o Mi-nistro da Agricultura e o Governo diziam: “vamos todos apostar nos biocombustíves; Portugal é mais ambicioso que a Europa, duplica a meta dos biocombustíveis: passa de 10 por cento em 2010 para 20 por cento em 2010”. Agora, já estamos a dizer…foi o Ministro dizer a Bruxelas aos colegas comunitários: “vamos abandonar a política de biocombustíveis porque os cereais fazem falta para os animais e para as pessoas”. E só passou um ano. Quando a gente envereda por um caminho tem que o manter, custe o que custar.
Portanto, as coisas têm que ser dialogadas com o sector – e há falta de diálogo, conforme reconheceu o Presidente da República recentemente –, planificadas e, depois, estruturadas e levadas até ao fim. Não pode haver esta política errática.
Nós defendemos que a política agrícola nacional não deve abandonar nenhum sector. Tudo aquilo que puder ser produzido em Portugal, nós devemos produzir. Para quê? Para termos reservas. Porque se não tivermos, Portugal está à mercê daquilo que acontece na Europa e no resto do mundo.
Nós não devemos abandonar completamente os cereais, como também não devemos dizer que não devemos produzir mais azeite ou mais vinho ou mais hortofrutícola. Nós não podemos produzir tudo em Portugal. Mas aquilo que podemos produzir devemos manter. E não faz nenhum sentido vir o Ministro dizer: ‘abandonem mais’. Isto é promover o abandono dos campos e as pessoas ficam desorientadas.
Por isso mesmo, eu espero que esta crise sirva para estabilizar uma política agrícola que apoie verdadeiramente a produção e uma política nacional que não prescinda de nenhum sector e que apoie os sectores todos nas altu-ras difíceis para poderem continuar a produzir.
Qual é o papel que a exportação pode assumir?
Portugal, globalmente, é deficitário em termos de produtos alimentares. Globalmente, importamos e importaremos sempre alguns produtos. Por exemplo, hoje ninguém dispensa a banana. Ora, a banana não se produz em Portugal, só se produz na Madeira, numa pequeníssima escala. Ou ter manga, ou papaia, ou uva durante o Inverno. Nós seremos sempre um país importador de alguns produtos.
Há outros produtos em que podemos chegar perto daquilo que é a nossa capacidade de produzir equiparado à nossa capacidade de consumir. E estamos muito perto disso no leite, no vinho. Nós somos importadores de fruta, mas exportamos muita pêra rocha. O que podemos é equilibrar a balança.
Por exemplo, podemos produzir mais carne bovina e carne de porco, não somos auto-suficientes nem numa nem noutra. Nós pode-mos exportar mais do que exportamos. E em Portugal, não há, hoje, dificuldade de aumentar a área disponível.
O que tem vindo a acontecer nos últimos anos é que temos vindo a abandonar áreas agrícolas. Se houver necessidade de aumentarmos a produção de algum produto que venha a ser importante para o mercado nacional, há áreas disponíveis para isso.
A questão é: nós temos de desenvolver negócios na agricultura no sentido de aumentarmos a nossa produção naquilo em que nós somos auto-suficientes e que podemos produzir. Há espaço de manobra para aumentar produções que sejam interessantes para o mercado.
Conhece o SISAB (Salão Internacional do VInho, Pescado e Agro-Alimentar)?
Conheço, sim.
Que importância dá a esta feira?
O SISAB cresceu imenso. Tem hoje uma dinâmica que não tinha há uns anos atrás. E acho que tem uma particularidade em relação a outro tipo de feiras que é muito importante: é que reúne as comunidades portuguesas que podem importar mais facilmente os nossos produtos e dá-los a conhecer lá fora.
Portanto, acho que tem uma função fundamental. E reconheço que o SISAB tem preenchido essas funções nos últimos anos como nenhuma outra organização ou mostra de produtos alimentares portugueses pode cumprir.
De facto, o SISAB é único. Traz a Portugal as pessoas que estão espalhadas por esse mundo fora e que trabalham nas áreas alimentar e de bebidas para verem aquilo que existe em Portugal e fazerem negócios e ainda conhece-rem pessoas e confraternizarem.
Eu acho que o SISAB é uma feira muito particular, que tem preenchido um espaço fundamental naquilo que é a lusofonia e os negócios com a comunidade portuguesa no mundo inteiro, e tem sido assim que o SISAB tem cres-cido e se tem cimentado.
J.P.D (texto)
A.F. (foto)
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