O conceituado jornalista Paul White, editor e crítico de vinhos, defendeu a utilização das rolhas de cortiça, em detrimento das rolhas sintéticas, num congresso do sector, realizado em Vila Real.
A este propósito, falámos com alguns dos principais produtores de vinho portugueses para percebermos como eles vêm a questão. Ficámos a saber que a preferência vai para a cortiça – até pela importância que a indústria corticeira tem em Portugal -, mas que a realidade pode mudar. Neste, como na maioria dos produtos, mandam as leis do mercado, e há que optar pela solução que provar ser a melhor.
Em nome do vinho…
A empresa ‘Vinideas’ organizou um congresso, em Vila Real, que contou com a participação de cerca de 400 pessoas, incluindo alguns especialistas mundiais em viticultura e enologia. O objectivo do congresso era, segundo a enó-loga Bárbara Sistelo, da organização, promover “o encontro entre a investigação e as fileiras da produção e da comercialização”.
Um dos oradores foi Paul White, jornalista americano que reside actualmente na Nova Zelândia, editor e crítico de vinhos que colabora com algumas das mais prestigiadas publicações internacionais e que pertence ao júri de prova de concursos mundiais como o ‘Concours Mondial de Bruxelles’ ou o ‘London’s International Wine Challenge’.
O tema abordado por Paul White foi o da baixa permeabilidade da ‘screw cap’ (rolha de rosca) em vinho, algo que suscita grande controvérsia desde a introdução deste tipo de rolhas nos vinhos da Austrália e da Nova Zelândia. Na sua intervenção, o jornalista americano criticou a utilização das ‘screw caps’ no engarrafamento dos vinhos e defendeu a tradicional rolha de cortiça para a manutenção da qualidade deste produto.
Paul White foi bastante crítico em relação às rolhas sintéticas e salientou o impacto provocado por este vedante – no pós-engarrafamento e em condições próximas da anaerobiose – na ocorrência de reacções químicas na ausência de oxigénio, que, na sua opinião, desenvolvem “aromas estranhos nos vinhos”.
Este especialista criticou também a “enorme confiança” que os produtores que utilizam estas rolhas depositam no sulfato de cobre como tratamento preventivo, antes do engarrafamento, e como tratamento curativo, no pós-engarrafamento. Segundo informou Paul White, a União Europeia rejeitou recentemente um vinho originário da Nova Zelândia vedado com rolha sinté-tica porque este excedia o teor permitido de sulfato de cobre pelas normas europeias.
Em suma, o crítico de vinhos conside-ra que o vedante sintético altera o vinho e não preserva nem “a sua alma nem as suas características genéticas”.
Que rumo no futuro?
Uma das organizadoras do congresso, Bárbara Sistelo, referiu que tem dificuldades em imaginar “os vinhos de topo do Douro com uma rolha que não seja de cortiça”. Ainda assim, se as leis do mercado o ditarem, a enóloga admite outras alternativas. “No futuro vai haver uma grande mudança, tanto a nível de vedantes como da embalagem em si. Vai acontecer a nível de bebidas e, no vinho, isso não é excepção”.
“Optei pela cortiça natural”
Para o enólogo Mário Andrade, os níveis excessivos de cobre a que Paul White se referiu estão relacionados com “más práticas enológicas”. Este especialista, que trabalha nas regiões do Ribatejo, do Alentejo e do Algarve, adiantou mesmo que uma empresa italiana está a desenvolver uma rolha sintética que permite uma “maior permeabilidade do oxigénio”, o que poderá ajudar a resolver os “aromas estranhos nos vinhos”.
Na opinião de Mário Andrade, o que está em questão é saber “qual é o melhor vedante que podemos utilizar nos diferentes vinhos”. O enólogo informou que, nos seus vinhos topo de gama, para envelhecer a muitos anos, está a utilizar rolhas de cortiça natural. Segundo salientou: “não estou satisfeito com nenhum dos estudos até agora em termos de vedantes alternativos, pelo que optei por uma rolha de cortiça natural”. Mas, garantiu ainda, “em vinhos brancos e rosés, para consumo de um ano ou dois anos e de maneira a conservar a frescura, estou a utilizar ‘screw cap'”.
A diferença entre os dois tipos de rolhas, no seu entender, está ao nível dos antioxidantes. “Não posso proteger tanto o vinho da oxidação” com as ‘screw caps’, concluiu Mário Andrade.
A política da Carmim
Nos vinhos da Carmim, a rolha de cortiça é, para já, a opção. Segundo Rui Veladas, engenheiro e enólogo daquela casa, “há, teoricamente, vantagens das rolhas sintéticas a nível químico”. De qualquer forma, se-gundo salientou o enólogo, “há outras questões a ter em conta no processo” de escolha do tipo de rolhas, nomeadamente “os fe-nómenos de evolução da garrafa ou da micro-oxigenação”.
Ora, os efeitos das rolhas de cortiça e das rolhas sintéticas na qualidade do vinho “ainda não estão totalmente clarificados”. Por esse motivo, “sem sabermos tudo sobre os vedantes”, a Carmim “não vai avançar para alternativas”. Isto, “a não ser que haja exigências noutros mercados”.
Relativamente à relevância da indústria corticeira portuguesa, Rui Veladas acredita que “Portugal tem todas as condições para ser promotor do produto”. Para isso acontecer será, no entanto, necessário que “as entidades” do sector, nomeadamente “produtores e distribuidores”, percebam que actualmente se trava um combate “com outro produto (o plástico)” e não um combate “entre marcas”.
O enólogo da Carmim entende que “o mercado deve juntar forças para resolver os problemas” do sector e lutar contra o concorrente que é a ‘screw cap’.
“Só usamos cortiça”
Ana Rola, engenheira e enóloga das Caves Santa Marta, garantiu que a empresa “só usa rolhas de cortiça” nos seus vinhos. O seu colega e também enólogo Eduardo Natividade acrescentou que essa opção se deve “ao nível e tradição dos vinhos que engarrafa, ao controlo que (a empresa) exerce com fornecedores de longa data e aos compromissos mútuos de respeito e colaboração desde sempre assumidos e praticados, e à imagem de qualidade que (a marca) conseguiu e pretende manter junto dos seus clientes”.
A enóloga Ana Rola informou, no entanto, que “o mercado já está a adoptar as rolhas de plástico em vinhos brancos e em vinhos jovens”. Ainda assim, esta especialista “pensa que a cortiça vai prevalecer no mercado português”.
Eduardo Natividade alinha pelo mesmo discurso: “pensamos que nos vinhos portugueses em geral, e nos Douros em particular, com a recente e continuada subida evidente da qualidade global, se deverá manter durante algum tempo mais a utilização de rolhas de cortiça”.
«Screw caps» nos mercados nórdicos
Segundo o engenheiro e enólogo Manuel Soares, na Quinta da Aveleda se “usam rolhas de cortiça natural em todos os vinhos”. No entanto, e de acordo com as “preferências dos consumidores, nos vinhos exportados para alguns mercados nórdicos usamos as ‘screw caps'”.
O engenheiro entende que “esta alternativa está ainda numa fase embrionária em Portugal”. Mas, conforme tem constatado, a rolha sintética “pode ser uma boa alternativa para vinhos que são consumidos de imediato, para vi-nhos brancos e rosé”. Nesses vinhos, “a rolha sintética tem uma vantagem económica e técnica, e não interfere nas características do vinho, porque este é para consumir logo”.
Em relação aos vinhos tintos, no entanto, a tradição vence a modernidade. Manuel Soares “tem sérias dúvidas que as ‘screw caps’ sejam uma alternativa viável” nestes vinhos. “Para o consumidor mediterrânico” em particular, “é difícil aceitar um vinho que não seja vedado com rolha de cortiça”. O enólogo acredita que “a indústria corticeira tem força por uma tradição de associação ao vinho”, e que “isso lhe dá uma vantagem inegável”.
Em geral, pode dizer-se que as rolhas de cortiça têm a vantagem de serem mais porosas e permitirem uma evolução harmoniosa do vinho de guarda, para além de serem mais ‘elegantes’ de serem retiradas. As desvantagem são o seu preço superior e a possibilidade de deixarem odores a tricoloanisol (químico).
As ‘screw caps’, por seu turno, têm as vantagens de serem mais práticas de abrir e de terem um bom sistema de vedação. A principal desvantagem é a possibilidade de deixarem um odor a enxofre no vinho.
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