Com as “NOTAS DE VIAGEM” de hoje, finalizo o conjunto de textos que tenho vindo a dedicar a Cusco.
Quando no artigo anterior me referi à Catedral da cidade, escrevi então que os Espanhóis utilizaram na sua edificação blocos de pedra levados de Sacsayhuamán, uma construção Inca situada a alguns quilómetros de Cusco.
Pois a famosa Sacsayhuamán foi um dos locais que visitei nos arredores de Cusco, e que, igualmente, muito contribuiu para o meu cansaço físico, e, acima de tudo, me provocou significativas dificuldades em respirar.
Esta construção, que é um admirável testemunho da arquitectura do Império Inca, bem como um inquestionável exemplo da capacidade que os Incas possuíam na utilização da pedra, é identificada por alguns especialistas como uma antiga fortaleza, aduzindo outros, tratar-se da cabeça de um puma que, juntamente com a cidade de Cusco, constitui o desenho do animal que é possível ver do ar.
Há teorias que defendem que o plano do Cusco antigo teria a forma de um puma, com a praça central da cidade na posição correspondente ao peito do felino, e a cabeça do animal situar-se-ia na colina onde está Sacsayhuamán.
Independentemente da interpretação correcta para o que estas ruínas possam ter sido, é um local lindíssimo, e, principalmente, imponente!
Está-se em presença de um vasto complexo, sobretudo de paredes construídas com enormes pedras – refere-se mesmo, que só uma delas pesa 125 toneladas (!?) -, com vários níveis de altura, sobranceiro a Cusco, enquadrado por amplos espaços, na altura muito verdes, que, conjuntamente, com um céu azul, muito Sol e uma temperatura amena, proporcionaram uma visita bem interessante!
De negativo, apenas registei o desconforto físico que me era provocado pela altitude, que se acentuava quando tinha de subir a zonas mais elevadas do complexo.
Julgo ser oportuno, até pelo insólito que tal constituiu para mim, relatar ainda mais um exemplo dos efeitos provocados pela altitude – o desodorizante que uso é do tipo “roll on“; pois em Cusco, quando para o utilizar, tirei a tampa, saltou a esfera que rola para o aplicar nas axilas!
Nunca tal me acontecera, mas, mais tarde, na Bolívia, em La Paz, repetiu-se este singular fenómeno!
Ainda em relação a Sacsayhuamán, é de notar que o complexo está ligado a Cusco por um sistema de passagens subterrâneas, chamadas chincanas, onde no passado morreram várias pessoas por se terem perdido no seu interior, quando procuravam supostos tesouros escondidos, pelo que a entrada principal teve de ser bloqueada, a fim de evitar mais mortes.
Pensando nesta visita, gostaria ainda de sublinhar, que até hoje continua por explicar a notável precisão que os Incas tinham no corte destas pedras, que lhes permitiu montar estruturas, onde nem uma simples folha de papel cabe entre dois blocos de pedra!
A precisão no corte dos blocos aliava-se a técnicas de edificação, conducentes a que as construções Incas resistissem aos sismos que sempre se fizeram sentir no seu vasto Império, e, neste caso concreto, em Cusco, realidade que persistiu até aos nossos dias.
Mas a colonização espanhola apenas quis os tesouros dos Incas, em especial o seu ouro, nunca manifestando o mínimo interesse em identificar e conhecer as múltiplas e desenvolvidas técnicas que este Império já dominava, onde se incluía a da prevenção dos efeitos dos tremores de terra nas construções.
Mudando de assunto, registo que foi em Cusco que, pela primeira vez, comi alpaca e cuy.
A alpaca é um mamífero da América do Sul, que tem semelhanças com o lama, apesar de ser mais pequeno e ter o pelo mais longo e macio, e é criada nos locais de maior altitude, designadamente, no sul do Peru e no norte da Bolívia e do Chile, a uma altitude que, normalmente, varia entre os 3.500 e 5.000 metros acima do nível do Mar
Este animal é fundamentalmente conhecido, e mesmo muito apreciado, pelo aproveitamento da sua lã, visto que a mesma é mais quente e mais leve que a dos carneiros, características que, desde há vários séculos, levaram à sua utilização na manufactura de tecidos.
A alpaca, que há muito foi domesticada, sendo criada na América do Sul há milhares de anos, nos últimos tempos tem sido exportada para outros países, tais como, EUA, Austrália e Nova Zelândia, e assim, através de estudos científicos e da consequente intervenção humana, influenciar os novos animais que ali nascem, no que respeita às características da lã destinada à indústria de lanifícios.
Foi pois este animal, cuja lã na América do Sul é utilizada para fazer cobertores e ponchos, e em outras partes do Mundo, camisolas, cobertores, peúgas e casacos, que eu comi pela primeira vez em Cusco, e, mais tarde voltei a comer, mas então em Aguas Calientes, uma localidade situada no sopé da montanha onde se encontra Machu Picchu.
Na primeira vez, a alpaca estava cozinhada, assemelhando-se a um bife normal, não tendo eu ficado com qualquer recordação, mesmo que apenas no meu subconsciente…
Mas, em Aguas Calientes, comi alpaca crua! É certo que estava condimentada, mas era carne crua…e gostei! Até repeti! Contudo, é de notar, que sendo carne crua condimentada, não tinha qualquer semelhança com sushi, esse petisco japonês que, há pouco tempo, começou a ser descoberto pelos Portugueses.
Como já escrevi, em Cusco também comi cuy, que é um roedor doméstico originário dos Andes Peruanos e Bolivianos.
Este animal, domesticado há cerca de 4.000 anos, também é conhecido por coelhinho das Índias, e é muito utilizado nas gastronomias Peruana, Boliviana e no sul da Colômbia, dado que ocupando muito menos espaço que os animais tradicionalmente utilizados para consumo pelos Europeus, como, por exemplo, os gados bovino, ovino, suíno e caprino, é um excelente alimento, com particular destaque para o elevado teor de proteínas e a baixa percentagem de gordura.
É ainda de registar, que no Peru e na Bolívia, o cuy é utilizado na medicina tradicional Andina.
Fui pois a um restaurante, situado na Plaza de Armas, onde na véspera tinha tido o cuidado de confirmar que no dia seguinte haveria o desejado petisco, escolhi uma mesa junto a uma janela que dava para a praça e encomendei o cuy.
Esperei um bocado, pois trata-se de um prato que leva algum tempo a preparar.
Finalmente, chegou a refeição – o cuy era apresentado inteiro e “sozinho” numa travessa! O acompanhamento encontrava-se em separado. A seguir trouxeram-me uma taça grande com água…Ainda ensaiei comer com os talheres, mas o empregado aproximou-se e disse que o cuy se comia com as mãos, e a taça com água seria para as lavar! E ainda bem!
O cuy soube-me deliciosamente, fora cozinhado no forno e estava coberto por algo que parecia ser uma espécie de mel.
Foi mesmo um verdadeiro petisco, devidamente acompanhado com boa cerveja local.
Como escrevi anteriormente, este era o tipo de coisas que eu deveria evitar, a fim de atenuar os efeitos da altitude…
Cusco, que segundo censo de 2002, tem uma população de cerca de 320.000 habitantes, é a capital do Departamento e da Província de Cusco, e, em 22 de Dezembro de 1983, foi declarada pelo governo Peruano como a “Capital Turística do Peru” e “Património Cultural da Nação“, sendo, hoje em dia, o principal destino turístico do País. Especialmente desde os anos 90 que Cusco assiste a um significativo desenvolvimento económico, é mesmo a única cidade do Peru que tem, e assegura, o pleno emprego, e o Turismo é o motor deste sucesso.
Apesar da cidade estar permanentemente com inúmeros turistas, que são afinal a chave do progresso e do bem-estar de Cusco, achei que os locais tinham um comportamento normal e neutro para connosco, aqueles que os visitavam, isto é, regra geral, não identifiquei comportamentos que revelassem uma hospitalidade fora do vulgar, nem encontrei por parte dos Cusqueños manifestações especialmente calorosas para com os turistas.
Agora que estou finalizando estas “NOTAS DE VIAGEM”, gostaria de deixar bem claro que Cusco é uma cidade cheia de charme, plena de locais verdadeiramente interessantes e com um leque de atracções da mais variada índole, sendo impossível regressar a casa sem se vir “tocado” pela capital do magnifico Império Inca.
E, tal como sucedeu à chegada, quando deixei Cusco, no aeroporto, estavam mais uma vez umas simpáticas jovens do Turismo local a surpreender os visitantes que partiam – depois do check-in, entregavam a cada turista um “Certificado de Visitante Distinguido“, emitido pela Sub Gerencia de Turismo, Artesania y Comercio, do Gobierno Regional de Cusco!
Pois é, apesar do que sofri com a altitude, tenho já muitas saudades de Cusco!
Rui Oliveira e Sousa
Março de 2007
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