A Universidade Central da Venezuela (UCV) anunciou hoje que está interessada em fazer acordos com as universidades portuguesas para realizar projetos internacionais de investigação em diferentes áreas.
O anúncio foi feito pela lusodescendente Maria Fátima Garcês da Silva, professora titular, doutora em bioquímica e decana da Faculdade de Medicina da UCV.
“Devemos fazer acordos entre a UCV e as universidades de Portugal, de modo a podermos enviar para lá professores a fazer estudos de pós-graduação e também projetos de investigação”, disse Maria Fátima Garcês.
Como exemplo, a lusodescendente explicou que tem “linhas de investigação em diabetes, síndrome metabólica, resistência à insulina, dislipidemia e de trabalho com crianças com perturbações do espetro do autismo no que tem a ver com a genética, alergias e a toxicidade que leva a estes comportamentos alterados”.
“Poderíamos criar acordos entre a UCV e Portugal para projetos de investigação internacional em que possamos dar muitas contribuições para a ciência”, sublinhou a decana.
Para Maria Fátima Garcês da Silva, outra coisa muito importante “é estabelecer uma relação entre a UCV e as universidades de Portugal, para que os profissionais” formados na Venezuela, possam exercer a sua profissão em Portugal, “revalidando os seus diplomas, o que atualmente é muito difícil porque cada universidade tem mecanismos diferentes”.
“Devemos assegurar que os currículos sejam os mais apropriados para os profissionais e que só tenham de frequentar os temas essenciais (…) Estamos conscientes que são países diferentes, que há doenças que são caraterísticas de cada país, como as doenças tropicais e parasitárias bacterianas que temos aqui e que são diferentes das que existem na Europa, mas o resto da educação é a mesma”, explicou a decana.
A lusodescendente tem dificuldade em entender porque é que “há mais exigências em Portugal que em outros países da Europa para os profissionais da medicina formados na Venezuela”.
“As pessoas ficam cansadas porque lhes pedem muitos papéis que não são exigidos noutros países. Por exemplo, em Espanha, os títulos de medicina são facilmente revalidados pelo Ministério de Educação, o que não acontece em Portugal”, disse.
No seu entender, essa situação “faz que Portugal perca a oportunidade de receber esses profissionais, o que seria de grande ajuda para Portugal, e que os leva a emigrar para outros países europeus com menos obstáculos para fazer as equivalências”.
Maria Garcês da Silva propõe ainda que Portugal crie uma espécie de programa de “segurança social” para os lusodescendentes e para ajudar os portugueses que não têm recursos para pagar um seguro de saúde na Venezuela.
“Atualmente a situação na Venezuela é muito crítica, como todo o mundo sabe. No passado as pessoas tinham seguros que pagavam os seus medicamentos e operações nos hospitais, mas agora não. De facto, temos aqui os hospitais Universitário de Caracas e Vargas, onde funcionam as nossas escolas, mas não há suprimentos para poder operar e atender as pessoas”, disse Maria Fátima Garcês.
Por outro lado, explicou que o ensino naquela universidade “continua a ser gratuito, mas os estudantes acabam por comprar o material de que necessitam para atender os pacientes, para poder fazer formação”.
No entanto, apesar das dificuldades, sublinha, a UCV continua a formar os melhores profissionais e é tida como superior a muitas outras universidades da América Latina, inclusive de países com mais recursos económicos.
Segundo esta lusodescendente, os intercâmbios entre a UCV e universidades portuguesas permitiriam ainda reforçar a formação de profissionais, evitando que a Venezuela se descapitalize em cérebros porque os alunos desanimam e emigram.
Maria Fátima Garcês da Silva chama ainda a atenção para o facto de que muitos portugueses na Venezuela “que antes tinham um trabalho, podiam pagar um seguro e tinham segurança social, hoje estão a ficar sozinhos, porque os filhos emigram à procuram de melhores condições”.
“Os pais estão a ficar ‘órfãos’ de filhos, não têm segurança social e muitos necessitam operações, medicamentos e não têm os recursos necessários”, alertou.
Filipe Gouveia Lusa