Cônjuges de diplomatas portugueses denunciaram à Lusa as dificuldades que enfrentam para garantir uma carreira contributiva estável e uma reforma mínima, apelando aos partidos políticos que incluam nos seus programas de Governo a resolução destes problemas.
Cristina Lopes Ramos não imaginava que um dia abdicaria da sua vida profissional quando conheceu Luís Faro Ramos, hoje seu marido e atual embaixador de Portugal em Brasília.
Quando se conheceram na década de 1980, eram dois jovens universitários, com sonhos e ambições diferentes, longe de imaginarem que para um se realizar profissionalmente, o outro teria de deixar de lado a sua vida profissional “e tudo o que isso implica”.
Neste caso, foi Cristina quem interrompeu indefinidamente a sua carreira como redatora publicitária, para que Luís Faro Ramos pudesse dar seguimento à sua carreira diplomática, que se faz sobretudo no estrangeiro.
“Frustração de uma carreira interrompida, dependência económica, fim dos descontos para a segurança social e para a reforma. Esta é, de forma muito resumida, a minha experiência de 30 anos como cônjuge de um diplomata. Nem tudo é, obviamente, negativo, mas, para o que aqui interessa, o balanço é sem dúvida muito penalizador”, relatou à Lusa Cristina Lopes Ramos, que reside atualmente na capital do Brasil, para onde viajou para acompanhar o marido.
Para a embaixatriz Maria Luís Mendes, presidente da Associação das Famílias dos Diplomatas Portugueses (AFDP), é “praticamente impossível” para o cônjuge do diplomata desenvolver a sua própria atividade profissional, situação que, além de ter impacto na realização pessoal, autoestima e sentimento de contributo para a economia familiar e para a sociedade, cria ainda uma situação de dependência económica “que era mais comum até meados do século passado”.
De acordo com a embaixatriz, são poucas as atividades profissionais compatíveis com a mobilidade frequente dos diplomatas que mudam de país a cada três ou quatro anos e, em muitos casos, se o Estado português não assinar um acordo com o país de destino, o cônjuge nem sequer poderá trabalhar.
“Mesmo quando existam acordos, o mercado de trabalho local pode ser limitado e as diferenças de língua e cultura são também um obstáculo. (…) Tudo isto, torna praticamente impossível o desenvolvimento de uma carreira profissional do cônjuge, que não a tendo, perde o seu rendimento e não terá uma reforma. As faltas de rendimentos do trabalho colocam o cônjuge na dependência do diplomata, com todas as consequências que tal pode ter, sobretudo quando a relação não corre bem”, explicou Maria Luís.
“O cônjuge do diplomata nem sequer pode ter um simples cartão de compras, muito menos um cartão de crédito em seu nome, porque não pode apresentar prova de rendimentos. Também não pode constituir uma carreira contributiva, que está normalmente associada ao rendimento do trabalho”, detalhou à Lusa a presidente da AFDP.
Questionada sobre eventuais casos de divórcio associados a esta questão, Maria Luís Mendes afirma não ter dados concretos, mas acredita “que os números até serão reduzidos” tendo em conta a dimensão do problema, salientando que, em muitos casos, a situação reduz-se apenas à eventual frustração pela falta de uma vida profissional própria.
“A total dependência económica de um membro do casal em relação ao outro não é seguramente um fator saudável nas relações dos tempos de hoje”, frisou.
Nesse sentido, a AFDP foi criada em 1982 com o objetivo de sensibilizar o Ministério dos Negócios Estrangeiros para as dificuldades dos cônjuges e filhos dos diplomatas em resultado da mobilidade inerente à carreira diplomática.
Contudo, apesar de trabalhar há muitos anos para minimizar esses impactos através da apresentação de propostas e da tentativa de sensibilização dos decisores políticos para essas dificuldades, a AFDP lamenta não ter tido êxito na sua missão, sobretudo se a situação for comparada com o que se passa noutros países da União Europeia.
“Noutros países a solução foi a de integrar os cônjuges dos diplomatas nos respetivos regimes de segurança social, garantindo uma reforma mínima para essas pessoas. Até porque os cônjuges dos diplomatas prestam serviços ao Estado na representação externa do país, na gestão das residências do Estado, na promoção e divulgação da cultura, de produtos e, em geral, da imagem dos países que representam”, explicou Maria Luís.
“Alguns países reconhecem estes serviços prestados e, além da proteção social, preveem uma compensação material mínima, mas que reflete esse reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelos cônjuges dos diplomatas na representação do país. Em Portugal, o Estado tem normalmente dois pelo preço de um”, criticou.
Para a embaixatriz, caso as condições não se alterarem, a carreira diplomática portuguesa “será feita de pessoas solteiras”.
Já para Cristina Lopes Ramos, a solução desta problemática “não será complicada”, sugerindo que os partidos políticos que se apresentem às próximas eleições de 30 de janeiro incluam, nos seus programas de Governo, propostas para a resolução das questões das famílias dos diplomatas portugueses.