5 de outubro de 1910 | Monarquia deu lugar à República em Portugal

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A Implantação da República  foi resultado de uma revolução organizada pelo Partido Republicano Português, iniciada no dia 2 e vitoriosa na madrugada do dia 5 de outubro de 1910, que destituiu a monarquia constitucional e implantou um regime republicano em Portugal.

A revolução
A passagem do século XIX para o século XX, foi particularmente crítica para a sociedade portuguesa. O nacionalismo lusitano estava de rastos com a subjugação aos interesses coloniais britânicos. Por outro lado, os gastos excessivos da família real, o excessivo poder da igreja e a instabilidade política e social, completavam um quadro de permanente agitação social.
A ditadura de João Franco, com a sua incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e se adaptar à modernidade, contribuiu decisivamente para um dramático processo de desgaste da monarquia, do qual os defensores da república souberam tirar o melhor partido. O partido republicano apresentava-se aos olhos do povo como o único que tinha um programa capaz de devolver ao país o prestígio perdido e colocar Portugal na senda do progresso.
Estas circunstâncias ajudaram a que o exército mostrasse alguma relutância em combater os cerca de dois mil soldados e marinheiros revoltosos entre os dias 3 e 4 de outubro de 1910, abrindo portas à mudança de regime. A República foi proclamada às 9 horas da manhã do dia seguinte da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa. Entre diversas outras mudanças que foram implementadas com a República, desde logo foram substituídos os símbolos nacionais: o hino nacional, a bandeira e a moeda. Mas na realidade tudo começou a desenhar-se dois anos antes com o assassinato do Rei e do Príncipe herdeiro.

O regicídio em 1908
A 1 de fevereiro de 1908, quando regressavam a Lisboa vindos de Vila Viçosa, no Alentejo, onde haviam passado a temporada de caça, o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro Luís Filipe foram assassinados em plena Praça do Comércio.
O atentado ficou a dever-se ao progressivo desgaste do sistema político português. João Franco, presidente do Conselho de Ministros (chefe do governo), conseguiu convencer o rei a encerrar o parlamento para poder implementar uma série de medidas com vista à moralização da vida política. Com esta decisão acirrou-se toda a oposição, não só apenas a republicana, mas também a monárquica, liderada pelos políticos rivais de Franco que o acusavam de governar em ditadura. Os acontecimentos acabaram por se precipitar na sequência da questão dos adiantamentos à Casa Real (regularização das dívidas régias ao Estado) e da assinatura do decreto de 30 de janeiro de 1908 que previa o degredo nas colónias, sem julgamento, aos envolvidos numa intentona republicana fracassada ocorrida dois dias antes, o Golpe do Elevador da Biblioteca.
A família real encontrava-se então no Paço Ducal de Vila Viçosa,mas os acontecimentos levaram o rei D. Carlos a antecipar o regresso a Lisboa, tomando o comboio na estação de Vila Viçosa na manhã do dia 1 de fevereiro. A comitiva régia chegou ao Barreiro ao final da tarde, onde, para atravessar o Tejo, tomou o vapor D. Luís, desembarcando no Terreiro do Paço, em Lisboa, por volta das 17 horas. Apesar do clima de grande tensão, o rei optou por seguir em carruagem aberta, com uma reduzida escolta, para demonstrar normalidade. Enquanto saudavam a multidão presente na praça, a carruagem foi atingida por vários disparos. Um tiro de carabina atravessou o pescoço do rei, matando-o imediatamente. Seguiram-se vários disparos, sendo que o príncipe real conseguiu ainda alvejar um dos atacantes, tendo sido de seguida atingido na face por um outro disparo.  Rezam as crónicas da época que a rainha, de pé, defendia-se com o ramo de flores que lhe fora oferecido, fustigando um dos atacantes, que subira o estribo da carruagem. O infante D. Manuel foi também atingido num braço. Dois dos regicidas, Manuel Buíça, professor primário, e Alfredo Costa, empregado do comércio e editor, foram mortos no local. Outros fugiram tendo a carruagem real entrado no Arsenal da Marinha, onde se verificou o óbito do rei e do herdeiro ao trono.

Com a morte do Rei D. Carlos, D, Manuel II é aclamado Rei de Portugal
Logo após o atentado, o governo de João Franco foi demitido tendo-se iniciado um rigoroso inquér que, ao longo dos dois anos seguintes, veio a apurar que o atentado fora cometido por membros da Carbonária. O processo de investigação estava já concluído nas vésperas do 5 de outubro de 1910. Entretanto, tinham sido descobertos mais suspeitos de envolvimento direto, sendo que alguns estavam refugiados no Brasil e em França.
A Europa ficou chocada com este atentado, uma vez que D. Carlos era muito estimado pelos restantes chefes de estado europeus.  O regicídio de 1908 acabou por abreviar o fim da monarquia ao colocar no trono o jovem D. Manuel II e dividindo os partidos monárquicos numa luta fratricida.

O afundamento da monarquia
D. Manuel II tinha apenas 18 anos quando foi aclamado Rei. Devido à sua pouca idade e pela forma trágica como chegou ao trono, recebeu inicialmente uma simpatia generalizada. O jovem rei começou por nomear um governo de consenso, presidido pelo almirante Francisco Joaquim Ferreira do Amaral. Este governo de acalmação, como ficou conhecido, apesar de lograr acalmar momentaneamente os ânimos, acabou por ter uma duração breve. A situação política rapidamente voltou a degradar-se, tendo-se assistido à sucessão de sete governos em apenas dois anos. Os partidos monárquicos voltaram às habituais divisões, fragmentando-se, enquanto o Partido Republicano continuava a ganhar terreno. Nas eleições de 5 de abril de 1908, a última legislativa completa na vigência da monarquia, o partido viu eleitos sete deputados: mantiveram-se os quatro da bancada eleita em 1900 e juntaram-se-lhes Estêvão de Vasconcelos, Feio Terenas e Brito Camacho. Nas eleições de 28 de agosto de 1910 o partido teve um resultado arrasador, duplicando a sua bancada.

 

A revolução saiu à rua
No verão de 1910 Lisboa fervilhava de boatos e várias vezes foi o próprio primeiro-ministro, Teixeira de Sousa, avisado de golpes iminentes. A revolução não foi exceção: o golpe era esperado pelo governo,  que a 3 de outubro deu ordem para que todas as tropas da guarnição da cidade ficassem de prevenção. Após o jantar oferecido em honra de D. Manuel II pelo presidente brasileiro Hermes da Fonseca, então em visita de Estado a Portugal, o monarca recolheu-se ao Paço das Necessidades, enquanto seu tio e herdeiro jurado da coroa, o infante D. Afonso, seguia para a Cidadela de Cascais.
Como em tudo na vida há sempre um acontecimento, por insignificante que seja, que despoleta as grandes crises. E a Implantação da República também não foi excepção. Miguel Bombarda é baleado por um dos seus pacientes, os chefes republicanos reuniram-se de urgência na noite de dia 3.  Alguns oficiais foram contra, dada a prevenção das forças militares, mas o almirante Cândido dos Reis insistiu para que se continuasse, sendo-lhe atribuída a frase: “A Revolução não será adiada: sigam-me, se quiserem. Havendo um só que cumpra o seu dever, esse único serei eu”.

Revoltosos concentram-se na Rotunda.
Machado Santos já havia passado à ação e nem esteve na reunião. Este dirigiu-se ao aquartelamento do Regimento de Infantaria 16, onde um cabo revolucionário provocara o levantamento da maior parte da guarnição: um comandante e um capitão que se tentaram opor foram mortos a tiro. Entrando no quartel com umas dezenas de carbonários, o comissário naval seguiu depois com cerca de 100 praças para o Regimento de Artilharia 1, onde o capitão Afonso Palla e alguns sargentos, introduzindo alguns civis no quartel, já haviam tomado a secretaria, prendendo os oficiais que se recusaram a aderir.  Com a chegada de Machado Santos formaram-se duas colunas, que ficaram sob o comando dos capitães Sá Cardoso e Palla. A primeira marchou ao encontro dos regimentos Infantaria 2 e Caçadores 2, que deviam também estar sublevados, para seguir para Alcântara onde deveriam apoiar o quartel de marinheiros.

 

 

Os combates
Assim que se teve notícia da concentração de revoltosos na Rotunda, o comando militar da cidade organizou um destacamento fiel ao governo para os atacar. Formavam essa coluna, sob o comando do coronel Alfredo Albuquerque, unidades retiradas da proteção do Palácio das Necessidades: Infantaria 2, Cavalaria 2 e a bateria móvel de Queluz. Desta última fazia parte o herói das guerras coloniais, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro. A coluna avançou até perto da Penitenciária onde assumiu posições de combate. Antes de estas estarem concluídas, no entanto, foram atacados por revoltosos. O ataque foi repelido, mas a custo de alguns feridos, vários animais de carga mortos e da debandada de cerca de metade da infantaria. Paiva Couceiro respondeu ao fogo com os canhões e a infantaria que restava durante três quartos de hora, ordenando um ataque que foi levado a cabo por cerca de 30 soldados, mas que foi repelido com algumas baixas. Continuando com o fogo, ordenou novo ataque, mas apenas conseguiu que cerca de 20 praças o acompanhassem.
Entretanto havia-se formado uma coluna com o propósito de atacar simultaneamente os revoltosos na Rotunda, mas tal não chegou a ocorrer, porque foi dada ordem de retirar. A coluna chegou ao Rossio, ao fim da tarde, sem sequer ter combatido. Tal inação não se deveu a qualquer incompetência do seu comandante, o general António Carvalhal, pois como ficou provado no dia seguinte ao ser nomeado chefe da Divisão Militar pelo governo republicano, as suas lealdades eram outras.
Os reforços da província, esperados pelo governo ao longo de todo o dia 4, nunca chegaram. Apenas as unidades já mencionadas e chamadas aquando das medidas preventivas é que receberam as ordens de marcha. Desde o início da revolução que os carbonários tinham desligado os fios telegráficos impedindo assim as mensagens de chegarem às unidades de fora de Lisboa. Além disso, na posse de informação acerca das unidades alertadas, os revolucionários tinham cortado as linhas férreas  pelo que, obrigadas a marchar, estas nunca chegariam a tempo.

 

 

O triunfo da revolução
Na noite do dia 4, a moral encontrava-se muito em baixo entre as tropas monárquicas estacionadas no Rossio, devido ao perigo constante de serem bombardeadas pelas forças navais e nem as baterias de Paiva Couceiro, aí colocadas estrategicamente, traziam algum conforto. No quartel-general discutia-se a melhor posição para bombardear a Rotunda. Às três da manhã, Paiva Couceiro partiu com a bateria móvel, escoltado por um esquadrão da guarda municipal, e instalou-se no Jardim de Castro Guimarães, no Torel, aguardando a madrugada.

Entretanto no Rossio, depois de Paiva Couceiro ter saído com a bateria, o moral das tropas monárquicas, julgando-se desamparadas, piorou ainda mais, devido às ameaças de bombardeamento por parte das forças navais. Infantaria 5 e alguns elementos de Caçadores 5 garantiram que não se oporiam ao desembarque de marinheiros. Face a esta confraternização com o inimigo, os comandantes destas formações dirigiram-se então ao quartel-general onde foram surpreendidos pela notícia do armistício. A situação no Rossio, continuava muito confusa, mas já favorável aos republicanos, dado o evidente apoio popular. Machado Santos confronta o general Gorjão Henriques com o facto consumado e convida-o a manter-se no comando da divisão mas este recusa. Machado Santos entrega assim o comando ao general António Carvalhal que sabia ser republicano.

Proclamação da república por José Relvas
Pouco depois, pelas 9 horas da manhã, era proclamada a república por José Relvas, na varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa, após o que foi nomeado um Governo Provisório, presidido por membros do Partido Republicano Português, para governar a nação até ser aprovada uma nova Lei Fundamental. A revolução saldou-se em algumas dezenas de baixas. O número rigoroso não é conhecido, mas até ao dia 6 de outubro, tinham dado entrada na morgue 37 vítimas mortais da revolução. Vários feridos recorreram a hospitais e postos de socorros da cidade, alguns deles vindo, mais tarde, a falecer.

O embarque da família real para o exílio
Em Mafra, na manhã do dia 5 de outubro, o rei procurava um modo de chegar ao Porto, ação muito difícil de levar a cabo por terra dada a quase inexistência de uma escolta e os inúmeros núcleos de revolucionários espalhados pelo país. Cerca do meio-dia era entregue ao presidente da câmara municipal de Mafra a comunicação do novo governador civil, ordenando que se arvorasse a bandeira republicana. Pouco depois, o comandante da Escola Prática de Infantaria recebe também um telegrama do seu novo comandante informando-o da nova situação política. A posição da família real era cada vez mais precária.
A solução aparece quando chega a notícia de que o iate real “Amélia” fundeara ali perto, na Ericeira.  Às duas da manhã o iate havia recolhido da Cidadela de Cascais o tio e herdeiro ao trono, D. Afonso, e sabendo o rei em Mafra, havia rumado à Ericeira por ser o ancoradouro mais próximo. Tendo a confirmação da proclamação da república e o perigo próximo da sua prisão, D. Manuel II decide embarcar com vista a dirigir-se ao Porto. A família real e alguns acompanhantes dirigiram-se à Ericeira de onde, por meio de dois barcos de pesca e perante os olhares curiosos dos populares embarcaram no iate real. Depois de garantir que a carta chegaria ao seu destino, o rei fez saber que queria ir para o Porto. Reuniu-se um conselho com o soberano, os oficiais e parte da comitiva. O comandante João Agnelo Velez Caldeira Castelo Branco e o imediato João Jorge Moreira de Sá opuseram-se à opinião do soberano, alegando que se o Porto não os recebesse o navio dificilmente teria combustível para chegar a outro ancoradouro. Perante a insistência de D. Manuel II, o imediato argumentou que levavam a bordo toda a família real, pelo que era o seu primeiro dever salvar essas vidas. O porto de destino escolhido foi Gibraltar. Aí tomou conhecimento que também o Porto tinha aderido à causa republicana. D. Manuel ordenou então que o navio, por ser propriedade do Estado português, voltasse a Lisboa. O rei deposto, no entanto, viveria o resto dos seus dias no exílio.

Carta de D. Manuel para o Primeiro Ministro, despedindo-se de Portugal
Meu caro Teixeira de Sousa
Forçado pelas circunstâncias vejo-me obrigado a embarcar no yacht real “Amélia”. Sou português e sê-lo-ei sempre. Tenho a convicção de ter sempre cumprido o meu dever de Rei em todas as circunstâncias e de ter posto o meu coração e a minha vida ao serviço do meu País. Espero que ele, convicto dos meus direitos e da minha dedicação, o saberá reconhecer! Viva Portugal!
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