O espírito de Hong Kong não foi quebrado, garantem portugueses e lusodescendentes ali residentes, cerca de um ano após a implementação da Lei de Segurança Nacional.
A controversa legislação, implementada a 1 de julho de 2020, “não teve qualquer efeito” na vida da comunidade, cujos membros são “apolíticos”, disse à Lusa o investigador Francisco da Rosa, que preparou uma exposição sobre a presença dos lusodescendentes na cidade, que deveria abrir ao público no Museu de História de Hong Kong em 2022.
O mesmo se pode dizer da população em geral, garante Georgine Leung. “As pessoas de Hong Kong são muito realistas. Na escola da minha filha, os pais estão preocupados é em pagar as contas e criar os filhos durante uma pandemia”, disse à Lusa a portuguesa.
Mas mesmo a jovem nascida em Hong Kong admite que a Lei de Segurança Nacional afetou a liberdade de expressão. “No meu caso, eu tenho mais cuidado com o que escrevo no Twitter”, confessa.
Hei-man, que participou em algumas das manifestações em 2019, foi mais longe: bloqueou no Facebook um antigo colega de universidade, que agora é agente da polícia.
Também a organização ambiental para a qual a portuguesa trabalha decidiu deixar de mencionar “assuntos políticos sensíveis” nas redes sociais.
Aliás, a maioria dos portugueses e lusodescendentes em Hong Kong prefere o silêncio sobre a Lei de Segurança Nacional.
“Não seria apropriado eu fazer comentários sobre esse tema, uma vez que quaisquer comentários que eu faça poderiam ser associados à comunidade”, disse à Lusa um dos líderes dos lusodescendentes na cidade.
A esta lei vieram juntar-se esforços do Governo central chinês para promover a educação patriótica em Hong Kong.
“Começaram a tocar o hino nacional [chinês] todos os dias na rádio às 8 da manhã e também o tocam na escola da minha filha”, diz Georgine Leung. “Ela disse-me que na verdade não entende a letra e por isso só entoa a melodia”, acrescenta, com um sorriso.
Uma subtil forma de resistência que dá esperança à portuguesa. “Hong Kong sempre teve uma tradição de sátira e basta ouvir a rádio para ver que não deixaram de gozar com o governo” local, sublinha.
Também Hei-man garante à Lusa que os slogans do movimento pró-democrático continuam a surgir, “embora muito cautelosamente”, em grafittis e outras formas de arte urbana.
Mas para muitos a única solução foi o exílio. No primeiro ano desde a implementação da Lei de Segurança Nacional, a cidade perdeu mais de 116 mil habitantes, segundo dados compilados pelo ativista David Webb.
Os que abandonam Hong Kong “sentem-se uns mártires políticos”, quando na realidade a maioria vem das classes alta ou média-alta e detém um passaporte estrangeiro que lhes dá “uma escolha, um privilégio”, diz Georgine Leung.
O fatalismo, diz a portuguesa, só aumentou com o encerramento forçado, a 24 de junho, do jornal Apple Daily, um firme apoiante do movimento pró-democracia.
“Eu não acho que Hong Kong esteja morta”, garante Georgine. “Continuamos cá e a falar cantonês”, sublinha.
Hei-man, que nasceu em Macau e se mudou para a cidade vizinha para prosseguir os estudos, não tem a certeza do que o futuro lhe reserva. “É realmente difícil imaginar [ficar em Hong Kong] se as coisas só ficarem piores para a minha geração e para a próxima”.
Entretanto, a portuguesa continua à espera que as fronteiras reabram para que os pais dela possam vir de Macau para um casamento em suspenso.
“Antes da Lei de Segurança Nacional, tínhamos um sonho para o futuro, queríamos um mundo mais livre”, recorda a jovem. “Ainda tenho esperança, ainda temos a força para continuar a fazer o que for possível”, acrescenta.
Pequim impôs a lei a Hong Kong para poder reprimir a dissidência, após meses de protestos antigovernamentais na cidade, que por vezes resultaram em violência.
Mais de 100 pessoas ligadas ao movimento pró-democracia foram presas ao abrigo da lei de segurança nacional.