Cabo-verdiana de terceira geração nos Estados Unidos, Akeia de Barros Gomes só descobriu que o avô tinha sido caçador de baleias depois de começar a trabalhar no Museu da Baleação em New Bedford como historiadora.
“Cansada de avaliar testes” quando era professora universitária de antropologia e arqueologia, Akeia de Barros Gomes disse à agência Lusa, em New Bedford, que decidiu mudar de carreira há vários anos, ao candidatar-se a um emprego no Museu da Baleação.
Agora curadora de história social do museu, Akeia assegurou que sabia distinguir sem dúvidas o rosto do avô, apesar de nunca o ter conhecido, pelas fotografias que passaram de geração em geração na sua família, proveniente de Cabo Verde.
Foi grande a surpresa quando viu aquele mesmo rosto jovem numa das fotografias expostas no maior museu do mundo dedicado a retratar culturas dos emigrantes que contribuíram para a indústria baleeira na costa leste dos Estados Unidos, inclusive as comunidades dos Açores, Cabo Verde, Inglaterra, entre outras.
“Abri o arquivo ‘online’ do museu, escrevi o nome do meu avô, Philip de Barros Gomes (…) e apareceu a mesma descrição daquela foto”, de 1921, disse Akeia.
Foi assim, por um acaso, no meio de milhares de itens expostos, que Akeia de Barros Gomes encontrou ali o seu avô, em fotografias do século passado, depois de também “por acaso” ter mudado de carreira, sem a mínima ideia de que, afinal, a história da baleação corria-lhe no sangue.
Robert Rocha, diretor de programas de ciências e educação, disse à Lusa que está sempre a aprender coisas novas sobre a cultura dos seus antepassados, emigrados dos Açores para os Estados Unidos em procura de uma vida melhor.
“No meu tempo aqui, eu aprendi mais sobre a história dos portugueses e primeiramente, açorianos, história da baleação e a ligação forte entre esta parte dos Estados Unidos e as ilhas [portuguesas]”, considerou o lusodescendente que trabalha no museu há 17 anos.
Algumas das suas principais responsabilidades são o estudo de baleias, golfinhos e outras espécies marinhas, assim como dar aulas e criar programas educativos.
Robert Rocha acrescentou que gosta da missão do museu, descrita na página ‘online’ como o “conhecimento da influência que a indústria baleeira e o porto de New Bedford tiveram na história, economia, ecologia, artes e culturas da região, da nação e do mundo”.
Sendo um verdadeiro luso-americano, que sabe tudo da gastronomia e hábitos ensinados pelos avós e pais, Robert Rocha faz o esforço de falar à Lusa em português, uma língua que não aprendeu quando era pequeno.
“Cresci aqui (…) e a cultura açoriana está em todos os lugares nesta área, restaurantes, lojas, rádios, televisão, nomes, como Rocha”, disse o luso-americano.
“Torna a ligação mais forte com a minha cultura e herança açoriana”, acrescentou o também membro da Azorean Maritime Heritage Society (Sociedade de Herança Marítima Açoriana).
Para a presidente e diretora executiva do museu, Amanda McMullen, “é muito importante que as pessoas percebam que a história de New Bedford é uma história portuguesa, açoriana, cabo-verdiana, uma história global”, que todos podem “visitar e experimentar”.
Amanda McMullen cresceu em Rhode Island, estado vizinho com muita influência da cultura portuguesa, e já em criança tinha visitado o museu, trazendo também, anos mais tarde, os seus filhos.
“Adoro a força do museu de contar histórias. Podemos mostrar coisas bonitas, fantásticas e impressionantes, como os esqueletos de baleia, mas é muito mais sobre estórias humanas”, considerou, em entrevista à agência Lusa.
O museu alberga, no interior, um esqueleto do maior mamífero do mundo em tamanho real e também o maior modelo de navio que existe, o navio Lagoda, construído em 1915, que é uma reprodução de 1/2 (metade do tamanho real) de um barco usado na caça da baleia.
Entre várias coleções, são expostos também trajes usados pelos caçadores e pescadores, instrumentos de caça, cartas escritas em português há décadas, uma cópia da declaração de independência de Cabo Verde e muitas outras coisas.
“Museus têm o poder de assegurar que [memórias] não se perdem. Um museu é capaz de refletir a comunidade”, descreveu a presidente, acrescentando que o Museu da Baleação conta com um comité consultivo português e outro cabo-verdiano, dois grupos “muito fortes” e ativos na preparação de programas, palestras ou demonstrações de artes performativas.
Nas palavras de Akeia de Gomes Barros, New Bedford é uma área onde “as pessoas têm muito orgulho da sua herança, sejam dos Açores, Portugal Continental, Madeira ou Cabo Verde”.
No passado, muitas famílias emigrantes, inclusive a família Barros Gomes, queriam deixar de ser vistas como estrangeiras e se esforçavam por parecer americanas.
“Diziam, como na minha família, não vamos falar crioulo, não vamos falar português, nós somos americanos”, recordou Akeia.
“Agora já não é assim que as pessoas pensam e estão a abraçar a sua portugalidade ou cabo-verdianidade e a continuar as tradições”, disse a curadora de história social.
“Há uma comunidade [lusófona] muito vibrante e ativa que mantém a língua, as tradições e, a minha favorita, a comida. Os rituais e cerimónias, tudo está a ser guardado”, disse a descendente de cabo-verdianos.