31″Havia um bastante mau em terras de Além Douro, a quem a justiça encarniçadamente perseguia por vários crimes mas que sempre escapava, como bom conhecedor que era dos esconderijos proporcionados pela natureza. Apertado, porém, muito de perto, embrenhou-se um dia numa mata e, transviado, achou-se de repente à borda de uma ribeira torrencial, em sítio desconhecido e medonho, pelo alcantilado dos penedos e pelo fragor das águas que ali se despenhavam em furiosa catadupa. Apelou o malvado para o Anjo-Mau e tanto foi invocá-lo que o Diabo lhe apareceu. ‘Faz-me transpor o abismo e dou-te a minha alma’, disse-lhe.
O Diabo aceitou o pacto e lançou uma ponte sobre a torrente. O homem lá passou e seguiu sem olhar para trás como lhe fora exigido, mas pouco depois sentiu grande estrépito, como de muitas pedras que se derrocavam, e ninguém mais ouviu falar da improvisada ponte.
Os anos volveram e, enfim, chegou a hora do passamento. Moribundo e arrependido, confessou ao sacerdote o seu pacto. Este foi ao sítio da ponte e tratou igual pacto com o Diabo. A ponte reapareceu e o sacerdote passou, mas tirando rápido, um ramo de alecrim, molhou-o na caldeirinha que levava oculta, três vezes aspergiu, fazendo o sinal da cruz e pronunciando as palavras sacramentais dos exorcismos. O mesmo foi fazê-lo que sumir-se o Demónio, deixando o ar cheio de um vapor acre e espesso, de pez e resina, de envolta com cheiro sufocante de enxofre, ficando de pé a ponte.”
A ponte que foi construída pelo diabo
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