O Presidente da República reeleito elegeu o combate à pandemia como prioridade única imediata. Mas nos objetivos para os próximos anos incluiu “refazer os laços desfeitos, quebrar as barreiras erguidas, ultrapassar as solidões multiplicadas, fazer esquecer as xenofobias, as exclusões, os medos instalados”, assim como “recuperar e valorizar todos os dias as inclusões, as partilhas, os afetos, as cidadanias esvaziadas pela pobreza, pela dependência, pela distância”
Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito sem surpresas e com votação reforçada e a terceira maior percentagem em eleições presidenciais em democracia: recebeu 60,70% dos votos expressos, a segunda maior numa reeleição.
E pela primeira vez em eleições presidenciais, o vencedor e atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi o candidato mais votado em todos os concelhos do país.
Nas presidenciais com maior abstenção desde o 25 de Abril, realizadas no momento mais grave da pandemia da Covid-19 em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa submeteu-se ao voto como “responsável máximo do Estado e, nessa medida, da gestão da pandemia”, como realçou no seu discurso de vitória, feito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde foi aluno e professor.
O professor catedrático de direito jubilado, de 72 anos, que se recandidatou à chefia de Estado apoiado formalmente por PSD e CDS-PP, foi reeleito com 2.533.799 votos, número oficial aquando deste fecho de edição e quando faltavam apurar apenas os resultados em três consulados portugueses.
Na distância entre o primeiro e o segundo candidatos mais votados, o Presidente da República reeleito no domingo passado teve a terceira maior diferença de votos em dez eleições presidenciais, de perto de dois.
Ao contrário dos seus antecessores Aníbal Cavaco Silva e Jorge Sampaio, que nas respetivas reeleições, em 2011 e 2001, perderam votantes, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa superou em quase 120 mil votos os 2.413.956 que tinha obtido em 2016, correspondentes a 52% do total de votos expressos.
Este resultado foi conseguido numas eleições em que o PS, no Governo, optou por não declarar apoio a nenhum candidato, mas aprovou uma moção em que faz uma “avaliação positiva” do primeiro mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de haver uma socialista na corrida, a diplomata e antiga eurodeputada Ana Gomes.
Estabilizar e unir o país
O Presidente da República reeleito defendeu no domingo à noite que os portugueses mostraram nestas eleições presidenciais que rejeitam o extremismo e prometeu estabilizar e unir o país.
“Tenho a exata consciência de que a confiança agora renovada é tudo menos um cheque em branco”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, prometendo “continuar a ser um Presidente de todos e de cada um dos portugueses, um Presidente próximo, um Presidente que estabilize, um Presidente que una, que não seja de uns, os bons, contra os outros, os maus, que não seja um Presidente de fação, um Presidente que respeite o pluralismo e a diferença, um Presidente que nunca desista da justiça social”.
Num discurso de 17 minutos feito no átrio da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que terminou pouco depois da meia-noite, o chefe de Estado assinalou que foi reeleito com mais votos e maior percentagem do que em 2016, o que apontou como sinal de que os portugueses “querem mais e melhor em proximidade, em convergência, em estabilidade, em construção de pontes, em exigência, em justiça social, e de modo mais urgente em gestão da pandemia”.
“Entendi esse sinal e dele retirarei as devidas ilações”, acrescentou.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o voto dos portugueses respondeu “à pergunta crucial acerca do que não querem e do que querem para Portugal nos próximos cinco anos”, e não querem, entre outras coisas, “uma radicalização e um extremismo nas pessoas, nas atitudes, na vida social e política”.
O Presidente da República elegeu o combate à pandemia como prioridade única imediata.
“É essa, continua a ser essa também a vossa, a nossa primeira missão: conter, primeiro, abreviar, depois, a pandemia, para que possamos passar definitivamente ao resto tão essencial que temos de fazer”, disse, manifestando-se convicto de que Portugal vai vencer este combate “custe o que custar”.
Nos objetivos para os próximos anos incluiu “refazer os laços desfeitos, quebrar as barreiras erguidas, ultrapassar as solidões multiplicadas, fazer esquecer as xenofobias, as exclusões, os medos instalados”, assim como “recuperar e valorizar todos os dias as inclusões, as partilhas, os afetos, as cidadanias esvaziadas pela pobreza, pela dependência, pela distância”.
Deixou ainda “uma palavra de gratidão ilimitada” a todos os que contribuíram para a realização desta campanha eleitoral, “pelo serviço que prestaram à liberdade, ao Estado de direito e a Portugal”.
Esquerda: resultado mais baixo de sempre
Nestas presidenciais, teve como adversários Ana Gomes, Marisa Matias, João Ferreira, André Ventura, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva. Os três candidatos de esquerda, Ana Gomes, João Ferreira e Marisa Matias, tiveram globalmente no domingo o resultado mais baixo de sempre em presidenciais, indiciando que Marcelo Rebelo de Sousa captou largamente o eleitorado de centro-esquerda.
Os resultados destas eleições presidenciais indiciam por isso, em primeiro lugar, que uma larga maioria dos eleitores do PS votou pela reeleição do Presidente da República.
Uma circunstância à qual não será estranha o facto de o secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, assim como figuras socialistas como o presidente da Assembleia da Repúbica, Ferro Rodrigues, ou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, terem sido incisivos nos elogios ao primeiro mandato presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa.
Com a certeja da eleição de Marcelo Rebelo de Sousa, a noite eleitoral foi longa, pelas várias dúvidas que se prolongaram durante horas: quem fica em segundo lugar?
Se as projeções colocavam Ana Gomes em segundo, o intervalo das sondagens permitia admitir que André Ventura, em terceiro, ainda podia guindar ao 2.º posto da ex-eurodeputada?
E foi preciso esperar quase pelo final do apuramento, pelos resultados dos grandes centros urbanos, em Lisboa, Porto e Setúbal, para desfazer as dúvidas, já passava das 22h30.
Foi a candidata independente Ana Gomes quem ficou em segundo… mas por escasso um ponto percentual.
Aos apoiantes, a socialista que concorreu com o apoio do PAN e Livre e alguns dirigentes do PS assumiu ter falhado a segunda volta nestas presidenciais, mas que cumpriu o “objetivo patriótico” de impedir que a ultradireita assumisse uma posição de “possível alternativa”.
Ao mesmo tempo, o presidente do Chega deixou um aviso ao PSD e a Rui Rio. “Hoje ficou claro em Portugal e para a Europa e para o Mundo que não haverá Governo em Portugal sem que o Chega seja parte fundamental. Não há volta a dar. PSD, ouve bem, não haverá governo em Portugal sem o Chega”, gritou.
À esquerda, Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, e João Ferreira, apoiado pelo PCP e Verdes, tiveram uma queda, em especial a candidata bloquista, que há quatro anos teve 10%.
A eurodeputada do BE, com 3,95%, admitiu também ter ficado aquém dos resultados que queria e responsabilizou o PS, dizendo que é aos socialistas que se deve perguntar porque “é que a esquerda não somou mais nesta eleição” presidencial.
E o resultado é também “um aviso à esquerda”, disse, antes de alertar para a “reconfiguração da direita em Portugal”, com a subida do candidato do Chega.
Ainda à esquerda, o comunista João Ferreira, com 4,32% – ligeiramente acima dos 3,9% de Edgar Silva em 2016 – contornou a questão de números, repetindo que não era “candidato a percentagens”.
Assumindo que gostava que a “visão” que apresentou aos eleitores tivesse tido “o acolhimento mais amplo possível” nestas eleições.
À direita, a Iniciativa Liberal estreou-se no apoio a um candidato, Tiago Mayan Gonçalves, que considerou uma “janela de esperança” para todos portugueses os três por cento alcançados nas eleições, sinalizou o “crescimento da onda liberal”, e que mostra um caminho diferente às opções dos últimos 40 anos.
No fim da lista ficou Vitorino Silva, o calceteiro mais conhecido por Tino de Rans, obteve 2,94%, 122 mil votos, menos 30 mil dos que há cinco anos.
Abstenção maior em concelhos com elevados números de Covid
Os concelhos com abstenção mais elevada nas presidenciais de domingo apresentam valores muito elevados de Covid-19 e baixo poder de compra nas suas populações, segundo o portal de dados estatísticos EyeData. No portal, os resultados eleitorais de cada candidato e da abstenção são divididos em três, permitindo ver qual o terço dos concelhos em que cada candidato ou a abstenção registou os resultados mais elevados, os mais baixos e o resultado médio.
Depois, é possível cruzar esses resultados com um vasto conjunto de variáveis económicas e sociais que permitem caracterizar, em termos médios, como são os concelhos onde os candidatos ou a abstenção registou os resultados mais e menos elevados.
Assim, é possível verificar que estes concelhos, onde a abstenção atingiu, em média, 65,01% contra os 60,51% registados a nível nacional, se caracterizam por terem registado quase o triplo dos casos de covid-19 que a média nacional: 9.621,39 casos por 100 mil habitantes contra uma média nacional de 3.236,99 casos. Estes dados referem-se aos últimos dados concelhios divulgados, na passada segunda-feira, dia 18, e reportam as incidências registadas nos 14 dias anteriores.
Mas não é apenas a Covid-19 a caracterizar estes concelhos, o baixo poder de compra das suas populações é outra das marcas. Segundo os dados do EyeData, o poder de compra por habitante nestes concelhos apresenta um índice de 77,49 que compara com um valor de 100 a nível nacional, uma diferença superior a 20%.
O rendimento médio mensal auferido pelos trabalhadores por conta de outrem nestes concelhos também é inferior à média nacional: 978,64 euros contra 1.168,42 euros a nível nacional.
Os trabalhadores da Administração Pública Local nestes concelhos apresentam um peso maior que a nível nacional ao registarem um valor de 17,76 por cada mil habitantes contra um valor de 12,4 a nível nacional.
Recenseamento automático de emigrantes fez subir a abstenção
O recenseamento automático dos portugueses no estrangeiro fez subir a abstenção 5,96 pontos percentuais nas presidenciais do passado domingo, para 60,5%.
No território nacional, continente e ilhas, a abstenção é de 54,55%, mas quando são considerados os resultados globais, já com os votos no estrangeiro, esse valor sobe até 60,5%.
Olhando apenas aos resultados no estrangeiro, a abstenção é muito elevada: 98,13%. Ou seja, dos 1.476.543 inscritos, apenas votaram 27.615 eleitores.
Às 11h45 de domingo, já estavam apurados 99,91% dos votos e faltava saber a votação de três consulados no estrangeiro. Cerca de 10 milhões de eleitores, mais 1,2 milhões do que em 2016, foram chamados no domingo a escolher entre os sete candidatos a Presidente da República.
Nesta eleição houve um aumento do número de eleitores, em grande medida devido ao recenseamento eleitoral automático dos emigrantes com cartão de cidadão válido, que decorre de uma mudança à lei, feita em 2018.
Em 2016, eram 228.822 os eleitores inscritos no estrangeiro e este ano esse número subiu para 1.476.543 nestas eleições.