Desde o início da pandemia, o distrito de Bragança registou 77 óbitos associados à Covid-19, mais de 80% dos quais de utentes de lares de idosos, a maioria em apenas uma instituição.
A Santa Casa da Misericórdia de Bragança teve o maior surto do distrito, com 28 mortes, que representam perto de metade das 64 conhecidas em lares e mais de um terço do total de óbitos em toda a região somado pelas autoridades de saúde.
Os números “batem certo com as características da população idosa da região”, onde 30% dos cerca de 125 mil habitantes têm mais de 65 anos, acima da média nacional de 20%, e os mais debilitados dos mais velhos estão concentrados no número elevado de lares que existem neste território, na análise de Fernando Pereira, professor/investigador do Instituto Politécnico de Bragança.
O investigar tem-se dedicado a estudar o envelhecimento e está agora a escrever um artigo, com mais duas colegas, Helena Pimentel e Cristina Teixeira, sobre o impacto da Covid-19 nas Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI).
O artigo tem um foco mais global e baseia-se em publicações científicas de várias partes do mundo relativas à primeira vaga da pandemia do novo coronavírus. “No caso destas instituições, a taxa de mortalidade é muito grande e os nossos números são perfeitamente idênticos ao se passa aqui ao lado em Espanha ou nos Estados Unidos da América”, afirmou à Lusa.
De acordo com os dados que recolheu, os lares representam “20 a 30%” do número global de infeções com uma taxa de letalidade de “10%” e concorrem para “entre 30 a 66% do total de óbitos”.
Os lares do distrito de Bragança estão abaixo da média em relação ao peso no número global de infeções, tendo em conta que a região soma, desde o início da pandemia, 4.372 casos, cerca de 700 dos quais entre utentes e funcionários destas instituições, que representam 16% do total.
Já em relação aos óbitos, ultrapassa as médias com mais de 80% do total registados em, pelo menos, 12 dos mais de cem lares existentes no distrito de Bragança e confirmados pelas direções.
O que mais pesa nos números é o surto da Misericórdia de Bragança, já sanado, que é também a que tem o maior número de utentes e funcionários na região, com 28 óbitos, enquanto as restantes instituições registaram entre uma e oito mortes, entre os utentes.
Sobrecarga nos lares facilita o contágio
As razões para a pandemia entrar com “violência” nos lares prendem-se, para o investigador Fernando Pereira, com “a sobrecarga muito grande destas instituições, já que cada vez mais há mais idosos que não têm outro tipo de apoio e têm de ir para os lares, com muita gente junta e a partilhar os mesmos espaços”.
“E é tão grave porque o que temos lá são idosos e a maioria deles com muitas comorbilidades, muitas doenças, muito frágeis, já não têm a resistência de um jovem e o risco é muito elevado”, apontou.
Mesmo com as medidas de contenção tomadas nos últimos meses, o investigador salienta que os lares “continuam a receber visitas de muita gente, desde pessoal técnico, a auxiliares que entram e saem, enfermeiros, médicos e outros profissionais que fazem rotações por várias instituições”.
“As instituições têm tido muito cuidado, mas nada é infalível e algumas afetadas por surtos questionam-se mesmo: “onde é que falhamos”, segundo Paula Pimentel, presidente da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social do Distrito de Bragança (UIPSSDB). Esta organização tem associadas 83 das 120 IPSS da região. Das que representa, 49 têm resposta de lar.
O problema, para a presidente, “não está nas instituições, está na comunidade” e é impossível cortar o vínculo com o exterior.
“Os nossos colaboradores e equipas têm de sair, não tendo o seu descanso iriam pôr em causa prestar bons serviços”, defendeu, realçando a preocupação com “o comportamento individual, social e profissional”.
Nos últimos meses têm sido promovidas várias ações de formação destinadas aos colaboradores relacionados com a problemática, desde gestão dos recursos humanos, aos cuidados e atuação.
As despesas com medidas de proteção e contenção do vírus dispararam, com custos acrescidos em alguns casos “entre 70 a 75 euros por colaborador” só com os chamados equipamentos de proteção individual (EPI), que incluem luvas, máscaras, fatos, batas, manguitos, toucas, entre outros.
A esta junta-se a despesa com desinfeção de espaços que ganhou relevância nos orçamentos com direito “apenas a uma ajuda estatal de 80% de 10 mil euros” por instituição para consumíveis, como exemplificou.