Um programa que reúne cientistas de todo o mundo propõe-se a explorar e descobrir o que ainda se esconde nas profundezas dos oceanos. E a investigadora Ana Hilário, da Universidade de Aveiro, é uma das responsáveis pelo programa, batizado como ‘Challenger 150’…
O mar profundo é o mais enigmático local da Terra onde a humanidade ainda não pisou. Para explorar cientificamente e obter um maior conhecimento desta zona do globo, que ocupa 60 por cento da superfície do planeta, foi criado o programa ‘Challenger 150’.
O nome do projeto foi escolhido em alusão ao ponto mais profundo do planeta – o ‘Challenger Deep’ – e na sua coordenação estão a bióloga e investigadora portuguesa Ana Hilário, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (UA), e Kerry Howell, investigadora na Universidade de Plymouth (Reino Unido) e especialista em Ecologia do Mar Profundo.
“O mar profundo (vastas extensões de água e fundos marinhos entre os 200 e os 11000 metros abaixo da superfície do oceano) é reconhecido globalmente como uma importante fronteira da ciência e da descoberta”, aponta Ana Hilário, citada num comunicado da UA enviado ao ‘Mundo Português’.
Apesar de o mar profundo representar cerca de 60 por cento da superfície da Terra, aponta a investigadora da UA, “uma grande parte permanece completamente inexplorada e a humanidade conhece muito pouco sobre os seus habitats e como estes contribuem para a saúde de todo o planeta”.
Foi para colmatar esse desconhecimento que Ana Hilário e Kerry Howell reuniram uma equipa de cientistas de 45 instituições de 17 países que propõe um programa de investigação dedicado ao estudo do mar profundo, que será dinamizado nos próximos 10 anos.
Como as mudanças no mar afetaram a Terra?
De Portugal, para além da equipa da UA, contribuíram para o desenho do programa cientistas do CIIMAR (Universidade do Porto), do Okeanos (Universidade dos Açores) e do CIMA (Universidade do Algarve).
O ‘Challenger 150’ irá coincidir com a Década das Nações Unidas da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável, que decorre de 2021 a 2030.
O ano de 2022 marca o 150º aniversário da expedição do navio HMS Challenger que circum-navegou o globo, mapeou o fundo do mar, registou a temperatura global do oceano e proporcionou a primeira perspetiva da vida no mar profundo, recorda a UA no comunicado.
“Um dos grandes objetivos do ‘Challenger 150’ é a capacitação e aumento da diversidade no seio da comunidade científica, uma vez que atualmente a investigação no oceano profundo é conduzida principalmente por nações desenvolvidas com recursos financeiros suficientes e acesso a infraestruturas oceanográficas”, explica a bióloga portuguesa.

Com o ‘Challenger 150’, “pretendemos formar a próxima geração de biólogos do mar profundo. Vamos concentrar-nos na formação de cientistas de países em desenvolvimento, mas também de jovens cientistas de todas as nações, incluindo Portugal”, antevê Ana Hilário.
“Este programa, esperam os cientistas, irá também gerar mais dados geológicos, físicos, biogeoquímicos e biológicos através da inovação e da aplicação de novas tecnologias, e utilizar estes dados para compreender como as mudanças no mar profundo afetam todo o meio marinho e a vida no planeta”, refere a UA.
O novo conhecimento será usado ainda para apoiar a tomada de decisões a nível regional, nacional e internacional sobre questões como a exploração mineira nos fundos oceânicos, a pesca e a conservação da biodiversidade, bem como a política climática.
Mais colaboração e conhecimento
Para conseguir uma maior cooperação internacional para o programa, os investigadores publicaram um apelo na revista ‘Nature Ecology and Evolution’ enquanto, simultaneamente, divulgaram um esquema detalhado do ‘Challenger 150’ na revista ‘Frontiers in Marine Science’.
A lista de autores dos dois artigos inclui cientistas de países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento dos seis continentes existentes na superfície da Terra. Os cientistas alegam que a Década anunciada pela ONU proporciona uma oportunidade ímpar de unir a comunidade científica internacional para dar um salto gigantesco no nosso conhecimento das profundezas do oceano.
“A nossa visão é a de que, dentro de 10 anos, qualquer decisão que possa ter impacto no mar profundo, seja de que forma for, será tomada com base num conhecimento científico sólido dos oceanos”, sublinha Kerry Howell. Mas para que isso seja alcançado, sublinha a investigadora britânica, “é necessário que haja consenso e colaboração internacional”.
Ana Hilário antevê que “a Década proporciona a oportunidade de construir um programa a longo prazo de formação e capacitação de recursos humanos em ciências do oceano”.
Com o Challenger 150, “pretendemos formar a próxima geração de biólogos do mar profundo. Vamos concentrar-nos na formação de cientistas de países em desenvolvimento, mas também de jovens cientistas de todas as nações, incluindo Portugal”.
Tal formação, acredita, “irá criar uma rede reforçada que permitirá aos países exercer plenamente o seu papel nos debates internacionais sobre a utilização dos recursos marinhos dentro e fora das suas fronteiras nacionais”.
Ana Grácio Pinto