O setor olivícola em Portugal, assim como o da vinha conheceu nas últimas décadas em Portugal, uma enorme “revolução” na forma do cultivo e do plantio da oliveira e na forma de extração do azeite. Se bem que grande parte do país ainda tenha os olivais, na forma tradicional que sempre os conhecemos, hoje há hectares e hectares de novos olivais de exploração intensiva e semi intensiva, plantados em linha, com oliveiras muito mais pequenas, mais parecendo uma “parede de arbustos” e cujo fruto- a azeitona é colida por máquinas automáticas que também são utilizadas na apanha das uvas. Só assim se consegue produções maiores, menor custo e azeite a melhor preço e quantidade. Porém todos falam que o azeite “à moda antiga” extraido por prensagem era diferente, muito melhor e a geração dos anos 40-50 e 60 ainda se lembra do velho lagar e “entrizou” o lagar de tempos idos, em que existia quase um por aldeia. As linhas continuas de centrifugação ainda não eram conhecidas e o lagar de prensas e “ceiras” prensas essas fabricadas na Metalurgica Duarte Ferreira do Tramagal, vieram substituir os outros lagares de varas e de rodas que eram movimentadas pela força das águas ou por animais. Sinais da história do progresso.
Fomos à procura de uma reportagem que focasse o lagar à moda antiga e no Jornal de Abrantes, descobrimos, que numa terra famosa em tempos pelos mestres lagareiros e que tem a oliveira mais antiga do país, ainda há lagares a laborar à moda antiga.
Refere a reportagem, em que transcrevemos alguns excertos “Em Mouriscas, como em tantas outras aldeias da nossa região centro, o ano teve condições meteorológicas madrastas para a frutificação da azeitona. “Pouca e dessa pouca há muita mirrada”, explica um dos produtores que aguarda, pacientemente, pelo seu momento de descarregar a produção. Noutros anos eram famílias inteiras que andavam na lufa-lufa da apanha da azeitona. E ali, à volta do “dia de Todos os Santos” vinham os familiares das cidades ajudar. Este ano, nem isso. Primeiro porque esse fim de semana, de 31 de outubro e 1 de novembro, tinha regras claras emanadas pelo estado de calamidade nacional, com a proibição de circular entre concelhos. Depois porque a própria azeitona é em pouca quantidade.
E ali, na fila, fala-se deste ou daquele que até tem uma, ou outra propriedade com oliveiras mais carregadas de fruto. Mas são poucos esses casos.
À medida que chegamos perto do cais de descarga percebe-se que a própria direção da Cooperativa de Olivicultores de Mouriscas (COAGRIOLIMO) vem “espreitar” as quantidades que estão a entrar.
Evaristo Valente, o presidente da direção explica que o ano é mesmo muito fraco. “Em 13 dias de lagar moemos 50 toneladas. O ano passado em 13 dias já tínhamos moído mais de 120 toneladas”. E estes números, médios, não irão melhorar, pois, os homens da terra e que também têm as suas propriedades sabem bem como estão as árvores.
Um dos mais jovens que aguarda a sua vez para pesar a colheita diz “este ano está feito. Foi isto [e aponta para meia dúzia de sacos numa carrinha de caixa aberta]”.
No cais o trabalho é simples. Descarregar os sacos para a balança onde uma funcionária [dos cinco do lagar em 2020] regista o peso para depois passar a fatura para pagamento do serviço. Depois de pesados os olivicultores despejam a azeitona num tapete rolante que a vai encaminhar para a tulha respetiva.
“Nós aqui não fazemos maquia no serviço. Pagam a ‘moenga’ a nove cêntimos e meio o quilo e depois levam o azeite todo. Ainda há quem trabalhe com maquia e cobre um valor mais baixo pelo serviço”, diz Evaristo Valente, explicando que a maquia é uma fórmula que existia para pagamento do serviço. O olivicultor deixava a azeitona e o lagar cobrava uma percentagem da produção do azeite. Ou seja, se um olivicultor tinha uma produção de 100 litros de azeite e a maquia fosse a 15%, 15 litros do azeite ficavam no lagar, que depois o vendia. Hoje, na COAGRIOLIMO não é assim. O olivicultor paga o serviço e leva o azeite na totalidade.
Voltamos ao processo, enquanto alguns olivicultores perguntam pelas fundas, se já se sabe a funda deste ano. Evaristo Valente diz que não. Explica que só moeram uma tulha e que a meio da semana (4 ou 5 de novembro) se iria saber a funda.
A funda é a produção. “É uma regra de três simples. Uma tulha tem, mais ou menos, 20 toneladas. Depois de ser moída, o azeite é apurado e pesado. Normalmente a funda anda ali pelos 12%. Quer isto dizer que por cada 100 quilos de azeitona há um resultado final de 12 quilos de azeite”, explica o presidente da COAGRIOLIMO e acrescenta [no meio de uns risos] “a malta fala mais em litros. Um litro de azeite são 916 gramas. Não chega a um quilo”.
Explicada a funda, descemos umas escadas entre as tulhas e o escritório. Entramos na zona mecânica onde o mestre do lagar Rui Silva explica os processos.
Depois de fechada uma tulha, um depósito que armazena cerca de 20 toneladas de azeitona limpa, o fruto da oliveira passa por uma máquina de lavagem. Depois de passada por água entra num tubo em espiral que a transporta para as mós.
Este é um lagar tradicional, ainda trabalha com as mós cónicas, com capachos e prensas. As mós são umas pedras cónicas que pesam 1.200 quilos cada uma. “Esmagam a azeitona, não a trituram como outros moinhos que existem”, explica Evaristo Valente que diz ser esse um dos segredos para ter um azeite mais tradicional, mais encorpado. Para colocar as mós a “circular” o responsável diz que o motor nem é grande. “Tem dez cavalos. Não é muito grande”. Mas o sistema tem depois uma caixa redutora que transforma a potência em força. E esse é um dos problemas destes lagares. Se há uma avaria as soluções não abundam no mercado. Em 2019 uma avaria nesta caixa levou a que o lagar estivesse parado uns dias. É por ali que há uma das maiores atenções.
Voltando ao processo de moagem. Depois de a azeitona estar bem moída cria uma massa que é, através de um outro processo já mecanizado, espalhada nos capachos. Dois dos funcionários fazem esse trabalho. Capacho, massa, capacho massa. Desta forma até atingir o limite de altura.
O carrinho onde está esta “torre” que já “geme” uma água gordurosa só com o próprio peso é depois “encaixado” na prensa. E, lentamente, é apertado por forma a permitir que a massa liberte todos os líquidos que caem para as “tarefas”, uns depósitos que os acumulam.
Cada prensa demora um par de horas até comprimir, na pressão certa, os capachos. Assim que está concluído este processo os carrinhos passam para uma outra zona onde os capachos passam por uma outra máquina que lhes retira o bagaço, ou a massa seca da azeitona.
Esse bagaço é, normalmente, vendido para reaproveitamento ou para reutilização. Quer isto dizer que há empresas que ainda refinam a massa seca para poder extrair algum “óleo” que não foi totalmente retirado nas prensas.
Voltamos novamente ao lagar, e descemos mais uns degraus para encontrar o mestre Rui Silva de volta dos depósitos que está junto das prensas. “Aqui vem ter o líquido todo. O sumo da azeitona. Depois, num processo natural, o azeite [mais leve que a água] fica por cima e a água por baixo”. Rui Silva, com a mestria que tem, vai abrindo as torneiras destes depósitos para vazar as águas ruças, ou seja, águas com oleosidade que haverão depois de ter tratadas antes de voltarem aos circuitos naturais.
Este é um processo normal nestes lagares tradicionais. Há uma espécie de decantação do azeite. Num dos modernos, no final da linha sai o azeite por uma torneira e a água por outra. Aqui não, é um processo mais manual e que requer por isso a presença do mestre. É ele que vai vazando a água das tarefas até ficar o azeite.
Quando se fala em maior acidez do azeite, Rui Silva diz que pode andar num grau, ou oito décimas. Depende muito da azeitona, da qualidade da azeitona. “Quando menos tempo estiver em tulha melhor o azeite”, explica dizendo que se vier “diretamente da colheita para o lagar, o azeite poderá ter menor acidez”. E depois salienta que a acidez tem muito a vez com o sabor do azeite. Quando maior é a acidez, mais intenso é o sabor”
Reportagem e fotos: Jerónimo Belo Jorge
Pode ler a reportagem na integra no site do jornal
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