Estamos na reta final do mês de Novembro, ou seja, em pleno início da temporada da apanha da azeitona, não obstante, muitas pessoas já terem iniciado essa faina no mês anterior.
Os tempos e as vontades alteram-se e as condições meteorológicas, também. Por isso, salvo as baixas temperaturas noturnas, o tempo que se faz sentir quase não parece de azeitona.
Dias de céu limpo, sol brilhante, oliveiras com pouca humidade, terra/piso seco. Não vão longe os anos em que esta faina era realizada com dias cinzentos, frios, tantas vezes chuvosos, com vento, ou persistente e incomodativo nevoeiro.
As oliveiras, enfeitadas de gelo, que, tal como as azeitonas, também caía nas lonas, pareciam árvores de Natal. Guardo, comigo, recordações dessas épocas difíceis, que implicavam grandes sacrifícios, determinação e valentias laborais, bem diferentes dos atuais.
Lembro, porque o vivi, o tempo em que as pessoas se levantavam cedíssimo, para prepararem a logística para a labuta diária, da apanha da azeitona. Era um ritual a que quase ninguém escapava, no mundo rural.
As donas de casa, além da preparação da merenda para meio-dia, iniciavam a jornada com a confeção do chamado “almoço”, cuja refeição era degustada mesmo antes de ir para os olivais.
Ainda de noite, a raiar o amanhecer, lá iam os ranchos como lhe chamavam, homens e mulheres, fazer frente às agruras invernosas e às condicionantes da vestimenta e do equipamento.
Colocavam-se as albardas nos jumentos ou jungiam-se as juntas de vacas, bois, machos ou burros, que, vagarosamente, puxavam os carros, onde transportavam as sacas e lonas/mantas de serapilheira, tantas vezes “ensopadas” de gelo ou água, juntamente com as varas, a pá de atirar a azeitona para a limpar, a merenda, ou mesmo alguma lenha seca para acender a fogueira, sempre presente para aquecer a gente.
É que o frio era de rachar e a azeitona gelada, que caída fora das mantas, era, à mão, religiosamente apanhada, sobretudo pelas mulheres.
Períodos difíceis, que só quem os viveu e sentiu, os compreende. Sendo certo que, tendo oliveiras e tratando-as a preceito, o que me ‘obriga’ à apanha da azeitona, não omito que, mesmo gostando de recordar positivamente passado, suporte de muito cidadão diplomado, desta atividade na minha adolescência/juventude, resta-me a lembrança, mas não as saudades. Porque eram, na verdade, inúmeros os frios e muitas as dificuldades.
Se havia uma colheita penosa, realizada num contexto difícil, adverso, era a da azeitona. Por isso, não me inibo de dizer que só tem argumentos para dar o devido valor ao azeite de qualidade, que chega às nossas mesas, quem viveu/sentiu esses difíceis labores.
Ou mesmo, agora, quando as condições meteorológicas não são favoráveis e os processos da vara ainda se exercem. Isto para não falar do tratamento do olival, como, por exemplo, a limpa/poda das oliveiras.
Ainda bem que tudo evoluiu favoravelmente. Melhoraram significativamente os processos mecânicos de vareja, de recolha da azeitona e até extração do azeite. Tudo é significativamente diferente. Para melhor, obviamente.
Hoje em dia, uma máquina realiza com natural simplicidade a vareja, que antes ocupava muito tempo e mão-de-obra. Até a merenda, em muitos casos, foi substituída por uma refeição quente, algumas vezes já no restaurante, apressadamente.
Sendo um produto de excelência e de referência da região, importa, pois, que o nosso azeite, pela sua genuína qualidade e até pela afetividade, seja devidamente valorizado. E quando refiro azeite, é mesmo ao Azeite!…
É que não será, de forma alguma, injusto, referir que muito produto parecido que se comercializa e divulga por aí, de azeite terá pouco, ou seja, pouco mais que o nome, que, no mínimo, deveria ser respeitado.
Nuno Pires