O número de pedidos de ajuda feitos à Rede de Emergência Alimentar voltou a aumentar em setembro, ultrapassando os 30 por dia. E a presidente do Banco Alimentar contra a Fome (BA) alerta para o risco de uma rutura social.
Em entrevista à agência Lusa, por ocasião do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala a 17 de outubro, Isabel Jonet adiantou que a Rede de Emergência Alimentar, criada em março para dar resposta aos pedidos de ajuda na sequência da pandemia, voltou a registar um aumento de procura.
“Desde a última semana de setembro vemos que há outra vez um agravamento no número de pedidos de apoio, seja porque as pessoas voltaram a ficar sem emprego, porque trabalhavam no setor da restauração, hotelaria, mais ligado ao turismo, seja porque a situação de lay-off prolongou-se e muitas pessoas continuam em casa sem poder regressar ao emprego e ter um salário inteiro”, revelou Isabel Jonet.
O número diário de pedidos de ajuda está ainda muito longe dos que chegavam todos os dias no início do estado de emergência às linhas telefónicas do ‘call-center’ criado propositadamente para atender todas as pessoas que ligavam “desesperadas” porque “de repente ficaram sem qualquer remuneração e foram atiradas para uma situação de pobreza”.
Os dados recolhidos através da Rede de Emergência, criada a 19 de março, mostram que logo a seguir ao fecho da economia, entre final de março e abril, chegavam cerca de 350 pedidos de ajuda por dia, o que representou um acréscimo de cerca de 60 mil pessoas em relação às 380 mil apoiadas pelos 21 Bancos Alimentares de todo o país antes da pandemia, através de 2.600 instituições sociais.
Pedidos aumentaram este mês
De acordo com Isabel Jonet, esse número depois abranda em julho e agosto, e reduz para uma média de 30 a 35 pedidos de ajuda por dia, “quando abriu um pouco o turismo e voltou a haver oxigénio”, número que em setembro começa novamente a aumentar, com dias a registar 40 ou 45 pedidos.
No mês de outubro, a média tem sido de 31 pedidos de ajuda por dia, mas na última semana, por exemplo, houve dias em que chegaram 55 pedidos no mesmo dia. “Ontem (terça-feira), por exemplo, foram 49”, acrescentou a presidente do BA.
Isabel Jonet lembrou que a covid-19 “teve um impacto social muito grande porque trouxe para uma situação de pobreza pessoas que normalmente não estavam habituadas a encontrar-se nesta situação”, já que “tinham uma vida equilibrada e ganhavam o suficiente para fazer face às suas despesas, mas de repente ficaram sem qualquer remuneração e foram atiradas para uma situação de pobreza”.
Do total de pessoas que até agora pediu ajuda através da Rede de Emergência Alimentar, 82,6% são mulheres, a maioria (77,5%) com idades entre os 31 e os 65 anos.
Por outro lado, uma análise à situação socioeconómica mostra que 50,48% das pessoas que pedem ajuda estão desempregadas, mas há também quem esteja a trabalhar a tempo inteiro (12,47%) ou faça só uns biscates (10,55%).
Quem pede ajuda tem pessoas a cargo e em 52% dos casos estão em causa famílias com crianças até aos 12 anos.
“Estamos a ver duas coisas: aumentam os pedidos porque muitas pessoas continuam sem trabalhar, mas depois porque o oxigénio que veio com o verão foi-se, o turismo interno acabou-se e algum fôlego que veio com o verão acabou-se”, apontou Isabel Jonet.
Acautelar casos na classe média
Isabel Jonet diz ter ficado surpreendida com a resiliência das famílias, apontando que poderia ter havido uma “revolta total”, e que tudo isso tem de ser um exemplo quando se fala de pessoas que “ficaram com a vida virada do avesso e foram confrontadas com uma realidade que desconheciam em absoluto”.
“Tem de se acautelar que não há ruturas sociais porque quando se prolongam situações sem nenhum farol à vista, as pessoas podem atingir estágios de desespero, sobretudo quando temos famílias com crianças que todos os dias têm de enfrentar grandes dificuldades”, alertou.
A presidente do BA diz que o pacote de medidas previsto no Orçamento do Estado para 2021 “é muito bom”, mas visa sobretudo as pessoas com os rendimentos mais baixos, quando há pessoas de classe média cujos rendimentos atuais “não chegam nem para fazer face a metade das despesas habituais”.
“Estas pessoas aguentam durante um tempo, mas não é expectável que possam aceitar passivamente durante muito mais tempo”, alertou.
E alerta que estas pessoas cairão naquilo a que se chama de pobreza conjuntural, por oposição à pobreza estrutural que afeta cerca de 19% da população portuguesa, em especial pessoas com pensões de reforma baixas, com deficiência ou baixas qualificações.
A Rede de Emergência Alimentar é uma resposta de emergência que foi criada num tempo limitado – até estar ultrapassada a situação de emergência provocada pela Covid que o país vive.
Visa permitir levar alimento a quem dele precisa e apoiar “quem tem baixos recursos económicos e não tenha capacidade de suportar o custo de alimentação que habitualmente é entregue pelas respostas sociais”, informa-se na página da Rede na internet.
Foi estruturada pela ENTRAJUDA, em parceria com os Bancos Alimentares aderentes e está assente nas Instituições de Solidariedade Social, nas Juntas de Freguesia e outras entidades que prestam apoio.