A GRANDE AVENTURA DA KIKA E DA KOA
O primeiro foi um mês de ajustes, de conduções curtas e vagarosas, de leituras ao pôr-do-sol, de dormir ao barulho da chuva e do vento, de corridas matinais pelos trilhos junto ao mar ou junto dos lagos, de vistas maravilhosas no meu escritório ambulante, de duches rápidos nas brechas de sol e de passeios infinitos.
Precisei de algum tempo para me ajustar a uma nova rotina e de perceber a melhor dinâmica entre trabalhar, viajar e aproveitar os sítios por onde passo. Porque manter uma rotina na estrada é bem mais difícil do que aparenta. Todas as tarefas que em casa são tão simples, na carrinha não só envolvem mais tempo, como também envolvem alguma coordenação, principalmente porque algumas delas estão tão dependentes de factores externos.
Daí em diante, dedicamos os nossos dias a aproveitar ao máximo os longos dias de verão suecos enquanto seguíamos rumo ao Círculo Polar Ártico. Deixamos de ver a noite chegar vendo a claridade dos dias alongar-se noite dentro e observamos as estradas ficarem cada vez mais vazias enquanto faziam a ligação entre as vilas cada vez mais dispersas.
tempo de desafios sem fim
Foram dias de uma felicidade e de uma liberdade imensa, estava finalmente a chegar onde tantas vezes tinha sonhado estar e o meu coração transbordava de alegria. Contudo, não tardaram a chegar os desafios que teimaram em testar a minha resiliência.
Tudo começou no dia em que fiquei sem gás pela primeira vez e fui surpreendida pela notícia de que na Suécia já não têm as mesmas botijas que o resto da europa (e que a minha portanto). Teria então que encontrar algum lugar onde enchessem a que tenho, ou comprar uma botija sueca, o que não me fazia muito sentido a longo prazo.
Digamos que a situação ainda se tornou mais desafiante uma vez que tudo se sucedeu junto a um dos feriados nacionais mais importantes da Suécia, o midsommar, onde eles festejam o dia mais longo do ano a refrescar-se nos lagos e a conviver noite fora.
Não tive outra opção se não esperar pelo fim do fim-de-semana prolongado para resolver a situação e portanto, até lá, decidi render-me à cozinha no fogo. E que maravilha! Nunca pensei que os cozinhados numa fogueira tornassem as refeições tão deliciosas! Sem dúvida que este desafio que me foi colocado me trouxe experiências incríveis, sendo umas mais divertidas que outras, porque também me apresentou o desafio número dois.
o sossego que não chega
Em busca de um lugar sossegado para cozinhar e aproveitar aqueles dias quentes de verão acabei por seguir um caminho de terra batida errado e fiquei com a carrinha atolada na lama, consideravelmente longe de uma vila e a vários quilómetros de onde poderia encontrar pessoas. No entanto, logo no início da minha procura por ajuda, (e após meia hora a tentar tirar a carrinha daquela bagunça sozinha), tive a sorte de encontrar um carro com um casal muito prestável, que não só me tentou ajudar a retirar a carrinha, como também me levou até à vila mais próxima quando percebemos que o carro deles não tinha força suficiente para o fazer. Incansáveis, só seguiram o seu caminho quando encontramos na vila pessoas de uma amabilidade impressionante e com um trator para me retirar a carrinha daquele sarilho. Felizmente, passadas algumas horas tudo estava resolvido e tive ainda a oportunidade de celebrar o final desse dia no sítio certo, onde devia ter ido parar logo à primeira, com um mergulho no lago e uma refeição cozinhada no fogo na companhia do pôr-do-sol.
sempre mais um desafio
E quando eu achava que os desafios tinham terminado, surge o desafio número três. O meu painel solar deixou de funcionar. Eu não queria acreditar! Um painel solar com menos de um ano de uso e sem marcas visíveis de danos não funcionava mais. Ninguém percebeu muito bem como ou porquê, mas a verdade é que precisei de um novo painel para continuar a gerar a minha própria energia e a usufruir da estadia nos locais mais remotos, como eu tanto gosto.
Digamos que o maior desafio no fim nem é bem o que acontece, mas sim a luta pela busca dos serviços e ajuda de que necessito e o tempo que se esgota nesse processo, porque uma vez que qualquer pesquisa no google se torna demasiado complexa quando tem que se perceber sueco, só nos resta parar de ponto em ponto e ficar à mercê da sabedoria dos locais.
Mas no fim de contas o lado positivo destes desafios é também esse mesmo. Levam-me sempre mais perto das pessoas, e sinto-me sempre uma felizarda, porque no meu caminho sempre encontro as pessoas certas, que têm o maior gosto em ajudar e em fazer-me seguir o meu rumo.
Uma vez terminados os desafios atravessamos finalmente o Círculo Polar Ártico, seguindo rumo às montanhas!