Vaticano começou a investigar ex-padre acusado de abusos em Timor-Leste em 2016

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O ex-padre norte-americano acusado de abuso de crianças e pornografia infantil em Timor-Leste começou a ser investigado em setembro de 2016 pelo Vaticano, mas só foi afastado do local onde alegadamente cometeu os crimes três anos depois. Documentos a que a Lusa teve acesso mostram que a Congregação da Doutrina da Fé, do Vaticano, esteve a investigar o caso que envolve o ex-padre Richard Daschbach entre setembro de 2016 e outubro de 2018, altura em que decretou a sua “punição vitalícia” e expulsão do sacerdócio.

Os documentos indiciam que a investigação terá começado ainda antes, já que a data de setembro de 2016 é a que marca a entrada na Congregação da Doutrina da Fé de um primeiro relatório sobre o caso.

As datas estão referenciadas num documento marcado como confidencial, datado de 06 de novembro de 2018, em que se confirma o início da investigação e a decisão de expulsão do padre que permaneceu, porém, até ao ano passado com acesso ao orfanato onde trabalhava, o Topu Honis.

Assinado por Paulos Budi Kleden, Superior Geral da Sociedade do Verbo Divino (congregação a que o ex-padre pertencia, o documento – marcado como processo 208/2018-67069 e obtido hoje pela Lusa – explica que a investigação no Vaticano começou em 13 de setembro de 2016.

Nessa data, “a Congregação para a Doutrina da Fé recebeu “o relatório do processo penal administrativo relativo ao reverendo padre Richard Daschbach S.V.D, acusado de crimes sexuais contra crianças”.

“Em carta datada de 15 de outubro de 2018, o procurador-geral deste instituto eclesiástico pediu permissão para punir o clérigo, neste caso com afastamento vitalício e confirmação da decisão de demitir o clérigo como membro deste instituto”, refere-se no documento.

Depois de considerar “os documentos processuais, (…) a Congregação confere-lhe o mandato para impor uma punição vitalícia a Daschbach, incluindo a expulsão do cargo espiritual”.

O texto refere que a “perda do estado clerical não acarreta a dispensa da obrigação do celibato que é concedida unicamente” pelo Papa, tendo o ex-padre que apresentar “uma súplica ao Santo Padre pedindo a graça da dispensação da obrigação do celibato”.

Em entrevista hoje à Lusa, o procurador-geral da República timorense, José da Costa Ximenes, confirmou que o processo de acusação do Ministério Público ao ex-padre norte-americano, agora concluído, envolve acusações por abuso sexual de crianças, pornografia infantil e violência doméstica.

O ex-padre Richard Daschbach, de 82 anos, está em prisão domiciliar em Díli e é acusado de abusar de pelo menos duas dezenas de crianças no orfanato onde trabalhava, o Topu Honis.

“A acusação é de crime de abusos sexuais contra menores, com agravação, de acordo com os artigos 177 e 182 do Código Penal timorense. Pedimos também uma indemnização civil de 48 mil dólares [41,15 mil euros]”, disse.

O código prevê penas máximas de 20 anos de prisão por abusos sexuais de menores de 14 anos, agravadas em um terço se as vítimas forem menores de 12 anos.

Inicialmente, Daschbach admitiu os abusos perante a Igreja e a congregação, mas terá recuado perante o Ministério Público (MP), segundo fontes judiciais.

José Ximenes explicou que, além da acusação deduzida, o MP enviou ao Tribunal Distrital do enclave de Oecusse-Ambeno, onde os crimes foram alegadamente cometidos, uma ação civil declarativa a pedir ao tribunal a extinção do orfanato Topu Honis, de acordo com decreto-lei 5/2005, sobre pessoas coletivas sem fins lucrativos.

Esse diploma prevê que as associações possam ser extintas, entre outras, caso “o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais e a sua existência se torne contrária à ordem pública, à moral e aos bons costumes”.

A PGR pediu ao tribunal de Oecusse que “passe as crianças nesse orfanato para o cuidado do Estado, nomeadamente o Ministério da Solidariedade Social”.

Questionado sobre se o MP estava a realizar investigações adicionais relacionadas com este caso, eventualmente de outras pessoas responsáveis por crimes idênticos, José Ximenes confirmou estarem a decorrer inquéritos.

José Ximenes comentou ainda um polémico relatório da Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de Díli, que “investigou” o caso, a pedido da família que tem protegido o ex-padre e de elementos ligados ao Topu Honis.

O polémico relatório, que inclui dados das alegadas vítimas, tentou desviar todas as responsabilidades do ex-padre, procurando acusar as autoridades judiciais e policiais timorenses e as organizações que têm apoiado as vítimas de “abuso sexual coletivo” por alegadamente terem realizado exames forenses e audições às vítimas.

Várias das alegadas vítimas foram colocadas em residências de proteção, normalmente usadas pela polícia e pelo sistema judicial, mas no relatório alega-se que foram “raptadas”.

Assinado pelo padre Hermínio de Fátima Gonçalvez, no relatório acusa as organizações de apoio de vítimas de serem “uma rede” que atua de forma “estruturada” com o Governo, procuradoria, setor da saúde e a polícia, escreve-se que a investigação foi “um crime organizado de exploração de crianças, de tráfico humanos e de justiça máfia”.

“Recebemos uma participação por parte da Comissão de Crianças que enviei para o gabinete central de combate à corrupção e criminalidade organizada para saber se há ou não matéria criminal neste relatório”, disse José Ximenes.

“Se houver matéria criminal vamos abrir um processo”, referiu.

Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Díli tinha ordenado a prisão preventiva de Daschbach, que recorreu da medida de coação, ficando a partir de 12 de julho em prisão domiciliária.

Um procurador da SDV, o padre Peter Dikos, confirmou que as informações apontam para que tenham sido cometidos “abusos sistemáticos de meninas de forma diária”.

“Isso ocorreu durante anos e anos”, disse Dikos, notando que “não há um caso desta dimensão” na história da organização.

Vítimas referiram já terem sido alvo de ameaças por denunciarem os abusos de Daschbach.

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