Em junho, o Turismo de Portugal lançou uma campanha que desafiava os portugueses a viajarem pelo melhor destino turístico do mundo: o seu próprio país. #TuPodes, Visita Portugal, convidava a passear pelo país eleito em 2019, e pelo terceiro ano consecutivo, como o ‘Melhor Destino do Mundo’ nos World Travel Awards, os óscares do turismo mundial. E os portugueses responderam ao apelo…
Mas a campanha lançada há pouco mais de dois meses era também uma espécie de convocatória: em tempos de uma pandemia que afetou e continua a afetar fortemente o turismo português, era altura de pedir a quem reside no país para que fizesse férias ‘dentro de portas’, privilegiando “os sons, os sabores, as paisagens, o património e os afetos de Portugal”. E, assim, contribuir de forma ativa para a retoma do setor turístico, fundamental para a economia nacional.
A campanha é materializada num filme, com a duração de quase três minutos, protagonizado por turistas de várias nacionalidades que desde Londres, Nova Iorque, Paris, Madrid e Rio de Janeiro, interpretam em português e com os seus sotaques, um dos grandes clássicos mundiais, ‘Only You’, dos The Platters.
“Os personagens do filme simbolizam os turistas internacionais, que desde as suas cidades, sonham regressar a Portugal e enquanto não o podem fazer, dirigem aos portugueses um apelo para que se deixem contagiar por essa vontade de explorar os sons, os sabores, as paisagens, o património e os afetos de Portugal”, explicava um comunicado do Turismo de Portugal.
“Visitar Portugal significa encontrar a nossa cultura, o nosso património, as nossas raízes, conhecer as diferentes regiões do país, a sua diversidade, mas também experimentar as atividades e a oferta que estão disponíveis ao longo de todo o território”, convidava ainda.
Logo no mês em que a campanha foi lançada, o setor sentiu a importância do turismo interno: em junho, permitiu uma queda da atividade turística “menos intensa” face a maio, tendo os hóspedes diminuído 82% em termos homólogos e as dormidas recuado 85,2%.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em junho, o número de hóspedes ficou nos 493,5 mil, enquanto as dormidas foram 1,1 milhões. As dormidas de residentes caíram 59,7% face ao mesmo mês de 2019 (-86,6% em maio), ainda assim muito abaixo da quebra de 96,2% das dormidas de não residentes (-98,8% em maio), referia o INE.
“Lotação esgotada” no interior Norte
A presença de turista nacionais é mais visível em determinadas regiões, com o interior a ser mais procurado.
No início deste mês, o presidente da entidade de turismo Porto e Norte de Portugal revelava que os números da procura turística na região inverteram-se, com o interior a atrair agora 80% dos turistas… maioritariamente nacionais.
“Para nós, e dadas as circunstâncias, os resultados são excelentes. Mantemos os números de 2019. Melhor não podíamos pedir”, garantia Rui Marinho, dono da 11 casas e 14 ‘bungalows’ na aldeia turística criada no lugar de Oussias, em Arcos de Valdevez, no distrito de Viana do Castelo.
Para este empresário hoteleiro, o verão de 2020 “superou, e bastante”, todas as previsões, para um setor que, “primeiro travou a fundo” e depois, a partir de maio, e com o início do desconfinamento, “acelerou, completamente a fundo”. Até final do ano, segundo Rui Marinho, as perspetivas são, igualmente, muito animadoras”. “Em setembro, até dia 15, estamos com uma taxa de ocupação de 85%, mas há ainda muitas reservas de última hora.
No Douro, desde maio que se verifica uma abertura gradual das unidades hoteleiras, restaurantes e lojas de vinho que se haviam fechado a turistas por causa da pandemia de covid-19.
A Quinta do Vallado foi umas primeiras da região a reabrir as portas. O Wine Hotel Casa do RIo, em Vila Nova de Foz Côa, abriu a 15 de maio e depois, no dia 29 desse mês, foram os 13 quartos do Wine Hotel do Vallado, no Peso da Régua. Cláudia Ferreira, diretora de turismo da Quinta do Vallado, revelou que a taxa de procura das duas unidades é de 100% para este mês de agosto e rondou os 90% em julho. Para setembro, a taxa de ocupação ronda 60%, mas, admitiu, este ano as reservas estão a ser feitas com pouca antecedência. “Embora já se comece a ver um ou outro estrangeiro, 80% é mercado nacional”, salientou.
Também dedicado ao vinho, e no interior do distrito do Porto, o Monverde – Wine Experience Hotel teve lotação esgotada para agosto, depois de um junho nos 55% e julho nos 77%, meses maioritariamente preenchidos por portugueses, alguns espanhóis e franceses.
Na propriedade de 30 hectares, que se divide entre o concelho de Amarante e Felgueiras, os hóspedes têm conseguido sentir-se “em casa fora de casa”, contou Miguel Ribeiro, diretor-geral da unidade hoteleira,
Por Albergaria-a-Velha, no distrito de Aveiro, Isabel Costa, proprietária do Vale da Silva Villas, diz que a pandemia “mudou tudo” e o espaço rural composto por oito casas de diferentes tipologias, rodeadas pela natureza, que costuma estar lotado com turistas estrangeiros, este ano, e por esta altura, está igualmente esgotado, mas por portugueses. “Na semana passada (primeira semana de agosto) recebi os primeiros alemães, tenho um casal de espanhóis e o resto são portugueses. Este é o ano tuga”, disse à Lusa Isabel Costa.
Mais portugueses no interior Centro
Também no interior Centro os empreendimentos turísticos, essencialmente de pequena e média dimensão, estão a receber mais turistas portugueses, que ficam mais noites seguidas, em busca de locais isolados e seguros face à pandemia de Covid-19. O presidente do Turismo Centro de Portugal (TCP), Pedro Machado, confirma esta tendência, sustentando-a com números: a média de noites reservadas no total das oito comunidades intermunicipais (Região de Aveiro, Viseu Dão-Lafões, Região de Coimbra, Serra da Estrela, Região de Leiria, Médio Tejo, Oeste e Beira Baixa) que integram a região de turismo do Centro “cresceu de 1,6 para 1,9”, aproximando-se das duas noites de estadia média, uma meta há muito estabelecida.
Já na rede de Aldeias de Xisto – que agrega 27 localidades, mais de metade localizada nas serras da Lousã e Açor e as restantes junto às bacias do Zêzere e Tejo/Ocreza – o diretor executivo Rui Simão diz que a diferença tem-se notado na tipificação da procura este ano: “Uma casa com piscina e churrasqueira deixou de estar disponível em junho, julho e agosto. E o alojamento deixou de ser vendido ao quarto para passar a ser vendido à casa inteira”.
Por outro lado, se até aqui predominavam as ‘escapadinhas’ de “duas ou três noites” e muitos casais, agora as Aldeias de Xisto começam a sentir alterações no tipo de reservas, desde logo por serem “mais nacionais e sobretudo famílias a procurarem um espaço amplo”, mas também na duração “que chega às cinco, seis e sete noites”, sustentou o diretor executivo.
Na rede de Aldeias Históricas de Portugal (AHP), que congrega 12 localidades de dez municípios dos distritos de Coimbra, Guarda e Castelo Branco, “na primeira semana de setembro, os alojamentos no centro de Figueira de Castelo Rodrigo já estão esgotados”, e na primeira semana de outubro os do Piodão (concelho de Arganil) também estão cheios”, assinala a diretora executiva das Aldeias Históricas de Portugal, Dalila Dias.
Para a responsável, a pandemia de Covid-19 revelou-se “uma nova oportunidade” para captar novos clientes, concretamente de classe média-alta, “muitos dos quais, habitualmente, nesta altura, viajavam para o estrangeiro e agora ficaram em Portugal”.
Interior do Alentejo ”cheio” de turistas nacionais
Outra região que viu o setor ganhar fôlego foi o interior do Alentejo, que costuma “ficar às moscas” no verão, mas este ano está “cheio”. Tudo por conta dos turistas nacionais a rumarem à região e a juntarem-se a habitantes que evitaram ir a banhos, devido à Covid-19. “As pessoas acabaram por escolher zonas livres de Covid-19 ou, pelo menos, em que os casos tenham sido poucos”, argumentou à agência Lusa Francisco Ramos, presidente da Câmara de Estremoz, um dos poucos concelhos do distrito de Évora sem registo de “qualquer caso” da doença.
Com os turismos rurais ou alojamentos locais do concelho “praticamente ou mesmo cheios” e os hotéis com muitas reservas, o autarca afiançou que os turistas querem “estar em zonas isoladas”, no interior. E “esse terá sido o princípio que terá trazido mais gente do que aquilo que era normal nesta altura do ano aqui a Estremoz”, vincou, lembrando que, nos meses de verão, o interior alentejano, apesar de ser “alvo” de turismo, fica sempre mais “despido” de gente.
A situação de Estremoz não é única e o panorama repete-se pela região fora. O presidente do Turismo do Alentejo e Ribatejo, António Ceia da Silva, mesmo sem estatísticas atuais, confirmou que o verão está a ser “ótimo”. “Uma região com as nossas características, horizonte, espaço, tranquilidade, paz, é uma zona toda ela ‘anti-covid’, independentemente dos surtos. É uma zona que claramente os turistas, nomeadamente os turistas com poder de compra, procuram nestas alturas, como sucedeu com esta pandemia”, argumentou.
Para já, com os portugueses a fazerem férias na região, sobretudo famílias, o Alentejo aumentou dois indicadores do turismo: O RevPar, ou seja, o rendimento médio por quarto, e a taxa de permanência, porque “as pessoas têm poder de compra e estão em estadias mais prolongadas” e “no mesmo hotel”, afiançou.
“Isto não quer dizer que não haja unidades que não estejam a passar por dificuldades, nomeadamente micro e pequenos empresários”, admitiu, apontando para a “grande incógnita” que espera o setor “a partir de outubro”, quando o turista nacional voltar ao trabalho e os filhos à escola. O período pós-verão também suscita dúvidas a Mónica McGuill, da rede Casas Brancas, uma entidade, com 18 anos de existência, que agrega associados no litoral alentejano e costa vicentina, com 35 unidades de alojamento rural, 12 restaurantes e oito empresas de animação turística.
“A perspetiva é que o verão corra bem, talvez até meio de setembro”, mas “nota-se uma quebra” a partir dessa altura e “não sabemos bem (como vai ser). É uma incógnita completa. Poderá haver mais ocupação aos fins de semana, mas, durante a semana, se não houver turistas estrangeiros, isso vai-se refletir”, argumentou.
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