Alexandra Valente e Mendes é deputada Federal na Câmara dos Comuns no Canadá para onde foi eleita em 2008, em 2015 e mais recentemente em 2019
Alexandra Valente e Mendes, nasceu a 3 de novembro de 1963 em Lisboa. Vive no Canadá há 42 anos, para onde emigrou a 11 de agosto de 1978. É casada e tem uma filha e dois netos. Nesta entrevista, fala do seu percursos político, da família, das ligações a Portugal e sobre a sua herança portuguesa.
Concretamente qual o cargo que desempenha e que tipo de trabalho faz no âmbito das suas funções?
Sou deputada federal na Câmara dos comuns (Parlamento bicameral do Canadá). Fui eleita pela primeira vez em 2008, perdi as eleições de 2011. Fui reeleita em Outubro de 2015 e em Outubro de 2019.
Em Dezembro de 2019 fui nomeada unanimemente como Vice-Presidente Adjunta da Câmara dos comuns.
O nosso sistema eleitoral implica que cada distrito representado por um único deputado. Significa também que uma vez eleitos, somos os representantes de todos os cidadãos da circunscrição, e não apenas dos que votaram pela nossa afiliação partidária.
O nosso trabalho local é extraordinariamente importante para os nossos constituintes. Somos invariavelmente a última porta de socorro quando somos confrontados com problemas a nível do governo federal. Numa semana normal de sessão, passamos quatro dias no Parlamento, e a sexta-feira na circunscrição. Quando o Parlamento não está em sessão (as nossas são sempre plenárias, paralelamente aos trabalhos das comissões), muito mal visto se não estamos no distrito que representamos (no meu caso vivo nele!).
Com as funções que ocupo desde Dezembro, o meu trabalho parlamentar tornou-se muito menos partidário. Há uma expectativa de imparcialidade nos ocupantes da cadeira (o termo que designa os que têm funções de presidência). Numa semana normal só entre 12 a 16 horas a presidir debates legislativos.
Houve algum momento que marcasse esta vocação?
Ainda era muito novinha quando o 25 de Abril aconteceu, nem 12 anos tinha ainda. Mas sem nunca ter percebido muito bem porquê, caí no “caldeirão do Asterix”, e nunca mais perdi esta verdadeira paixão pelo serviço público e pela ação da política.
A família tem sido um apoio ou um obstáculo no desenvolvimento da sua ação?
Seria muito dificil preservar e ter sucesso nesta escolha de vida sem o apoio da minha familia. Do meu marido, da minha filha, minha mãe e minhas irmãs, todos sempre me encorajaram nesta escolha que fiz.
No desempenho das suas funções tem contatos com a comunidade portuguesa? Como se tem modificado a comunidade ao longo dos anos?
Conquanto deputada, o meu contato com a Comunidade Portuguesa da grande região de Montreal sobretudo protocolar. Sou a única Luso-eleita no Québec a nível federal, a única mulher e, sem falsa modéstia, uma das únicas que fala português sem tropeçar.
Mas nunca fui eleita pelos Luso-canadianos na medida em que são muito poucos no distrito que represento (+/- 1000, numa população total de 105.000 habitantes).
Antes de fazer política representativa (sempre fiz política no meu trabalho, mas de outra maneira), fui professora de português na pequenina escola que tínhamos aqui em Brossard e que está fechada há seis anos por falta de alunos) e trabalhei também na Associação Portuguesa de Tradição e Cultura.
Qual a importância que na sua opinião tem a língua portuguesa no mundo?
Em termos do número de pessoas que falam português em todo o mundo, somos a quinta língua mais falada. Infelizmente, tal como em relação à gastronomia lusitana (uma das mais saborosas e saudáveis, na minha opinião), não soubemos vendê-la nem divulgá-la. Somos muito tímidos na promoção das nossas coisas, como quase tivéssemos vergonha de sermos quem somos.
Digo e sinto que há muitos anos deixei de ser Portuguesa. Sou canadiana de origem portuguesa com muita emoção e orgulho, mas não tenho praticamente laços nenhuns de cidadania cívica que me liguem a Portugal.
O que tenho, enraizado até ao mais profundo do que sou, é uma afinidade eterna com as coisas portuguesas. A sua história, a espantosa diversidade geográfica de um país pequenino, uma língua maravilhosa e rica, uma cozinha generosa em sabores e texturas, cultura que soube resistir às outras com as quais foi convivendo ao longo destes oito séculos de Portugalidade. Uma incrível capacidade de inovação e o “desenrascanço” tão próprio do povo lusitano.
E estes aspectos de Portugal (muito mais que a simples expressão de um idioma) que para mim motivam a vontade férrea de não abandonar a língua-mãe.
Acha que está tudo a ser feito o que se pode para defender a língua portuguesa?
Isto era assunto que dava pano para muitas mangas. Por respeito pelas autoridades portuguesas a quem compete a responsabilidade de promover e valorizar o português através da Diáspora, prefiro não emitir comentários.
Que influência teve a pandemia do Covid-19 no desenvolvimento do seu trabalho político?
Não houve propriamente uma influência, e apenas a obrigação de mudar drasticamente a maneira de servir os meus concidadãos tudo virtualmente e de exercer as funções parlamentares. Uma necessária reflexão, e depois a implantação, sobre a maneira de assegurar aos 338 deputados a possibilidade de participarem nos trabalhos, sem terem de estar fisicamente em Otava (o Canadá é imenso, e muitas províncias impuseram fronteiras ).
De que forma a sua vida pode constituir um exemplo para os jovens terem cada vez mais uma participação cívica e social nos países de acolhimento?
Embora eu saiba que ocupar cargos políticos pode muitas vezes ser uma maneira de inspirar as gerações que nos seguem, é preciso que para isso haja uma vontade de quem é responsável pela instrução destes jovens de lhes oferecer oportunidades de encontro e convívio com estes eleitos. Ora em oito anos de vida activa na política canadiana, nunca fui convidada por nenhuma das escolas portuguesas para ir ao encontro dos alunos. É difícil saber se os (muito) poucos jovens que seguem os meios de comunicacão portugueses locais têm alguma ideia de que há uma deputada federal de origem portuguesa.
José Manuel Duarte