Presidente do conselho regional das comunidades portuguesas na europa
Com 36 anos de idade nasceu na Bélgica e trabalha no departamento de comunicação de uma instituição
financeira. Graduado em Marketing Management pelo ISFCE de Bruxelas, bacharelato em Ciência Política pela
«Université Saint-Louis » de Bruxelas e Mestre em Ciencia Política pela « Université Libre de Bruxelles».
Filho de uma alentejana nascida em S. Cristóvão (Montemor-o-novo) que emigrou para a Bélgica no
decurso dos anos 80, aí tendo encontrado o companheiro com raízes vietnamitas e da ilha de Guadalupe.
Qual a razão de ter concorrido ao cargo de Conselheiro das Comunidades?
Para dar voz aos anseios das Comunidades Portuguesas.
O que lhe dá mais prazer? O papel que desempenha no Conselho das Comunidades Portuguesas ou como autarca em S. Gilles?
(Não sou autarca desde 2018) São dois mundos muito diferentes. As matérias ligadas às Comunidades Portuguesas, as causas que são defendidas nesse ambito são a minha grande paixão. Tornei-me numa pessoa politizada primeiramente através desse espetro. A minha experiencia na Comuna de Saint-Gilles foi muito diferente: tratávamos de variadíssimos assuntos de ordem local. Tive a sorte de partilhar os bancos do Conselho Comunal com gente altamente competente, fossem do meu próprio partido ou dos partidos da oposição, e aprendi imenso com eles. As Comunidades Portuguesas são a minha matéria de predileção na política mas a minha experiencia na Comuna de Saint-Gilles foi excecional.
Tem sido bastante crítico relativamente ao desempenho do Consulado Português na Bélgica. Quais são os principais problemas?
Não fui crítico em relação ao Consulado, nem aos funcionários. Em várias ocasiões, tive a oportunidade de esclarecê-lo mas lamentavelmente, não é a mensagem que se retém. Fui crítico em relação ao sistema de atendimento que foi instaurado, de marcações prévias, que criam uma verdadeira barreira entre o Estado português e os seus emigrantes. E esse sistema de marcações prévias foi implementado por causa das sucessivas políticas de desinvestimento que são praticadas na rede consular desde há 15 anos para trás. Não é um bom sinal que se dá aos portugueses residentes no estrangeiro quando estes devem esperar 2 ou 3 meses para resolver assuntos administrativos, por vezes graves ou urgentes. E esse contexto não é próprio à Bélgica: em todo o mundo se registam idênticas dificuldades, ou piores. Considero primordial que se crie uma relação positiva e de confiança entre o Estado português e o seus emigrantes. Os Consulados são a porta mais próxima de Portugal que temos no estrangeiro. Criar uma relação sã é fortalecer a união e o espírito de cooperação entre ambas as partes, e consequentemente, aproveitar muito melhor o enorme potencial da Diáspora em setores que vão da cultura à economia, da política à ciência. No final, o que é preciso, é termos uma imagem positiva enquanto emigrantes da administração pública portuguesa, é sentirmos que Portugal nos abre os braços, não que nos vire as costas.
O que fez e o que ficou por fazer no CCP?
O recenseamento automático, a implementação do voto misto nas legislativas, o voto por correspondência com porte pago e a possibilidade de haver candidatos bi-nacionais nos círculos da emigração foram grandes vitórias do CCP e de todos aqueles que lutam por estas causas há décadas. Temos hoje uma Democracia que corresponde mais à realidade porque tem mais a emigração em consideração. Portugal convidou os seus emigrantes a fazerem parte da Democracia nacional e estes responderam com um número de votos que foi multiplicado por 6. Praticamente o mesmo número de votantes que houve no círculo eleitoral do Algarve que elege 9 deputados. O próximo passo será eliminar as últimas barreiras democráticas a uma justa representação das Comunidades Portuguesas no seio do Parlamento com o aumento, segundo o princípio de isonomia, do número de deputados eleitos pelos círculos da emigração. Mas pendem outras questões como a uniformização dos métodos de votação em todos os atos eleitorais, com um sistema de voto misto, à imagem do que acontece nas legislativas, que deverá ser completado com o voto eletrónico descentralizado, que tanto faz falta a uma plena participação eleitoral das nossas Comunidades.
Qual a sua opinião do CCP como órgão de aconselhamento? Tem cumprido o seu papel?
Temos feito pelo melhor. É preciso ter noção de que assumimos os nossos cargos a par de uma vida pessoal e profissional. Também concordo que se pode fazer sempre mais e melhor. Mas creio que até agora, o balanço desta legislatura é bastante positivo.
Sempre se manifestou contra o pagamento de uma propina para a aprendizagem do português no estrangeiro. Continua a pensar assim?
É um dos 4 pontos defendidos na petição Português para Todos, da qual sou primeiro subscritor. De todas as medidas negativas que foram tomadas nos últimos anos na área das Comunidades, esta foi, para mim, a mais grave de todas. Foi anunciada há 8 anos mas é como se tivesse sido ontem, e continuo com a mesma força de vontade de fazer tudo o que estiver ao meu alcance, com o indispensável apoio de todos que partilham da mesma opinião, para reverter uma injustiça e uma afronta que é feita aos emigrantes e aos seus descendentes há quase uma década. Mas esse é apenas um de quatro pontos que estão na petição e os outros não são menos importantes: defendemos que as crianças portuguesas e luso-descendentes tenham acesso a um ensino de português no estrangeiro que promova uma efetiva ligação com Portugal, com a sua história e a cultura portuguesa de modo geral. Esse ensino deve se enquadrar a um público luso-descendente que não é, de todo, um público estrangeiro, razão pela qual defende-se na petição que o EPE para crianças portuguesas e luso-descendentes deveria ter a sua tutela no Ministério da Educação, com um ensino de português como língua materna ou de herança (desde que esta vertente não seja, na prática, sinónimo de língua estrangeira). O EPE para estrangeiros poderá ficar com a mesma tutela, no Instituto Camões, perfeitamente adequada para assuntos ligados à divulgação da língua portuguesa no estrangeiro para estrangeiros. Mais uma vez, considero que é estrategicamente fundamental que Portugal tenha políticas de emigração que estejam do lado dos seus emigrantes. Tenho a profunda convicção que Portugal e todos os portugueses teriam muito a ganhar se conseguÍssemos vincar essa relação de confiança e aliança.
Na sua opinião o que podia (devia) ser feito para melhorar o ensino do português na Bélgica?
Em termos de políticas de ensino de português no estrangeiro a nível global, já respondi na anterior pergunta. Quanto à particularidade local do EPE na Bélgica, estou plenamente satisfeito com o trabalho realizado pelos professores, pelo Coordenador do EPE no Benelux e pela Coordenadora adjunta que está na Bélgica. Neste meu mandato, tivemos a oportunidade de colaborar no âmbito do programa “Parlamento do Jovens”, colaboração que correu lindamente e que resultou na eleição de um deputado pela Bélgica. Um momento memorável.
Apesar de achar a comunidade portuguesa bem integrada na Bélgica considera a integração cultural ainda insuficiente. Quer explicar melhor o seu ponto de vista?
Fico sempre contente quando um cidadão belga elogia a Comunidade portuguesa dizendo que é trabalhadora e que «não dá problemas ». A integração económica da nossa Comunidade é sem dúvida uma grande mais valia. Também fico feliz por saber que não somos vistos como um problema por não darmos nas vistas mas observo também uma falta de participação e de integração da nossa Comunidade na sociedade civil belga. Cruzo-me com muitos compatriotas que têm 40 anos de Bélgica e que só arranham um pouco de francês ou de neerlandês. Além de uma boa integração económica no país de acolhimento, é também importante aprendermos as línguas do país para posteriormente, conhecermos melhor a sociedade civil na qual estamos inseridos, o sistema político, etc. Gostarmos de Portugal, dos nossos costumes e da nossa Comunidade, é bom. Mas também faz falta estarmos mais abertos ao país que nos acolhe. Não é compreensível, por exemplo, que tenhamos uma participação eleitoral nas eleições autárquicas belgas que seja tão baixa. Não é positivo para a nossa imagem e creio que teríamos muito mais a ganhar humanamente com uma maior abertura e participação na sociedade civil de residência.
Foi eleito Presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa por unanimidade. Qual o significado que essa eleição teve para si?
Encarei essa eleição com alto sentido de responsabilidade. À imagem do que aconteceu com os meus eleitores na Bélgica em 2008 e 2015, tentarei responder à confiança que me foi depositada pelos meus colegas Conselheiros com dedicação e seriedade.
Se no desempenho do seu novo cargo tivesse de interagir com qualquer deputado da Assembleia da República hesitaria em fazê-lo?
Se estiver a referir-se ao assunto que levou à demissão da ex-Presidenta do CRCPE, diria que a ideia ainda está a amadurecer e que tenho algum tempo para pensar nisso antes da próxima reunião do nosso Conselho Regional, momento em que potencialmente, teria que me confrontar a essa situação. É um debate complexo, que já foi amplamente falado dentro do CRCPE (e fora também) mas considero que ainda não tenho uma posição definida sobre a questão.
Qual importância tem em seu entender a imprensa escrita em português para a comunidade portuguesa na Bélgica?
Concluo esta entrevista pegando na primeira resposta que dei. Como é que poderia dar voz aos anseios das Comunidades sem a Imprensa Nacional e das Comunidades? Se não fosse através da imprensa, como é que conseguiríamos levar para debate público os assuntos que nos são tão caros enquanto emigrantes ? Muito provavelmente que não teríamos alcançado muitas das vitórias que obtivemos nos últimos anos. Por isso, só podemos agradecer o precioso serviço que é prestado pela imprensa escrita e a título pessoal, agradeço as inúmeras vezes que o Mundo Português acompanhou, desde 2008, as minhas iniciativas no sentido de dar voz às nossas Comunidades. Há 50 anos que o Mundo Português presta este serviço e espero que continuem, pelo menos, por mais 50!