As ligações ferroviárias tornaram-se, durante boa parte no século passado, um dos fatores de promoção do desenvolvimento de muitas regiões, sobretudo no interior profundo. Com maior ou menos grau de eficiência, capacidade ou velocidade, eram, afinal, as locomotivas a vapor ou gasóleo os únicos meios de transporte de pessoas e de mercadorias, que davam resposta a populações isoladas, esquecidas ou mesmo “desterradas”.
O Nordeste Transmontano era uma das regiões que beneficiava com as ligações ferroviárias que aqui funcionavam, realizando, durante anos, um serviço social meritório.
Porém, nos anos oitenta, as opções políticas e o desenvolvimento regional, nomeadamente no que toca a este tipo de ligações entre terras e regiões, contribuíram para que o “comboio” deixasse de circular regularmente por estas paragens, sobretudo na linha do sabor, em primeiro lugar, e depois na do Tua. E nunca mais ninguém o viu fumegar, nem apitar…
As últimas máquinas – automotoras, foram “roubadas” à cidade na calada da noite, no início da década de noventa do século passado. Ficaram, apenas, duas ou três locomotivas a vapor que, juntamente com algumas carruagens antigas e outro espólio inerente ao funcionamento ferroviário, dão corpo ao Museu Ferroviário de Bragança, um espaço digno de uma visita demorada.
Por acaso, assisti a esse “assalto” coberto pelas decisões institucionais, em plena noite, sem que a manifestação de desagrado por parte dos brigantinos presentes fosse suficientemente importante para reverter a decisão. Afinal, Bragança, nesta como noutras situações de “tirania”, contava pouco para as grandes decisões do “Terreiro do Paço”. Tem poucos votos.
Com o desaparecimento definitivo das máquinas motoras, teve início o abandono da linha, onde muitos aproveitaram para se apropriarem indevidamente de muito do espólio que ficou ao luar; assistindo-se, também, ao abandono de muitas infraestruturas incluídas no sistema ferroviário. Como muitas outras, a Estação de Sendas – Bragança, foi uma delas.
A Estação de Sendas foi, noutros tempos, uma da mais conhecidas e movimentadas da região nordestina, não só pela localização e pelas populações que servia, mas também pelo que existia no espaço envolvente, nomeadamente uma atividade comercial dinâmica e ativa, onde se incluía o antigo celeiro.
Quando eu era jovem estudante, foram inúmeras as vezes em que a Estação de Sendas se tornou o ponto de entrada e saída do comboio a vapor, ou da automotora quando me deslocava da aldeia para a cidade, ou vice-versa.
Era, portanto, um lugar com identidade afetiva especial, onde se viviam momentos de grande proximidade ou familiaridade, sobretudo quando o comboio vinha atrasado, o que acontecia frequentemente.
Esse tempo de espera era ocupado em franco convívio com gente de outras localidades próximas, no Largo da Estação, na sala da bilheteria, ou mesmo no comércio do senhor Humberto Morais. Aqui, sobretudo no tempo frio, o acolhimento era sempre afável e cordial.
Na Estação lá estava o Jorge de Vila Franca, ou o Fernando de Fossas, chefes daquela infraestrutura da CP, sempre muito cordiais, iam disponibilizando os seus préstimos em função das possibilidades e das necessidades.
A Estação de Sendas era, na verdade, uma referência da região e um ponto de encontro daquela população, mesmo que não fosse exclusivamente por motivos de viagem, mas também para se fazerem compras no comércio tradicional do senhor Humberto, ou levantar encomendas, carregar o adubo que vinha de comboio, ou ainda quando se descarregava o cereal para o celeiro; e onde até se dormia à espera que este abrisse. Os tempos eram outros e a vida era organizada de forma diferente.
Como este caso há inúmeros no país, tal como acontece com as residências dos guardas florestais, ou mesmo dos cantoneiros, muitas delas bem localizadas e bem concebidas arquitetonicamente, mas que acabam paulatinamente destruídas. Algumas em centros urbanos que bem poderiam servir para alojar quem de casa necessita.
Porém, com o abandono da ligação ferroviária, tudo mudou e muita coisa se dissipou. A Estação de Sendas é um desses casos, estando hoje completamente abandonada, diria até desbaratada, de tal modo que mete dó. Uma tristeza… ver assim aquela infraestrutura, que tão importante foi para o desenvolvimento das muitas localidades que servia e para as suas gentes.
Olhando para aquele espaço e para aquelas infraestruturas perdidas, fica a ideia de que vivemos num país rico, ou então num país perdido! Como é possível deixar ao abandono casas de habitação, sanitários públicos, hangares e outras estruturas de apoios sem serem aproveitados para outros fins?!
Como este caso há inúmeros no país, tal como acontece com as residências dos guardas florestais, ou mesmo dos cantoneiros, muitas delas bem localizadas e bem concebidas arquitetonicamente, mas que acabam paulatinamente destruídas. Algumas em centros urbanos que bem poderiam servir para alojar quem de casa necessita. Não é concebível que num país com tanta falta de habitação ninguém consiga dar destino a tanta infraestrutura que acaba destruída. Mas, não menos importante, é falta de limpeza dos espaços envolventes, com o mato e a erva/feno a proliferar à volta, tornando-se, para os incêndios, um barril de pólvora à solta.
Os exemplos devem começar por cima e o estado, ou as empresas dele dependentes, não deveriam, neste e noutros casos, evidenciar inegáveis comportamentos censuráveis e negligentes.