D. João da Câmara: um Homem Bom

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Para mim, escrever sobre D. João da Câmara, é um prazer, e minha alma inunda-se de rejubilada alegria, porque era simples e humilde, como os mais humildes.
Dele, contam-se comoventes e curiosos episódios de extrema bondade. Gabriela Castelo Branco, ao entrevistar Dona Maria de Jesus, filha do dramaturgo, e sua mãe, Dona Eugenia de Melo Breyner da Câmara, in ‘Diário de Lisboa’ de 12/02/1943, asseverou emocionada: “Escutei da boca da filha do escritor, generosos gestos, do pai, de grande ternura”.
D. João da Câmara era descendente dos Lafões e Ribeira Grande, cujas raízes, mergulham no conhecido navegador, João Gonçalves Zarco, e de célebres figuras da nossa história, como D. Francisco de Almeida, Marquês de Alorna, D. Nuno Alvares Pereira, e até do Santo Duque de Gandia, S. Francisco de Borja.
D. João da Câmara, além da atividade teatral, era escritor e cronista assíduo da ‘Gazeta de Notícias’ e ‘Correio da Manhã’, ambos do Rio de Janeiro. E articulista do ‘Ocidente’, revista lisboeta que lhe deu reputação e prestigio.
Mas, quiçá, a faceta menos conhecida e merecedora de mais ser lembrada, foi a enorme bondade.
Conta, Dona Maria Emília, sua neta, que certa vez, condoído da procissão de pedinte, tirou “dos seus ombros o único capote que tinha, para o pôr nas costas de um pobre.”
E Júlio Dantas, in ‘Ilustração Portuguesa’ de 6/01/1908, lembra: “em frigidíssima noite, enquanto aguardava o elétrico, que o levaria a casa, deparou com mulher mal enroupada. Chama-a, deu-lhe o tostão, toda a riqueza naquela noite, resignadamente, docemente, num sorriso tranquilo, levantou a pala do casaco, arregaçou as calças e meteu-se à chuva, a pé, a caminho da Junqueira”.
Certa vez, narra agora Adriano Xavier Cordeiro no ‘Almanaque das Lembranças’ de 1909, ficou retido no quarto. Um dos filhos, estranhou. Interrogado o motivo, respondeu: que rapaz conhecido, fora de manhã, solicitar-lhe calçado decente. Para acudir, cedeu-lhe as botas.
E, quando o filho, replicou por que entregara as novas, que não usava, por serem apertadas, atalhou, encolhido: “Pois sim; mas ele tem o meu pé! …”
Certa ocasião, o jure do Conservatório, formado por Eduardo Shwalbach, D João da Câmara, Júlio Dantas, Carlos Malheiro Dias, Henrique Lopes Mendonça, Maximiliano de Azevedo, examinava os candidatos.
Apareceu, perante os jurados, menina pálida de pavor, de vestidinho sóbrio, que mal balbuciava palavra, tão pesado era o medo, que a tomara.
Bem insistia Schwalbach para declamar poema, mas a menina – Maria Matos, – balanceava nervosamente a saia, e de cabeça inclinada de pejo, murmurou: “Não sei…Nunca recitei…”
Abriu-se largo silencio. Entreolharam-se os examinadores.
No vão da janela, encontrava-se D. João da Câmara. Voltou-se. De sorriso bom e franco, abeirou-se de Maria Matos, e em voz amiga, sussurrou-lhe: “Diga a Avé-Maria…”
Ganhando ânimo, a menina empertigou-se, e recitou, docemente, tão compenetrada, que os presentes, em uníssono, declararam: “Estás admitida! …”

D. João da Câmara Dele, contam-se comoventes e curiosos episódios de extrema bondade. Gabriela Castelo Branco, ao entrevistar Dona Maria de Jesus, filha do dramaturgo, e sua mãe, Dona Eugenia de Melo Breyner da Câmara, in ‘Diário de Lisboa’ de 12/02/1943, asseverou emocionada: “Escutei da boca da filha do escritor, generosos gestos, do pai, de grande ternura”.

Não é, portanto, de admirar, que Maria Matos, atriz de reconhecido mérito, sempre que era assaltada pela tristeza ou sério problema angustiante, abeirava-se do jazigo do dramaturgo, e “dialogava”, pedindo-lhe conselhos.
Quem o diz, é Dona Emília da Câmara Almeida Garrett, em missiva endereçada de Castelo Branco a 28 de junho de 1910. Carta que minha querida amiga Dona Maria Eugenia da Câmara Rebello de Andrade, neta do escritor, teve a gentileza de me mostrar.
Seis dias depois de D. João da Câmara completar 55 anos, falecia no quarto contíguo em que nascera. Antes porém, despediu-se de todos, rogando que o não chorassem; e cerrando as pálpebras, rezou o Pai-Nosso, e para sempre dormiu…
Foram estas as últimas palavras, segundo o filho José:
– Quero morrer bem com Deus e com todos os meus amigos. Digam-lhes que a todos muito quis e desejo-lhes felicidade. Sempre fui muito religioso e espero que vocês o sejam e nunca tenham a cobardia de o não confessar bem alto. O homem, que não acredita em Deus, não pode ser um bom amigo. Quero, também, que mandem dizer para o Brasil, que morri com todos os sacramentos da Igreja, e que sempre fui religioso.”
Termino com palavras de Fialho de Almeida, escritas em ‘Figuras de Destaque’: “Este que caiu hoje, era um dos cinco ou seis, que ainda em Portugal, mereciam o nome de homem de letras e de artistas.

E Júlio Dantas, in ‘Ilustração Portuguesa’ de 6/01/1908, lembra: “em frigidíssima noite, enquanto aguardava o elétrico, que o levaria a casa, deparou com mulher mal enroupada. Chama-a, deu-lhe o tostão, toda a riqueza naquela noite, resignadamente, docemente, num sorriso tranquilo, levantou a pala do casaco, arregaçou as calças e meteu-se à chuva, a pé, a caminho da Junqueira”.

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