É sabido, sentido e ressabido, que ao longo da história, nomeadamente no último século, as políticas governamentais do país nos conduziram a um centralismo “desgovernado” encaminhado para a capital e, desta, para o resto do território.
Os factos e os números mostram, inequivocamente, isso mesmo. E quando se trata de se estanciar de “armas e bagagens” em áreas “alfacinhas”, muitos dos políticos oriundos do interior até esquecem as suas origens e respetivas genuínas terrinhas.
Mas, do que eu quero falar hoje é de confrangimentos, distanciamentos e confinamentos. Do período de confinamento e das causas que o motivaram já muito foi dito e escrito por inúmeras pessoas. Quanto a esse assunto, depois de variadíssima panóplia de informações, sugestões, críticas e opiniões pouco, nesta altura, haverá a acrescentar.
Todavia, se esta inesperada fase da vida humana se tornou, inevitavelmente, potenciadora de diversificadas reflexões, pena é que não promova também positivas atitudes, porque tudo vai mudar e, por isso, importará salientar uma questão imensamente falada e, por muitos políticos, heroicamente propagandeada. Refiro-me, naturalmente, à valorização do interior e ao desequilíbrio demográfico, com a maior parte da gente portuguesa, em insuficiente espaço concentrada e à beira do mar implantada.
Ora, se já naquela que era a vida normal de um país à beira-mar plantado, até há cerca de dois meses atrás, se sentiam muitas diferenças e gritantes desequilíbrios entre o litoral e o interior, concretamente entre as grandes metrópoles como Porto e Lisboa e o resto do território mais chegado à vizinha Espanha, quer parecer-me que, neste tempo de pandemia, viver e trabalhar no interior, tão mais desafogado e arejado, acabou por trazer benefícios pessoais, familiares, profissionais, e sociais.
E para provar isso mesmo, basta ter em atenção o número de pessoas que, trabalhando no litoral, se preparavam para passar o período de confinamento nas terras do interior.
Na minha opinião, que laboro e resido em Bragança, morando a pouco mais de 600 metros da instituição onde exerço a minha atividade profissional, não deixando de comparecer diariamente no exercício de funções, entendo que, além de outros fatores positivos, como por exemplo a baixa densidade populacional, os traçados rodoviários, os parques, as ruas amplas quase sem semáforos, bem como a possibilidade de ir até ao meio rural, sem violar a regras impostas pela DGS, é importante valorizar a qualidade de vida aqui existente, que também tem a ver com a questão ambiental e habitacional.
“Oxalá, este período de pandemia contribua, daqui para a frente, para a tomada de decisões, por parte responsáveis políticos que promovam a equidade em vários domínios da valorização dos territórios do interior e das suas gentes, o que pode conduzir ao descongestionamento das metrópoles do litoral, onde tudo parece um mar de rosas, mas que, na eventualidade de algo de imprevisto acontecer, como por exemplo, um agravar da pandemia, teria consequências dramáticas para inúmeros seres humanos, com prejuízos, tanto no domínio profissional, social, como no foro da saúde física e mental, comprometendo a qualidade de vida e a natural alegria” |
É que, além das áreas habitacionais serem, ao nível unifamiliar, mais abonadas e com custos muito inferiores aos praticados em Lisboa, Porto ou noutras cidades do litoral, o que se traduz por mais espaço disponível para as famílias, assim como no domínio da governação e sustentabilidade financeira, a posição de Bragança destaca-se por vários fatores: eficácia dos serviços à população, desenvolvimento económico e social, rácio de estudantes, valor acrescentado bruto das empresas, baixa taxa de desemprego e poder de compra per capita, os quais colocam esta capital distrito num lugar de vanguarda a nível nacional.
Ora, viver em Bragança ou noutras cidades, vilas ou aldeias do interior, para além dos aspetos que se prendem com a qualidade ambiental, com a proximidade e possibilidade de abastecimento de bens alimentares provenientes do meio rural, a facilidade na mobilidade, a descompressão no alojamento e serviços, bem como a construtiva interatividade ao nível da vizinhança que se caracteriza por uma tradicional afetividade e relacionamentos salutares, tornam-se fatores inibidores do confrangimento e facilitadores do confinamento e do distanciamento.
Obviamente que estas condições, apoiadas numa realidade evidente, contrastam com grandes urbes, onde uma elevada percentagem de agregados familiares está alojada em grandes estruturas habitacionais, confinados a apartamentos, muitas vezes, com dimensões reduzidas, onde os vizinhos quase não se conhecem e as relações se tornam constrangidas e, raramente, se estabelecem ligações de proximidade afetiva.
Por outro lado, até a mobilidade se torna, a vários níveis, complicada, o que de algum modo pode afetar a saúde mental.
Oxalá, este período de pandemia contribua, daqui para a frente, para a tomada de decisões, por parte responsáveis políticos que promovam a equidade em vários domínios da valorização dos territórios do interior e das suas gentes, o que pode conduzir ao descongestionamento das metrópoles do litoral, onde tudo parece um mar de rosas, mas que, na eventualidade de algo de imprevisto acontecer, como por exemplo, um agravar da pandemia, teria consequências dramáticas para inúmeros seres humanos, com prejuízos, tanto no domínio profissional, social, como no foro da saúde física e mental, comprometendo a qualidade de vida e a natural alegria.
E, depois, como diz o povo, é importante ter em conta que “muita gente junta, não se salva”.