Dor de zaragatoa nariz acima aguenta-se melhor nos lares com boa disposição

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Nos lares de idosos onde profissionais de saúde de Santa Maria da Feira vêm realizando 200 testes por dia à covid-19, ouvem-se gritos quando as zaragotas entram narina acima, mas a boa disposição depressa faz esquecer a dor.
Nesse concelho do distrito de Aveiro, a autarquia estabeleceu com o agrupamento local de centros de saúde um circuito rápido que garante diagnósticos em 24 horas após a recolha das amostras biológicas. Uma dessas colheitas decorreu no lar da Fundação Comendador Joaquim Sá Couto, que em São Paio de Oleiros acolhe cerca de 60 seniores e 30 funcionários.
No edifício, o sol que entra no átrio confere uma tonalidade quente ao cenário: num cadeirão robusto está sentado um homem, com cerca de 80 anos, que se debate com uma pseudocotonete de uns 16 centímetros a ser-lhe enfiada pelo nariz por uma figura em fato branco.


Com 87, Luísa Alves, vem à janela contar a sua experiência. Alta, de postura muito reta, confessa que começou o dia a tremer por pensar que lhe “iam meter um cano” nos ouvidos, na boca e no nariz, mas depois acalmou-se ao ver que o procedimento era simples e que o suposto tubo afinal só tinha a espessura de uma cotonete.
“Custou um bocadinho, mas já passou”, diz ela, reconhecendo que certos colegas sofreram mais: “Alguns têm bronquite, ficam assim pelo sistema nervoso, começam a gritar por nada”.
Praticamente indiferente à covid-19, o que Luísa mais vezes refere são os prazeres proporcionados pelo lar onde vive há cinco meses. “Gosto muito, muito disto. Come-se bem aqui, estou cá muito bem, p’ra mim é tudo ‘bô’!”, garante.
Nem a falta de visitas por parte dos filhos parece afetá-la. Eles bem ligam a perguntar se a mãe precisa de alguma coisa, mas ela responde: “O que eu como aqui chega bem pra mim. Não me falta nada – a não ser rebuçados da tosse, que gastei muitos”.
De outra janela, as auxiliares Filomena Couto e Sandra Gomes juntam-se à conversa. Estão equipadas com roupa de proteção, riem-se muito e argumentam que mau-humor só atrapalha, mas reconhecem que nem todos os seniores encaram a situação com a mesma ligeireza.
“Isto é muito complicado para certas pessoas”, sobretudo as que não compreendem a imposição do distanciamento social.
Quando se retomará a normalidade? Não arriscam previsões. “Isto agora está nas mãos de Deus”, defendem.
Susana Lopes também foi sujeita ao teste do SARS-CoV-2 por trabalhar no refeitório do lar e conta que a lotação desse espaço diminuiu para menos de metade do habitual e os repastos se distribuem agora por mais salas, sendo servidos apenas à entrada da copa. “Quase não temos contacto com os utentes”, revela.
Também Madalena Henriques, Ana Mota e Teresa Soares se submeteram ao rastreio, saindo depois para a rua com máscaras que não lhes inibem o riso.
Dizem que tentam manter a normalidade possível, até porque os utentes do lar só gradualmente compreendem a gravidade da pandemia: “A gente vai-lhes falando e eles vão tendo mais noção do que isto é, porque, realmente, ouvimos falar de muitos mortos, mas a gente não os vê e assim custa-lhes assimilar”.
Os seniores com mais mobilidade física têm aulas de ginástica e podem até sair do edifício “para dar uma volta cá fora”, na alameda sob a copa frondosa das árvores, mas o que surpreendeu as auxiliares do lar foi a rapidez da adesão às tecnologias digitais.
“Pensei que ia ser pior, mas tanto eles como os familiares se adaptaram muito bem às videochamadas por telefone e internet”, realça Teresa.
Aos fatos de proteção exigidos para realização dos testes à covid-19 é que as enfermeiras ainda não conseguiram adaptar-se. Após horas de serviço, Daniela Vide e Ana Rocha continuam nas suas armaduras brancas, mantêm toda a pele oculta e só dão a ver os olhos sob óculos de proteção.
“Demoramos sempre cerca de três quartos de hora para nos vestirmos assim e depois é mais meia hora para organizarmos todas as [peças a utilizar na colheita das] amostras”, diz Daniela.
Procuram que o trabalho se processe da forma “mais ágil possível”, mas, quando chegam aos lares nesses preparos invulgares, a reação nem sempre é acolhedora e obriga-as a abrandar. “Quando nos veem, os idosos ficam um pouco assustados, mas depois percebem e acaba por correr tudo bem”, conta Ana.
Se alguns dos seniores testados são mais exuberantes a manifestar desconforto, a culpa é do poder de sugestão. “As pessoas vêm com ideias predefinidas sobre o que vamos fazer – começam com ‘Ai isto dói imenso!” e depois dizem “Afinal não doeu nada” – e tudo depende da bagagem que levam para o teste”, admite Daniela.

O certo é que qualquer reação física ao percurso da zaragatoa até à faringe é sempre de risco para as enfermeiras: “Aquilo dá vontade de chorar, de espirrar, de tossir e por isso é que temos que estar o mais resguardadas possível”.
No final da colheita, predomina então o alívio. “Depois de fazerem o procedimento em si, as pessoas acabam por perceber que não custou assim tanto e ficam mais tranquilas. Saber que depois vão receber o resultado dá-lhes alguma paz”, declara Ana.
Para Emídio Sousa, presidente da Câmara da Feira e chefe da Comissão Municipal de Proteção Civil, agora que estão operacionais todos os protocolos para segurança profilática dos idosos do concelho, é tempo de preparar soluções para lhes garantir também saúde emocional.
“O isolamento já era muito difícil antes, porque há idosos cujas famílias não os visitam e quase os abandonam, mas há outros com os quais isso não acontecia e, para esses, perder o contacto com familiares e amigos cria um grande problema de solidão”, justifica o autarca.
Impõe-se, portanto, compensar essa carência e “o próximo passo é encontrar formas alternativas de eles poderem sentir que ainda fazem parte da comunidade”.

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