Continua crítica a situação em Portugal e as autoridades sanitárias vão fazendo o melhor que podem para conter um flagelo que ameaça a vida e os usos e costumes das populações. Sempre fomos um país acolhedor, mas com este medo as coisas estão a mudar e já há presidentes de Câmara do interior do país que pedem ao Presidente da República para manter fechadas as grandes cidades na Páscoa, a fim de que se evitem as deslocações para as aldeias, onde temem que a presença de forasteiros venha a provocar um aumento das infeções.
A grande questão no centro deste mini-drama é que é ao PR que compete decretar o estado de emergência, sendo ao governo a competência de implementar e fiscalizar a execução da medida.
Algumas fontes de Belém salientam que a quarentena do PR na sua própria casa, que na altura ninguém percebeu muito bem,teve precisamente como finalidade vencer a resistência de António Costa que não se teria mostrado muito entusiasmado com a declaração de estado de emergência.
No essencial, ambos os órgãos de soberania estão de acordo com as medidas, a diferença faz-se apenas na execução, com o Primeiro Ministro a ser mais brando do que pretendia o Presidente da República.
No entanto trata-se de uma matéria onde os dois poderes têm claramente de se entender, tal como nos diz o Constitucionalista Bacelar Gouveia “O chefe de Estado tem o poder para declarar o estado de emergência, mas quem tem o poder e a responsabilidade para executar é o Governo”.
Compete por isso a António Costa, liderar os acontecimentos e tomar as medidas necessárias à execução e ao “pôr em prática a suspensão efetiva dos direitos”, explicando que a “margem de manobra do executivo, é maior ou menor consoante o que foi declarado pelo Presidente da República”.
No entanto, se o Presidente da República considerar que o executivo não está a tratar da situação da forma mais adequada, pode dar sugestões ao Governo, para que este tome medidas mais fortes, ou no seu entender, mais adequadas.
“Mas dentro daquilo que está enquadrado na declaração do estado de emergência, a decisão é sempre do Governo”, ressalvou o constitucionalista, advogando que o chefe de Estado, “sozinho, não pode aumentar” os direitos que estão suspensos, carece sempre de “autorização prévia da Assembleia da República”.
Marcelo Rebelo de Sousa “pode pedir uma modificação, um alargamento dos direitos ou dos termos em que os direitos foram suspensos”, mas “ é sempre necessário autorização parlamentar” para alterar o decreto presidencial que está em vigor.
Essa alteração pode ser suscitada “em qualquer momento”: caso o Presidente da República considere “que antes de os 15 dias terminarem isso é necessário”, ou através de um prolongamento do estado de emergência e “aumentando os direitos suspensos”, indicou Jorge Bacelar Gouveia.
UMA SITUAÇÃO LIMITE
Outra forma de o Presidente “ter uma palavra a dizer” é “se o Governo fizer diplomas que dependam da sua promulgação ou da sua assinatura”, mas o professor catedrático assinala que “o Governo está a fazer despachos ministeriais que não são assinados pelo Presidente da República”, optando por resoluções do Conselho de Ministros, portarias e despachos ministeriais.
Neste quadro pode sempre pôr-se a questão do que faria Marcelo Rebelo de Sousa se esta situação fosse levada ao limite, de ser deixado sistematicamente ignorado nas decisões a tomar. Restar-lhe-ia a dissolução da Assembleia da República para vir a nomear um governo de salvação nacional, mas esta hipótese é de imediato afastada pelo constitucionalista ao afirmar que a lógica do estado de emergência é sempre uma lógica de manter o funcionamento dos vários órgãos de soberania, e que na pendência do estado de emergência não pode haver dissolução do parlamento.
Questionado sobre a possibilidade de um governo de salvação nacional, Bacelar Gouveia afastou esta solução, apontando que “a lógica do estado de emergência é sempre uma lógica de manter o funcionamento dos vários órgãos de soberania” e que “na pendência do estado de emergência não pode haver dissolução do parlamento”.
Na sua opinião, este “cenário nunca propiciará um governo de salvação nacional”, porque o atual executivo “está estável” e “conseguiu apoio na declaração do estado de emergência”, que foi aprovada na Assembleia da República por larga maioria, não tendo contado com votos contra.
O especialista observou ainda que, se a pandemia de covid-19 tivesse levado à declaração do estado de sítio, “o Presidente da República teria muito mais poder”, porque “há militarização da administração pública”, e o chefe de Estado é também comandante Supremo das Forças Armadas.