O investigador Daniel Fernandes é o principal autor de um estudo internacional que apresenta novas descobertas sobre a história genética das ilhas do Mediterrâneo.
O estudo, que foi publicado na revista Nature Ecology & Evolution, mostra “que as migrações marítimas do norte de África começaram muito antes da era das civilizações marítimas do Mediterrâneo oriental e, além disso, ocorriam em várias partes do Mediterrâneo”, revela uma nota da pela universidade de Coimbra, enviada ao ‘Mundo Português’.
O investigador português do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e do Departamento de Antropologia Evolutiva da Universidade de Viena (Áustria) refere que o mar Mediterrâneo tem sido uma rota importante para migrações marítimas e foi palco de frequentes trocas comerciais e invasões durante a pré-história, porém a história genética das ilhas do Mediterrâneo “não está bem documentada, apesar dos recentes desenvolvimentos no estudo de ADN antigo”.
“Por exemplo, vimos que a expansão comercial da civilização micénica em direção ao oeste durante o Bronze Médio incluiu também eventos de imigração para a Sicília. Também identificámos movimentos de indivíduos provavelmente originários da Península Ibérica para a Sicília, levando consigo uma nova ancestralidade, com origem na estepe pôntico-cáspia (acima do Mar Morto), que poucos séculos antes por sua vez tinha sido introduzida na Península Ibérica por populações do centro da Europa”, explica o investigador citado na nota da UC.
O estudo envolveu mais de meia centena de cientistas das universidades de Viena (Áustria), Harvard (EUA) e Florença (Itália) e preenche as lacunas existentes, já que é o maior estudo até hoje da história genética de populações antigas da Sicília, Sardenha e ilhas Baleares, aumentando a análise do número de indivíduos de cinco para 66.
Migrações marítimas existiam na pré-história
Os resultados revelam um padrão complexo de imigração da África, Ásia e Europa, variando em trajeto e época para cada uma dessas ilhas, indica a UC.
Para David Reich, coautor sénior da Universidade de Harvard e também investigador no Broad Institute do MIT, “uma das descobertas mais impressionantes (do estudo) foi sobre a chegada de ascendentes das estepes do norte dos mares Negro e Cáspio a algumas ilhas do Mediterrâneo. Embora a origem definitiva dessa ascendência tenha sido a Europa oriental, nas ilhas do Mediterrâneo a mesma chegou pelo menos em parte do oeste, principalmente da Península Ibérica”.
“Provavelmente foi esse o caso das ilhas Baleares, nas quais alguns habitantes iniciais tinham provavelmente pelo menos parte da sua ascendência na Ibéria”, diz Daniel Fernandes.
O investigador português explica que os movimentos originários na Península podem, assim, ter influenciado a colonização das ilhas Baleares, “visto que o indivíduo mais antigo identificado na ilha de Maiorca possuía grandes quantidades desta ancestralidade”.
A história é diferente no caso da Sardenha, diz o autor principal do artigo científico. “Apesar dos intensos contactos comerciais com outros povos durante o Calcolítico (ou idade do Cobre) e a idade do Bronze, não detetámos nenhuma influência genética externa significativa, ou seja, os antigos sardenhos conservavam um perfil de ascendência neolítica predominantemente local até o final da idade do Bronze”.
A exceção foi “um indivíduo do Calcolítico com ancestralidades ligadas ao norte de África, demonstrando claramente que existiram migrações marítimas pré-históricas através do mar Mediterrâneo do norte de África para locais no sul da Europa, afetando mais de 1% dos indivíduos descritos na literatura ancestral de ADN dessa região até hoje”, observa.
Imigrantes pré-históricos
Outra conclusão relevante do estudo é o facto de, apesar da presença de diferentes grupos a partir da idade do Ferro, “os habitantes modernos da Sardenha mantiveram entre 56% a 62% de ascendência dos primeiros agricultores neolíticos que chegaram à Europa há cerca de 8000 anos. É a percentagem mais elevada de ancestralidade neolítica identificada em qualquer população europeia”, destaca o investigador.
Daniel Fernandes sublinha que as conclusões do estudo ajudam “a entender e enquadrar os movimentos de indivíduos no Mediterrâneo ocidental durante períodos de alta intensidade comercial, como foram as idades do Bronze e Ferro”.
“Tais movimentos não envolveram apenas comércio bidirecional, mas também casos de imigração para algumas das ilhas com variadas origens”, acrescenta.
“O nosso artigo publicado abre caminho para futuros estudos se debruçarem em ainda maior detalhe nos movimentos dos períodos como as expansões gregas, fenícias, e mesmo romanas”, conclui.
Intitulado ‘The spread of steppe and Iranian-related ancestry in the islands of the western Mediterranean’, o artigo científico pode ser consultado em https://www.nature.com/articles/s41559-020-1102-0