A Madeira viveu há 10 anos um dos piores momentos da sua história, devido à aluvião que continua gravada na memória dos madeirenses e que deixou um rasto de destruição, provocando 47 mortos, quatro desaparecidos, 600 desalojados e 250 feridos.
Os estragos materiais foram avaliados em 1.080 milhões de euros, tendo sido atingida sobretudo a costa sul da ilha, nos concelhos do Funchal, Ribeira Brava, Câmara de Lobos e Santa Cruz.
Nesse mês de fevereiro, durante vários dias, a chuva caiu na ilha da Madeira, mas naquela madrugada quando registou-se uma pluviosidade de 185 litros por metros quadrado no Pico do Areeiro, um dos pontos mais altos da ilha.
No Funchal, que tem uma média anual de 750 litros, a precipitação foi de 114 litros por metro quadrado em cerca de cinco horas.
Quinze das vítimas morreram devido à queda de uma grua na freguesia de Santo António. Os quatro desaparecidos foram procurados até por uma equipa de mergulhadores na marina do Funchal.
Nas estradas de acesso à cidade o Funchal, as adufas (sarjetas) foram projetadas devido à força da água e os caudais das ribeiras transbordaram, invadindo de surpresa várias casas.
Carros, alguns com ocupantes, foram empurrados nas ruas pela força da água, incluindo 20 viaturas que estavam no parque da PSP.
Juntaram-se troncos e grandes pedras, boiando num mar de lama que desceu as encostas até ao centro do Funchal.
A cidade ficou irreconhecível e intransitável, coberta de lama e entulho, e as pessoas tinham de andar por cima de pedras e carros amontoados, o que dificultou as operações de socorro. Até as embarcações do Socorro a Náufragos (Sanas) navegaram nas ruas da cidade para retirar pessoas de diversos locais.
Lojas da baixa, centros comerciais, parques de estacionamento, bancos, restaurantes, o Museu do Açúcar, o arquivo do Tribunal de Contas do Funchal e o Teatro Municipal do Funchal ficaram inundados de lama.
O concelho da Ribeira Brava, sobretudo a Serra D’Água, foi outro dos mais afetados, com mais de uma centena de casas danificadas, tendo ficado na memória a imagem de uma habitação que permaneceu inclinada nas rochas, como que a ‘recusar-se’ a ser levada pelo caudal.
Nesta localidade, os militares colocaram uma ponte metálica para ajudar a população residente numa das margens da ribeira que ficou isolada.
Entre as lágrimas e o espírito de incredulidade, os madeirenses recorreram ao espírito de resiliência e iniciaram a operação de limpeza.
No dia seguinte, mais de 270 máquinas e 148 camiões começaram a trabalhar para limpar o entulho, com a participação de todos, desde militares, bombeiros, funcionários do Governo Regional e camarários, além de muitos voluntários.
O primeiro-ministro de então, o socialista José Sócrates, foi o primeiro a deslocar-se à ilha, no dia do temporal, e começou a ser delineada a Lei de Meios, criada para fazer face aos prejuízos, envolvendo 740 milhões de euros até 2013: 200 milhões resultantes do Orçamento do Estado, 265 milhões por reafetação do fundo de coesão, 250 milhões através de um empréstimo junto do Banco Europeu de Investimentos e 25 milhões por via de verbas do PIDDAC – Programa Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central.
Ao Governo Regional e ao Fundo de Solidariedade da União Europeia caberia um total de 340 milhões de euros.
A reconstrução começou a ser projetada e o então presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, pediu ajuda a Bruxelas, apostado em “pôr tudo num brinquinho”. Recusou a declaração do estado de calamidade para não prejudicar mais o turismo da ilha e, mais tarde, depois dos incêndios que ocorreram no verão, declarou 2010 como o “annus horribilis” da Madeira.
O realojamento das centenas de desalojados que foram acolhidos no Regimento de Guarnição n.º 3, no Funchal, foi uma das prioridades e uma onda de solidariedade surgiu em todo o país. Foram decretados três dias de luto nacional.
Hoje, da memória da tragédia ficaram visíveis a Praça do Povo, na marginal da cidade do Funchal, construída com o depósito de inertes que foram sendo recolhidos por toda a ilha, e um painel em memória das 51 vítimas.
Além disso, algumas obras da reconstrução estão ainda por cumprir.