Ana Grácio Pinto e José Manuel Duarte (entrevista) / António Freitas (fotos)
A Sagres partiu a 05 de janeiro para a sua maior viagem de sempre. Nos 58 anos ao serviço da Marinha Portuguesa, esta será a mais mediática de todas as viagens: no âmbito das celebrações dos 500 anos da primeira viagem de circum-navegação da Terra, por Fernão de Magalhães, o navio-escola vai repetir a grande aventura do navegador português.
Mas vai fazer muito mais nos 372 dias desta epopeia pelos cinco continentes, numa viagem cujos preparativos levaram ano e meio a concluir-se
Nesta entrevista ao ‘Mundo Português’, o comandante António Manuel Maurício Camilo falou do “grande orgulho” em estar à frente da guarnição de 142 tripulantes que estão a levar o embaixador itinerante de Portugal aos quatro cantos do mundo.
Apesar da Sagres já ter feito outras viagens de circum-navegação, esta é diferente?
É diferente porque esta é a maior viagem de sempre tanto em distância como em tempo. Por outro lado é uma navegação muito focada nas comemorações dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães em várias cidades e nos jogos Olímpicos em Tóquio.
Por outro lado, e pela primeira vez, temos vários projetos científicos que irão decorrer ao longo da viagem, o que também constitui uma diferença assinalável.
Quem desenvolve essas áreas dos projetos?
Nós temos vários tipos de projetos. Neste momento já temos quatro e um quinto a tentar ainda entrar no calendário. Temos por exemplo um projeto da Universidade dos Açores em que o navio apenas dá suporte à organização de algumas palestras a bordo.
Há dois outros projetos do Instituto Hidrográfico da Marinha, um consiste na recolha de água para identificação dos microplásticos presentes, e outro é um projeto com o NOA, norte-americano e que tem de ver com o lançamento de boias em zonas mais remotas do oceano.
Para além destes há ainda um projeto maior com o SINAVE de desenvolvimento científico multidisciplinar que se destina a medir diversos parâmetros da água. Levaremos também uma espécie de torpedo a reboque para recolha de dados e ainda recolheremos algumas amostras de peixes para analisar o que estão a comer. Em alguns portos vão ser organizadas palestras com universidades locais a quem faremos apresentações a explicar o que vai ser o nosso trabalho. Isto é inédito.
Ainda se faz nas viagens de hoje o “diário de bordo”?
É obrigatório, embora não seja eu que faço, mas o oficial de serviço. O diário de bordo não é uma coisa romanceada e sim onde são feitos os registos formais das ocorrências a bordo como a temperatura, distância percorrida, em que direção…
![]() “É um grande orgulho. São muitos momentos especiais logo a partir do planeamento. Fernão de Magalhães tinha uma grande vantagem em relação a nós, porque não tinha horários (risos) limitava-se a ir andando, mas eu tenho muito mais vantagens. A começar pela robustez deste navio e principalmente pela informação que já temos hoje em dia – já tenho as cartas e sei para onde vou. E mais importante do que isto tudo, é a meteorologia e as previsões meteorológicas” |
Quantos cadetes vão viajar?
Os cadetes para já, ainda estão em aulas na escola naval, e por isso à largada não vai nenhum. Mais tarde irão juntar-se a nós em Timor a 9 de junho e depois farão três meses de curso. Para já saímos com 142 membros que é a guarnição fixa e depois ao longo das várias tiradas vai sempre entrando e saindo gente, desde jornalistas, pessoas de outras marinhas e convidados diversos.
Também recebem cadetes de outras marinhas?
Sim normalmente recebemos oficiais jovens e quando temos cá os cadetes, convidamos também de outras marinhas, que normalmente também convidam os nossos, é uma questão de reciprocidade.
Há mulheres na tripulação…
Temos 13 oficiais, dos quatro são mulheres. Não temos mais porque o navio ainda não foi alterado para receber mulheres na tripulação. Só há essa alteração na zona de cadetes, que tem uma zona de cadetes femininos e outra de cadetes masculinos. Mas no grupo de praças e sargentos não podemos levar tripulação feminina. É mesmo uma questão de logística.
Neste momento o comandante sente-se mais um marinheiro a partir para uma grande aventura, ou mais um embaixador itinerante de Portugal?
Um pouco das duas coisas, mas aqui impera o desafio de ter de fazer esta viagem. Quando estivermos atracados será então a vez de acompanharmos os eventos em terra em coordenação com o corpo diplomático português, como embaixada itinerante de Portugal. A Sagres é verdadeiramente uma embaixada itinerante de Portugal.
Com tantos portugueses à espera da Sagres por esse mundo fora, é um pouco de Portugal que sentem ali para eles?
A Sagres sempre foi isso mesmo e o próprio itinerário da viagem teve sempre isso em consideração. Teve-se uma especial atenção nesta viagem às datas, nomeadamente a nossa presença no Estreito de Magalhães e nos Jogos Olímpicos em Tóquio, nas datas respetivas. E depois, aos locais onde existe diáspora portuguesa, conciliando com os locais de passagem do navegador Fernão de Magalhães. Vamos fazer 70% da viagem que fez o navegador português.
E para si, comandar o navio neste ano e nesta viagem, o que significa especialmente?
É um grande orgulho. São muitos momentos especiais logo a partir do planeamento. Fernão de Magalhães tinha uma grande vantagem em relação a nós, porque não tinha horários (risos) limitava-se a ir andando, mas eu tenho muito mais vantagens. A começar pela robustez deste navio e principalmente pela informação que já temos hoje em dia – já tenho as cartas e sei para onde vou. E mais importante do que isto tudo, é a meteorologia e as previsões meteorológicas. De qualquer maneira e apesar de todas as inovações, continua a ser uma viagem desafiante para todos nós e também para o navio. E há coisas que vão ser iguais: o mar quando está ‘mau’, está-o para todos. Esta é uma viagem desafiante, não só para o navio, mas também para as pessoas.
![]() | “Temos 13 oficiais, dos quatro são mulheres. Não temos mais porque o navio ainda não foi alterado para receber mulheres na tripulação. (…) no grupo de praças e sargentos não podemos levar tripulação feminina. É mesmo uma questão de logística” “Teve-se uma especial atenção nesta viagem às datas, nomeadamente a nossa presença no Estreito de Magalhães e nos Jogos Olímpicos em Tóquio, nas datas respetivas. E depois, aos locais onde existe diáspora portuguesa, conciliando com os locais de passagem do navegador Fernão de Magalhães” |
A rota foi responsabilidade sua?
Foi minha no sentido de adaptar a informação que me foi transmitida para fazer um itinerário que entrasse em linha de conta com a velocidade do navio, os ventos e todas as outras limitações de ordem natural.
E não há a dificuldade acrescida de passar por tantos lugares onde nunca navegou?
É uma dificuldade calculada, é o nosso trabalho recolher o máximo de informação para navegar em segurança.
Uma viagem de 372 dias, 22 portos, 19 países e 5 continentes. Como se gere a moral da tripulação ao longo de todo este tempo?
É um dos tais desafios, mas há qui uma vantagem e uma desvantagem, ao mesmo tempo. Somos uma tripulação de 142 a navegar, mas não vamos sozinhos porque à distância de um telefonema, de um email ou de uma mensagem somos acompanhados pelas famílias. Aqui quase no dia a dia as pessoas sabem o que se está a passar, as coisas boas e as más.
Ao longo deste tempo irão registar-se nascimentos, mortes, doenças e momentos de felicidade e outros menos bons em todas estas famílias, e nós iremos estar a navegar. Esta gestão da moral das pessoas é uma das dificuldades da viagem, sem dúvida. Eu também vou ter momentos em que estarei mais tranquilo com o que se passa e outros em que estarei menos, ou mais nostálgico, com mais saudades. Mas as ocupações do dia-a-dia vão ajudar e aqui há sempre que fazer.
Aliás, uma das coisas mais ‘horríveis’ que existem num navio é o silêncio. Um navio tem geradores, ventiladores e os seus ruídos normais e se, de repente, houver silêncio, algo vai mal.
Em termos de logística o que implica uma viagem desta dimensão?
A logística é uma das razões para termos uma viagem estabilizada em termos de itinerário, o mais cedo possível. Porque depois é preciso começar a contatar os agentes logísticos que nos vão ajudar.
É preciso garantir coisas simples como ter um cais para atracar. Há locais em que isso é fácil e há outros com portos muito movimentados. Alguns contatos foram feitos com um ano de antecedência para garantirmos que temos um local para atracar naquele determinado dia.
Há ainda a questão do abastecimento. Normalmente somos 142 tripulantes, mas às vezes somos 200 ou mais. Temos que tomar o pequeno-almoço, almoçar, jantar, temos que ter água, combustível. Estes são exemplos de uma logística que começa muito cedo a ser trabalhada.
Quando chegamos a um porto, tem que lá estar um ship chandler, o agente portuário que contatamos antes da chegada, a informar sobre o que precisamos em termos de suprimentos, seja alimentos, água, combustível, etc, e que coloca esse pedido no cais para abastecermos o navio. As quantidades vão variar, mas vamos abastecer em todos os portos. Até ao Brasil, vamos abastecer pouco, mas a partir dali vamos começar com abastecimentos maiores. O navio consegue navegar sem reabastecer, sem preocupações, durante cerca de 30 dias. Há artigos que duram mais tempo, como os enlatados, mas os vegetais conservam-se por cerca de 15 dias ou pouco mais.
![]() “Ao longo deste tempo irão registar-se nascimentos, mortes, doenças e momentos de felicidade e outros menos bons em todas estas famílias, e nós iremos estar a navegar. Esta gestão da moral das pessoas é uma das dificuldades da viagem, sem dúvida. Eu também vou ter momentos em que estarei mais tranquilo com o que se passa e outros em que estarei menos, ou mais nostálgico, com mais saudades. Mas as ocupações do dia-a-dia vão ajudar e aqui há sempre que fazer” |
E quanto à água?
Nós produzimos água, a partir da água salgada, mas quando chegamos a terra normalmente abastecemos. Quando saio de um porto quero seguir sempre abastecido ao máximo. Pode haver uma avaria, por exemplo.
Quanto ao acompanhamento médico da tripulação, há uma equipa médica a bordo?
Temos um médico e um enfermeiro e equipamento a bordo o que nos dá alguma autonomia. Nos casos mais graves, as pessoas têm que ser evacuadas para terra, o que esperemos que não aconteça. Mas com 142 pessoas a bordo todos os dias há consultas médicas. Vamos passar por uma panóplia de temperaturas, com zonas muito frias e outras bastante quentes.
Uma das etapas vai juntar o navio-escola Sagres ao navio-escola Juan Sebastián Elcano, espanhol. Onde será?
Em Punta Arenas (Chile), para as comemorações dos 500 anos da descoberta do Estreito de Magalhães, não estaremos sozinhos. Estará também o Sebastián Elcano e outros navios-escola de sete ou oito marinhas.
Vamos passar o Estreito juntos e com o navio-escola espanhol, que está também a fazer a volta ao mundo, iremos navegar mais um mês e meio, até ao Peru. Durante essas seis semanas vamos trocar guarnição, é habitual fazer-se, mas o interessante é sairmos todos juntos do Estreito.
Que locais de paragem serão especiais?
Tóquio, onde vamos estar mais tempo, e onde haverá uma série de eventos e a presença do Presidente da República, é um ponto importante. Punta Arenas (Chile) é também uma paragem importante e Dili (Timor-Leste), onde estaremos nas celebrações do 10 de Junho. O Rio de Janeiro (Brasil) é outro ponto importante, dos mais concorridos. No fundo, todos os portos vão ser interessantes. Uns serão puramente logísticos, caso de Port Louis (Maurícia) ou de Papeete (Taiti), porque estão ‘no meio do caminho’ e onde podemos parar para reabastecer.
Aliás, a parte sul do Oceano Pacífico, tirando a zona junto à Austrália e à Nova Zelândia, é um ‘vazio’ completo, só há água. E são 32 dias nessa travessia, sem ver terra.
Esses 32 dias no Pacífico, sem ver terra… Será das etapas mais difíceis?
Será das mais complicadas em termos de mau tempo. Na parte final.
E essa travessia será à vela ou também a motor?
Se puder, vou à vela. Se não puder ir só à vela mas tiver algum vento, navegamos à vela e a motor. Se não houver vento, temos que ir a motor, porque temos que cumprir as datas de chegada.
E não se pode deixar os portugueses nesses portos sem a Sagres…
Claro! Seria quase uma tragédia… Na viagem da Sagres aos Estados Unidos, em 2018, (durou quase cinco meses e passou por 12 portos) recebemos quase cem mil visitantes.
Há uma coisa que fizemos em 2018 e estamos a planear repetir este ano: embarcar jovens da diáspora portuguesa, entre os portos.
Em 2018 levamos grupos de 20 e 25 lusodescendentes a viajar entre portos desde Filadélfia até Halifax, em viagens curtas. Está planeado ainda levar jovens universitários da ‘Rede Magalhânica’.
E na etapa final a viagem, vamos trazer de Ponta Delgada a Lisboa, jovens de escolas de Portugal continental.
Viagem de Circum-Navegação do NRP SAGRES
A missão enquadra-se no programa das comemorações do V Centenário da Circum-Navegação do Globo pelo navegador português Fernão de Magalhães
372 dias – De 5 de janeiro de 2020 a 10 janeiro de 2011
Horas de navegação – 6782
Milhas: 41.258 náuticas
Passagens do Equador: 6
Países visitados; 19
Portos estrangeiros: 22
05 JAN – LISBOA (PORTUGAL)
10 JAN – TENERIFE (ESPANHA)
19 JAN – PRAIA (CABO VERDE)
10 FEV – RIO DE JANEIRO (BRASIL)
23 FEV – MONTEVIDEU (URUGUAI)
03 MAR – B. AIRES (ARGENTINA)
27 MAR – CABO (ÁFRICA DO SUL)
09 ABR – MAPUTO (MOÇAMBIQUE)
24 ABR – MAURÍCIA
20 MAI – SINGAPURA
29 MAI – JACARTA (INDONÉSIA)
10 JUN – DILI (TIMOR-LESTE)
17 JUN – T. TIDORE (INDONÉSIA)
24 JUN – CEBU (FILIPINAS)
07 JUL – XANGAI (CHINA)
18 JUL – TÓQUIO (JAPÃO)
22 AGO – HONOLULU (EUA)
13 SET – TAHAITI
18 OUT – PUNTA ARENAS (CHILE)
04 NOV – PUNTARENAS (CHILE)
19 NOV – CALLAO (PERU)
05 DEZ – CARTAGENA (COLOMBIA)
30 DEZ – PONTA FELGADA
10 JAN – LISBOA
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