De Sendas a Frieira…

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As recordações do passado fazem parte da nossa história, sendo certo que de algumas nos lembramos mais, de outras menos e da maior parte quase nos esquecemos. Muitas recordações que emergem com regularidade na minha mente, as referentes à Estação de Sendas, acontecem frequentemente. Isto, porque ali passo muitas vezes e me deparo com o atual cenário do estado em que se encontra, francamente deprimente.
A Estação de Sendas, a primeira do concelho para quem viajava de comboio até Bragança, marcou de tal forma a minha adolescência e juventude que recordo muitas vezes em conversa com amigos, ou como a minha gente, o que ali vivi, senti, onde cheguei e de onde parti. A Estação de Sendas, como tantas outras, era o grande ponto de referência ao nível da mobilidade humana e económica de uma vasta região, do ponto de vista do transporte ferroviário, que chegava até Izeda, ou para lá desta até ao concelho de Vimioso.
Como as alternativas quase não existiam, quer ao nível da deslocação de passageiros, quer de mercadorias, afluía diariamente à Estação de Sendas gente de vários lugares de um interior isolado, esquecido e profundo. Uns que chegavam, outros que partiam, mas ali convergiam.
Nos meus tempos académicos era o comboio a vapor, ou a automotora, como lhe chamavam, o transporte que mais se utilizava para vir para Bragança ou regressar à aldeia, sendo certo que de Frieira à Estação de Sendas eram cerca de 12 quilómetros.
Por isso, para além da viagem de Sendas para Bragança e vice-versa, tantas vezes realizada em bancos de madeira do comboio a vapor, com o fumo a entrar pelas janelas sem qualquer conforto interior, era sempre necessário “palmilhar” mais de 12 quilómetros, quase sempre a pé, quer chovesse, quer nevasse, fizesse frio ou com sol a escaldar. Com neve e gelo, fiz esse percurso algumas vezes. Confesso que não era agradável, não só porque as temperaturas eram baixas, mas também porque o piso se tornava escorregadio e, por conseguinte, perigoso.
Neste contexto, não me contenho em referir uma vez em que, devido à neve e ao gelo, o Liceu Nacional de Bragança fechou cerca de oito dias. Como não havia aulas, eu e outros contemporâneos estudantes, sobretudo de Frieira, Sanceriz e Bagueixe, a maior parte elementos femininos, decidimos ir para a aldeia à noite. O entusiasmo da juventude era evidente. Nenhum de nós era ou tinha sido “menino ou menina”, certamente.
Lá “embarcamos” de comboio a fumegar, pois alternativa não havia àquela hora para viajar. E se durante o percurso o frio apertava, quando chegámos a Sendas deparámo-nos com uma noite escura, gelada, onde o gelo se enternecia e a neve a estrada branqueava, mas nada que nos intimidasse ou mesmo que nossa vontade desmotivasse.
Pés na estrada, ou melhor na neve geada, a brincar, ou a rir à gargalhada, lá calcorreamos o caminho, mesmo que, de vez em quando, um ou outro trambolhão imprevisto fizesse parte da caminhada. Imbuídos de um salutar espírito de grupo, sãos e salvos conseguimos chegar ao destino, dirigindo-se cada um para o “seu rural ninho” para grande surpresa dos nossos pais, que não contavam com o nosso regresso a casa já pela noite dentro em tempo de inverno e vendavais.
Nos tempos que correm até poderá causar alguma admiração esta predisposição decorrente de uma necessidade e disposição. Mas a vida era mesmo assim, para quem se propunha ir um pouco mais longe na vida saindo do marasmo rural procurando mais-valias formativas noutro local.
Tal como eu, muitos outros jovens do meu tempo, nascidos e criados em aldeias de um interior abandonado, sem transportes ou vias de comunicação, foram “obrigados” a muitos sacrifícios para conseguir estudar, sendo esta forma de enfrentar a vida inevitável para na mesma “crescer” e conseguir singrar.
Enfim, outros tempos, com outros contratempos, que se perderam nos tempos, mas se recordam nos pensamentos.

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