Depois de ter fixado como meta no Governo anterior a redução para metade do insucesso escolar no ensino básico — caiu de 10% em 2104 para 5,1% em 2018 —, o objetivo estabelecido por António Costa para esta legislatura é mais ambicioso: atingir a fasquia de zero chumbos. As retenções não serão proibidas, mas é criado um “plano de não retenção no ensino básico”, para que de forma natural os chumbos possam “desaparecer” da escola.
Recorde-se que noutros países, sobretudo na Europa do Norte, as taxas de chumbo no ensino básico são inexistentes ou muito residuais. Mas também em Portugal já há escolas que trabalham com essa meta. Em 2016, o Ministério da Educação convidou seis agrupamentos do país, inseridos em contextos diferentes, para integrarem durante três anos o chamado Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP). Deu-lhes mais autonomia para organizar currículos, conteúdos, horários de aulas, turmas, disciplinas (podiam extinguir umas e criar outras) e o próprio ano letivo.
Em troca, pediu que tomassem medidas a pensar na sua população escolar de forma a eliminar o insucesso. Alguns conseguiram chegar aos zero chumbos.
Estabilização profissional dos professores
Os números constam do estudo de avaliação do projeto, publicado este mês no site da Direção-Geral da Educação, e mostram que em 2018/19 a maioria destes agrupamentos teve zero retenções ou valores inferiores a 1% em cada um dos três ciclos do ensino básico.
Para se conseguirem estes objetivos, o governo considera fundamental a estabilização profissional dos professores, no sentido de ser criada uma maior estabilidade nas escolas. Estas medidas constam do Programa do Governo, recentemente aprovado em Conselho de Ministros, onde se pode ler:
“O ensino é um dos setores em que a especialização e a formação dos profissionais são críticas para os resultados obtidos. Não é possível pensar na concretização de políticas públicas de educação alheadas de profissionais com carreiras estáveis, valorizadas e de desenvolvimento previsível”. O Governo pretende “estudar o modelo de recrutamento e colocação de professores com vista à introdução de melhorias que garantam maior estabilidade do corpo docente, diminuindo a dimensão dos quadros de zona pedagógica”, ou seja, diminuindo a extensão da área geográfica em que podem ser colocados, o que pode significar que os professores lecionem mais perto de casa.
Mais autonomia para as escolas
No programa consta ainda a intenção de elaborar um diagnóstico a “curto e médio prazo (cinco a 10 anos)” da necessidade de professores nas escolas, “que tenha em conta as mudanças em curso e as tendências da evolução na estrutura etária da sociedade e, em particular, o envelhecimento da classe docente”.
Fixar professores nas regiões do país onde estes escasseiam e melhorar a formação contínua também são objetivos do executivo, que quer também escolas mais digitais e com melhor ligação à Internet.
Para as escolas o Governo quer também mais autonomia, dando-lhes poder de decisão em matérias como o número de alunos por turma, “mediante um sistema de gestão da rede”. Ao nível da gestão quer o modelo de administração escolar mais adequado ao processo de descentralização para as autarquias e dar mais meios técnicos, permitindo a que recorram a “bolsas de técnicos no quadro da descentralização”.
Entre as propostas estão projetos de “autonomia reforçada para as escolas com piores resultados”, adequando a oferta curricular ao seu público específico, reforçando, por exemplo, o ensino das línguas, das artes ou do desporto, programas de mentoria entre alunos, para “estimular a cooperação entre pares”, e uma aposta declarada no ensino da matemática, a disciplina com mais insucesso.
O Governo assume também querer copiar o modelo de muitos colégios privados ao pretender “promover programas de enriquecimento e diversificação curricular nas escolas públicas, nomeadamente assentes na formação artística, na introdução de diferentes línguas estrangeiras e de elementos como o ensino da programação, permitindo que as escolas especializem a sua oferta educativa”.
No combate ao insucesso escolar estão ainda inseridas medidas de reforço de ação social e de apoio a famílias vulneráveis, mas também uma aposta na deteção precoce de dificuldades, com uma maior atenção no pré-escolar.
Esta é a primeira etapa para uma mudança radical do ensino em Portugal
Objetivamente pretende-se atribuir às escolas 100% de autonomia, permitindo a divisão dos períodos lectivos por semestres. O objetivo último é acabar com as retenções de alunos.
O secretário de Estado da Educação, João Costa, admitiu à comunicação social que o Governo está a planear mudanças profundas no Ensino, implementando medidas como a organização dos períodos lectivos por semestre e a autonomia total das escolas.
Antes de avançar com estas transformações, terão de ser analisados os resultados do Projeto Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP) que está em execução em sete estabelecimentos de ensino que têm autonomia total – Freixo (Ponte de Lima), Cristelo (Paredes), Marinha Grande Poente (Leiria), Fernando Casimiro Pereira da Silva (Rio Maior), Vila Nova da Barquinha (Santarém), Boa Água (Sesimbra), Silves Sul (Armação de Pêra).
Estas escolas PPIP têm autonomia total para “reorganizar turmas, horários, matriz curricular, programas e calendário escolar”, como explica João Costa. Também visam criar condições para evitar chumbos de alunos.
“O pressuposto do PPIP é a existência de uma escola sem alunos retidos”, explica o secretário de Estado, notando que “enquanto medida pedagógica a retenção é muito pouco eficaz“, pois “o aluno que reprova é aquele que tendencialmente volta a reprovar”.
É preciso agora “perceber se é possível em Portugal ter uma escola onde os alunos aprendam e não precisem de reprovar”, nota João Costa, frisando que os resultados da avaliação do PPIP serão determinantes para alargar a medida à generalidade dos estabelecimentos de ensino.
Fim dos chumbos até ao 9º ano vai permitir poupança de 250 milhões de euros
O fim dos chumbos no Ensino Básico vai permitir uma poupança de 250 milhões de euros por ano. Anualmente, o Estado gasta este valor com a reprovação de cerca de 50 mil alunos.
De acordo com dados do Ministério da Educação, cada chumbo custa aos cofres do Estado cinco mil euros por aluno, valor que deverá ser agora poupado com o plano de não retenção no Ensino Básico que está previsto no Programa de Governo. Durante a legislatura, a poupança poderá mesmo ser de mil milhões de euros.
Apesar desta poupança, a medida não tem gerado consenso. Os professores reagiram com indignação, enquanto as famílias aplaudiram a medida.
“É uma indignação que tem razão de ser porque há o receio de que se caminhe para uma solução administrativa de abolir as retenções, medida que não combateria o insucesso escolar”, disse o secretário-geral da Federação Nacional de Educação.
Muitos professores consideram que já existe pressão para aprovar os alunos e temem que essa pressão aumente. “Os professores exigem que as escolas tenham recursos para combater o insucesso e não querem estar embrulhados em situações de justificação de casos reais de insucesso”, acrescentou.
A tutela garante que o objetivo é eliminar de forma administrativa a figura da retenção, desenhando-se um programa “que assente em medidas pedagógicas” que promovam a “aprendizagem de forma mais individualizada, visando a progressiva redução das retenções”.