Uma responsável por programas de leitura e bibliotecas da UNESCO considerou o Plano Nacional de Leitura português “exemplar para todo o mundo”, mas lembrou as regiões onde os livros continuam inacessíveis e a escola é só para alguns.
“Estamos muito longe das bibliotecas escolares que vocês têm”, afirmou Jeimy Hernández, felicitando o Programa Rede de Bibliotecas Escolares (PRBE) criado há mais de 20 anos em Portugal e que permitiu a instalação de bibliotecas em todos os níveis de ensino.
“Vamos transferir este conhecimento para outros países”, desafiou o responsável pela área de Leitura, Escrita e Bibliotecas do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caraíbas (CERLALC), um órgão da UNESCO que acompanha a situação de 21 países, incluindo Portugal e Espanha.
Jeimy Hernández falava ontem durante a III Conferência do Plano Nacional de Leitura 2027 (PNL2027) que está a decorrer na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sob o tema ‘Presente – Futuro: O Elogio da Leitura’.
Enquanto, em Portugal, uma das preocupações atuais passa por conseguir transmitir o prazer da leitura a mais pessoas, existem países onde o livro continua a estar inacessível.
As desigualdades entre regiões foi o foco da apresentação de Jeimy Hernández. “Existem muitas zonas onde não há bibliotecas locais”, onde “a maioria das famílias não tem livros em casa nem há acesso à internet”.
Nos sítios onde “o acesso à informação é nulo”, a solução poderia passar pelas escolas, mas a professora universitária lembrou que “em muitos países não existem bibliotecas escolares”.
12 milhões de crianças nunca irão à escola
Jeimy Hernandez gostaria de ver replicado o projeto das bibliotecas escolares, mas reconhece que existem países com problemas estruturais que podem obrigar a deixar para depois esse projeto.
“Existem 12 milhões de crianças que nunca vão entrar dentro de uma sala de aula”, lamentou, citando dados mundiais.
Jeimy Hernandez recordou que ainda existem 13 milhões de jovens sem habilitações básicas de alfabetização, dos quais mais de 60% são mulheres, e que mais de 15 milhões de crianças nunca vão receber qualquer atenção cognitiva ou sócio-emocional durante a infância.
Lembrando que a leitura e a escrita são armas importantes para combater as desigualdades, a especialista da UNESCO defendeu que o direito à leitura deve ser um assunto de política pública.
No “mapa mundial das desigualdades” destacam-se, precisamente, pela negativa vários países da América Latina, que fazem parte da CERLALC, organismo que Jeimy Hernández coordena.
A responsável pela rede Ibero-americana de políticas e planos nacionais de leitura revelou ainda que a maioria dos países da CERLALC não tem planos nacionais de leitura a funcionar.
Dos 21 países, “17 dizem ter planos nacionais de leitura, mas só 11 os têm ativos, os restantes têm documentos escritos, mas não são aplicados”, lamentou, acrescentando que “apenas três países se destacam e um deles é Portugal”.
Quem está a frente do Plano Nacional de Leitura português (PNL 2017) é Teresa Calçada, que também foi coordenadora da Rede de Bibliotecas Escolares entre 1996 e 2013 e atualmente é comissária do PNL2027.
Durante a sua intervenção, Teresa Calçada lembrou Júlio Verne que escreveu “nunca se fez nada grande sem uma esperança exagerada”.
“Temos o dever de proteger este bem”, que é a leitura, salientou a especialista, lembrando que “elogiar a leitura é um imperativo educacional”.
Na abertura da conferência, o administrador da Fundação Calouste Gulbenkian Guilherme d´Oliveira Martins não se esqueceu de saudar quem trabalha nas escolas e nas bibliotecas.
“Hoje as bibliotecas não são depositários de livros. São realidades vidas”, sublinhou Guilherme d´Oliveira Martins, para quem a leitura e a escrita devem ser vistas como património imaterial: “Um livro é um companheiro (…) é um apelo a compreender o outro”.