Os portugueses do Reino Unido em situação socioeconómica desfavorecida e mais expostos a eventuais males do Brexit

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Tenho observado no social-media de páginas de portugueses no Reino Unido, alguns comentários derrogatórios e inflamatórios por parte de portugueses profissionalmente ativos, relativamente aos seus compatriotas que infelizmente vivem com uma dependência do sistema de subsídios sociais do Estado Britânico…
Considero que esta atitude é muito infeliz, algo injusta e acima de tudo pouco solidaria para com quem está mais exposto aos eventuais maiores perigos que o Brexit possa vir a trazer a todos os emigrantes deste país. A situação de beneficio-dependência não e assim tão simplista, no sentido de referir que estes são abusadores do sistema versus os que sempre trabalharam pagando os seus impostos, afirmando que nunca receberam ajudas deste Estado (o esperado de um emigrante de sucesso). Mas é preocupante a falta de profundidade de analise deste problema social, que já dura há algum tempo, por parte dos profissionalmente ativos.
Ora façamos uma reflexão coletiva sobre esta problemática. À partida, é opinião consensual que os beneficio-dependentes são uma minoria de entre a nossa comunidade. Também é factual que um grande número de compatriotas nesta situação foram motivados a vir para o Reino Unido, não por decisão livre e refletida de procura melhores oportunidades profissionais e qualidade de vida, mas porque no auge da crise económica que grassou no país no inicio desta década, estes foram os mais afetados pelo ambiente económico e laboral hostil e adverso, sendo que muitos se viram privados do subsidio de desemprego (desempregados de longa duração, pouco qualificados ou em idade que já ninguém lhes dá trabalho) ou mesmo porque os seus ordenados ou pensões foram reduzidas, porque o aluguer da sua casa teve aumento de renda que não conseguiram suportar ou pagar o credito habitação ao banco e finalmente, partiram para tentar resolver problemas financeiros (dividas e créditos por pagar, ou como apoio económico à restante família que se manteve na pátria). Variadas foram as razões que motivaram essas partidas involuntárias. Costumo afirmar que de certa forma foram como que refugiados económicos mas livres de deambular pelo espaço Schengen. Numa União Europeia que na altura dava a possibilidade a todos os seus cidadãos de circularem à procura de um sistema social mais os apoiasse, assim o fizeram.
Ora, a fama e mito urbano de que o Reino Unido era um eldorado de apoio social (davam casas com renda baixa a mães solteiras, reforma mínima a quem trabalhasse cinco anos, apoios variados como o rendimento mínimo assegurado para menores) instalou-se na mente de muitos. Desta forma, amigo incitou amigo, familiar acolheu e ajudou os seus mais próximos a acederem ao sistema de apoio social, até ao ponto que uma ‘aldeia inteira’ se motivou a emigrar com este intuito e motivação. Infelizmente o efeito no seu todo foi nefasto, pois a sobrecarga do sistema tornou-se enorme numa época de cortes sociais neste país.

Os portugueses do Reino Unido em situação socioecónomica desfavorecida e mais expostos a eventuais males do Brexit

“(…)Desagrada-me muito esta atitude que começa a ser popularizada: em vez de se procurar ajudar vamos agora acusar em praça pública a nossa gente mais fragilizada neste processo? O que se ganha com isso? Será que os Brexiters vão diferenciar uns dos outros se houver soluções radicais para as suas queixas de estarem emigrantes a mais neste país? Porquê durante tanto tempo quase ninguém falou neste assunto e se omitiu rotineiramente o fenómeno sabido por quase todos nós? Porquê no passado raramente se ouviu falar de denúncias relativamente aos casos mais abusadores? Porquê foram raros e pontuais os esforços dos mais aptos e bem na vida para ajudar as famílias beneficio-dependentes a se erguerem e terem melhor condição de vida? (…)”

 

Câmaras municipais como a que eu representei, viram-se de um momento para o outro obrigadas a suportar socialmente um muito maior número de pessoas do que o esperado – houve um ano do meu mandato em que a acomodação temporária de emergência triplicou -, gerando atrito e abrasividade social dos residentes no país, principalmente imigrantes de vagas anteriores, relativamente a nós portugueses (algo ciumentos do facto de os europeus poderem livremente circular e solicitar apoio para si e familiares, enquadramento que membros da Commonwealth não dispõem). O fenómeno foi generalizado e hiperbolizado em Lambeth pela já grande dimensão da comunidade lusa e fui testemunha direta deste fenómeno durante quatro anos. De referir que o fenómeno apenas acrescentou uma pequena minoria a assinalável dimensão da nossa comunidade nacional, já que uma grandessíssima maioria de nós sempre trabalhou e organizou uma vida sem contar muito com este tipo de apoios estatais (expeto escolas, serviço de saúde e apoio ocasional a desemprego temporário) pois preferiram brilhar nas suas profissões e serem retribuídos com promoções ou melhores salários já longe do nível parco dos subsídios.
Outra questão importante a ressalvar é a óbvia dificuldade de se conseguir sair deste enredo existencial de dependência prolongada dos subsídios sociais, pois quem mais os solicita são os que têm menos conhecimentos da língua e dificuldade de a aprender (pelo facto de muitos destes compatriotas serem adultos seniores e também com pouca literacia), possuem poucas qualificações profissionais que lhes permitam ter um trabalho recompensador e condigno (acima do ordenado mínimo) e muitas vezes estão estabelecidos em zonas economicamente deprimidas (onde existem mais bairros de habitação social). Mesmo que quisessem melhorar e honrar mais as suas vidas, não é fácil potenciarem-se numa cidade e sociedade tão complexa como a Londres na sua versão século XXI, não dispõem de ferramentas existenciais e civilizacionais adequadas para as exigências de se viver no pináculo da civilização ocidental (como é tão paradigmaticamente o caso dos enfermeiros que brilham rotineiramente nos locais e hospitais para onde vêm trabalhar).
Agora, ver compatriotas orgulhosos de serem trabalhadores andarem no social-media a denegrirem, acusarem, vilipendiarem seus compatriotas por causa desta difícil situação social, sem contemplar que as dificuldades da vida criam estas situações, que as pessoas nelas enredadas de certeza se pudessem assim não viveriam, que numa sociedade tão rica e generosa este apoio é pertinente tendo em conta as consequências do nosso vigente sistema económico, é um exemplo infeliz da nossa exagerada propensão para a crítica fácil e pouco refletida. Desagrada-me muito esta atitude que começa a ser popularizada: em vez de se procurar ajudar vamos agora acusar em praça pública a nossa gente mais fragilizada neste processo? O que se ganha com isso? Será que os Brexiters vão diferenciar uns dos outros se houver soluções radicais para a sua queixas de estarem emigrantes a mais neste país? Porquê durante tanto tempo quase ninguém falou neste assunto e se omitiu rotineiramente o fenómeno sabido por quase todos nós? Porquê no passado raramente se ouviu falar de denúncias relativamente aos casos mais abusadores? Porquê foram raros e pontuais os esforços dos mais aptos e bem na vida para ajudar as famílias beneficio-dependentes a se erguerem e terem melhor condição de vida? Eu da minha parte e no exercício do cargo de Councillor, procurei ajudar por diversas formas como a de fundar aulas de inglês, ter atendimento a residentes em português, apelar quotidiana e vivamente a integração e inclusão na comunidade local britânica de Lambeth, apoiar o bom trabalho inicial do Centro Comunitário no apoio a estes compatriotas, elucidar a Câmara e Partido de que a situação era alastrada, socialmente perigosa e necessária de ser abordada com coragem e soluções. Por fim lutei afincadamente contra o cancelamento do programa ‘Escolhas’ por parte do nosso governo, como símbolo de um apoio nacional a integração dos portugueses londrinos socialmente e economicamente mais isolados, etc.

“O pior ainda está para vir, pois se o ‘Brexit’ se tornar uma convulsão social, os obstinados Brexiters e população dita de working class com ideais mais conservadores poderão utilizar estes compatriotas socialmente desfavorecidos como alvo fácil e próximo para as suas frustrações para com a União Europeia e as previsíveis consequências de uma saída drástica, como tanto querem.
Esta situação é o pior dos casos, mas é bem possível que possa vir a acontecer”

 

O pior ainda está para vir, pois se o ‘Brexit’ se tornar uma convulsão social, os obstinados Brexiters e população dita de working class com ideais mais conservadores poderão utilizar estes compatriotas socialmente desfavorecidos como alvo fácil e próximo para as suas frustrações para com a União Europeia e previsíveis consequências de uma saída drástica como tanto querem. Esta situação é o pior dos casos, mas é bem possível que possa vir a acontecer. Quem vai proteger a nossa pobre gente que vive nos Social Estates, com vizinhos odiosos da sua presença? Se constatarem que nós próprios difamamos compatriotas nesta situação, ainda se sentirão mais motivados a desenvolver um xenofobismo frequente e potencialmente traumatizante! Em vez se andar a lavar roupa suja em praça pública (social-media) dos problemas da nossa comunidade com esta parte da mesma minoritária, porque não dirigem as vossas críticas veladas ao ex-primeiro-ministro que sugeriu aos que se não aguentavam com a crise que emigrassem? Porque não criticar o atual primeiro-ministro pelo facto do seu Governo ter cancelado o ‘Programa Escolhas’ (único veiculo de apoio e incitação a uma necessária integração e valorização existencial nossa neste pais, que custaria meramente 230.000 euros em três anos de existência). Um Governo que só se preocupa com retorno de gente apta a lidar com as dificuldades (quadros superiores, engenheiros e profissionais de saúde, que afinal de contas não voltam porque por cá fora sempre serão profissionalmente valorizados) e procura ofuscar o problema social crónico que afeta os mais frágeis no panorama da nossa comunidade local!
Meus amigos e compatriotas, apelo vivamente que reflitam sobre este assunto, sejam sensatos na crítica fácil, aberta e infundada contra a nossa gente mais exposta aos males maiores que ainda estarão para vir com este ‘Brexit’, que já lhes cortaram imenso o apoio (o falhado Universal Credit System já deixou imensos em grandes dificuldades); porquê não transformam essa energia negativa em vontade de ajudar, dar uma mão amiga e solidaria aos seus pares, de potenciar todo o trabalho já desenvolvido por elementos comunitários socialmente conscientes relativamente a esta problemática e que altruisticamente têm desenvolvido projetos de apoio social? Vamos lá a defender a nossa casa (comunidade no Reino Unido), arrumá-la, em vez de lhe deitar fogo e culpabilizar alguns que não contribuíram assinalavelmente para a erguer.
Por fim, refiro que sim, há casos mais que abusivos, pessoas sem qualquer respeito pela sociedade britânica e desprovidos da mínima vontade de deixar o apoio pouco legitimo que adquiriram, pessoas com pouco carácter e ética cívica que seria deles esperada, que se estão a ‘marimbar’ para o Estado e os limites da generosidade do sistema social de apoio britânico; os tais que egoisticamente dizem com pompa que são só um/uma família a receber apoios indevidos, porque no meio de 70 milhões de cidadãos são uma gota de água num oceano; que se tantos britânicos também andam nesta benéfico-dependência porquê não poderão eles também viver numa espécie de férias de longa duração pagas pela Rainha e seu Governo; que têm a vergonhosa atitude de alugar ilícita e sub-repticiamente as casas de habitação social a si atribuídas estando nas suas moradias portuguesas com pseudo-reformas reforçadas por esta atividade. Sim, esses deveriam ser sinalizados e expostos por todos nós como os piores exemplos que só nos envergonham e dão uma miríade de argumentos aos Brexiters e Ukipers de afirmar com alguma credibilidade que os europeus, só vêm para o Reino Unido abusar do sistema social, de saúde e educacional.
Sejamos sensatos nesta hora da verdade deste fabuloso país que tem um sistema de apoio social que na teoria é fabuloso, mas que na prática foi tremendamente mal organizado e facilmente deturpado por elementos com honestidade duvidosa.

Guilherme Falcão Rosa foi councillor (vereador) no município de Lambeth, Inglaterra, de 2014 a 2018, e membro diretor do Centro Comunitário PSCC (2015/16). É fundador dos ‘Portugueses4Europe’, plataforma contestatória do Brexit

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