Nas ruas e cafés de Olivença (Espanha) os resultados das eleições legislativas em Portugal “passam ao lado” das conversas, mas há 319 oliventinos, com dupla nacionalidade, que votaram pela primeira vez via postal.
Marta González trabalha numa superfície comercial daquela cidade fronteiriça situada a poucos quilómetros de Elvas, no distrito de Portalegre e, em declarações à agência Lusa, confessou que não acompanhou a campanha nem a noite eleitoral que deu a vitória ao PS.
“Eu não dei por nada nem ouvi ninguém comentar, estamos perto mas, ao mesmo tempo, por vezes, estamos longe de Portugal. Aqui em Espanha também há muitos problemas […] desconhecia que ontem (domingo) houve eleições”, disse.
Ao contrário de Marta González, Joaquín Fuentes foi um dos 319 eleitores, segundo dados do Ministério da Administração Interna, que votou pela primeira vez e contou que a experiência “foi muito boa e interessante”, acrescentando que foi um momento “importante” para os oliventinos que puderam contribuir para a decisão de um novo parlamento em Portugal.
Antigo elemento da extinta associação Além Guadiana, uma das “impulsionadoras” do processo que conduziu à dupla nacionalidade naquele território, Joaquín Fuentes defendeu ainda que o novo Governo português “deve apostar” mais nas regiões do interior, nomeadamente no Alentejo, que está “um bocado esquecido” e “despovoado”.
“Seria bom que, no futuro, os partidos portugueses incluíssem algumas propostas para o apoio à língua e cultura portuguesa em Olivença. Nos últimos anos, a mentalidade dos oliventinos mudou muito, estão sensibilizados com a sua herança portuguesa e foram derrubados preconceitos”, acrescentou.
Joaquín Fuentes adiantou ainda que há atualmente “cerca de 500 oliventinos” com dupla nacionalidade.
Eduardo Naharro foi outro dos habitantes de Olivença que votou via postal, embora pudesse também votar, em alternativa, no consulado mais próximo daquela cidade, que fica em Sevilha.
Em declarações à Lusa, este professor “atento” ao quotidiano português, considerou que o turismo encontra-se numa fase de “grande pujança”, em particular junto às regiões do litoral, podendo ser “encaminhado” esse fator de desenvolvimento para as regiões do interior.
“O Estado português deve considerar que Olivença tem uma comunidade de portugueses como tem, por exemplo, Timor ou outra qualquer e que deveria haver uma maior aproximação no aspeto cultural e linguístico”, defendeu ainda.
A campanha eleitoral não passou por Olivença, mas tanto Joaquin Fuentes como Eduardo Naharro “não veem” nenhum problema que essa questão seja alterada no futuro.
A Lusa contactou o alcaide de Olivença, Manuel González Andrade, que considera este processo “um caso único e curioso”, acrescentando ainda que esta situação coloca aquela cidade no mapa como a “Capital Ibérica”.
Fonte do Ministério da Administração Interna explicou à Lusa que estes cidadãos podem exercer o direito de voto nas legislativas, mas como estão recenseados com a morada em Olivença “não votam” nas eleições autárquicas.
Contudo, podem eleger e ser eleitos nas eleições locais espanholas, nos termos da legislação europeia.
Quanto às eleições europeias, os cidadãos podem optar por eleger os candidatos do seu país de origem ou do país de residência.
Para evitar duplo voto, as administrações eleitorais europeias comunicam entre si, antes do ato eleitoral, e informam quais os eleitores de outros Estados-membros que têm inscritos no seu recenseamento, de forma a permitir a suspensão da inscrição no país de origem.
Nas eleições europeias, o voto é presencial, o que significa que os cidadãos portugueses que se mantêm inscritos no recenseamento nacional e, portanto, não optaram por votar na lista dos candidatos do país de residência da União Europeia votam nos respetivos consulados.
Em Olivença fala-se português desde a Idade Média, embora o seu uso se encontre hoje reduzido às camadas mais idosas, quando estão em “ambiente familiar”.
A presença portuguesa em Olivença é evidente em vários locais, sendo um dos maiores exemplos a igreja de Santa Maria da Madalena, o único espaço religioso espanhol de estilo manuelino.
O templo, obra da arquitetura portuguesa do século XVI, rico na talha dourada, na azulejaria e nos elementos marítimos, é visitado diariamente por centenas de turistas.
Olivença está localizada na margem esquerda do rio Guadiana, a 23 quilómetros da cidade portuguesa de Elvas e a 24 quilómetros de Badajoz (Espanha).