Um grupo de pessoas que viveram em situação de vulnerabilidade, inclusive sem-abrigo, inauguraram hoje, em Lisboa, o “É um restaurante”, que oferece “boa comida”, mas também é “um abre olhos” à sociedade sobre a inclusão no mercado de trabalho.
Sem experiência na área da restauração, nem em “quase nenhuma área” profissional, Rui Coelho faz parte do grupo pioneiro que agarrou a oportunidade de integrar o projeto “É um restaurante”, criado pela CRESCER – Associação de Intervenção Comunitária, confidenciando que tem sido “gratificante”, apesar de ter sido “um pouco difícil” a adaptação inicial.
“Não tem sido fácil, mas conseguimos, que é o mais importante”, afirmou o participante do “É um restaurante”, acreditando que “para o futuro as coisas ainda vão correr melhor”, quando as pessoas começarem a visitar o restaurante, que começa a servir “comida alternativa” a partir de terça-feira, na Rua de São José, n.º 56, no centro da capital portuguesa.
“Não é assim tão normal como comemos todos os dias, é assim mais alternativa”, adiantou, em declarações à agência Lusa.
Desvalorizando a atual situação habitacional, porque “nem é das piores”, uma vez que está a viver em casa dos pais, Rui Coelho queixa-se da dificuldade em encontrar emprego, considerando que a sociedade está formatada para excluir as pessoas em situação de vulnerabilidade.
“É como um disco rígido, depois de estar formatado não se pode fazer nada”, precisou, lamentando que se não for “este tipo de ajudas”, não se consegue, “de maneira nenhuma, arranjar trabalho seja onde for”.
Apesar de nunca ter deixado de trabalhar, nem mesmo quando se viu obrigada a viver na rua durante um ano, Alexandra Peralta vê o “É um restaurante” como “uma nova oportunidade que estão a dar às pessoas, sabendo os problemas que têm, muitos de consumos [toxicodependentes]”.
Vestida a rigor com a farda do restaurante, Alexandra apresenta-se com um sorriso aberto para servir os convidados da inauguração do restaurante, classificando a experiência como “ótima e agradável”, nomeadamente a formação de hotelaria.
“Somos os pioneiros. Hão de vir mais pessoas, se Deus quiser, continuar a formação e dar a oportunidade, também, a mais pessoas que estão na rua e que precisam de apoio”, perspetivou a participante no projeto da CRESCER, reclamando uma casa para viver, com a filha de 2 anos, sonho que pretende concretizar com a ajuda do projeto que agora acolheu.
Reforçando que nunca baixou os braços ao trabalho, Alexandra Peralta espera estabilizar a sua vida profissional, indicando que um dos problemas é que “não fazia o turno da manhã [nos trabalhos que arranjava], porque tinha de ir tomar a metadona”.
“Tinha de inventar mil e uma desculpas para não fazer o turno da manhã, porque o patrão não ia entender a minha dificuldade”, referiu, destacando a compreensão do projeto do restaurante.
“Estou preparada, sou muita positiva, isto vai andar para a frente”, afiançou.
Abraçando esta causa, o ‘chef’ Nuno Bergonse é responsável pelo menu do “É um restaurante”, que apresenta “uma cozinha de conforto, de partilha”, incluindo “vários pratos com raízes portuguesas, mas com algum toque de criatividade”.
Além de “boa comida”, o restaurante “tem para oferecer um abre olhos às pessoas, para perceberem que, realmente, todas têm capacidade de mudar a vida”, salientou Nuno Bergonse, afirmando que o projeto “é mais do que um restaurante, é uma oportunidade para toda a gente” que o integra.
Segundo o diretor da CRESCER, Américo Nave, o “É um restaurante” visa “integrar pessoas que estão numa situação de vulnerabilidade” através da gastronomia.
“O que queremos com este projeto é diminuir o estigma que existe com estas pessoas que estão em situação de sem-abrigo. Há normalmente um mito de que estas pessoas são preguiçosas, não querem sair da rua, não querem trabalhar, e queremos combater esse mito e esse estigma que existe”, declarou Américo Nave, propondo que “se deixe de trabalhar sempre numa perspetiva de assistencialismo e que haja uma intervenção de uma verdadeira inclusão das pessoas”.