São sempre imagens chocantes e que nos deixam a pensar. O fogo descontrolado queima a Amazónia. Descontando os excessos e até alguns fanatismos, não deixa de ser trágico pensar que estamos a falar do “pulmão verde” responsável pela produção de vinte por cento do oxigénio da humanidade. Mesmo assim a comunidade internacional tem de procurar caminhos para apoiar, preocupando-se em não criar “anticorpos” com atitudes arrogantes que não ajudam em nada.
Onyx Lorenzoni, da Casa Civil do Presidente Jair Bolsonaro, afirmou na segunda-feira que o Governo brasileiro rejeitará a ajuda de 20 milhões de euros oferecida pelo G7 para combater os incêndios na Amazónia. A informação foi obtida pelo portal de notícias G1, e foi confirmada pela assessoria do Palácio do Planalto, sede do Governo.
“Agradecemos, mas talvez esses recursos sejam mais relevantes para reflorestar a Europa. Macron [Presidente francês] não consegue sequer evitar um previsível incêndio numa igreja que é património da humanidade [a Catedral de Notre-Dame] e quer ensinar o quê para nosso país? Ele tem muito o que cuidar em casa e nas colónias francesas”, disse Onyx ao G1, respondendo a Emmanuel Macron, que anunciou na recentemente que o G7 fornecerá uma ajuda imediata de 20 milhões de euros para combater o incêndio na maior floresta tropical do mundo.
Também o chefe de Estado do Brasil, Jair Bolsonaro, que quando confrontado com a oferta de ajuda do G7 mostrou ter dúvidas acerca das intenções desses países. “Será que alguém ajuda alguém, a menos que seja pobre, sem retorno? Isto é, sem esperar por algo em troca”, questionou Bolsonaro, junto à entrada do Palácio da Alvorada, sua residência oficial.
Enquanto o discurso político endurece, a Amazónia continua a arder inexorávelmente. Vejamos com factos os contornos desta tragédia.
Amazónia está a arder mais neste ano?
O número de focos de incêndio para todo o Brasil entre 1 de janeiro e 24 de agosto era o maior dos últimos sete anos para este período. O Programa Queimadas, do INPE, registou até esta data 79.513 focos, o que significa uma subida de 82% em relação ao mesmo período do ano passado. Desde 2013, o ano com maior número de focos para esse intervalo de tempo tinha sido 2016, com 74.317 fogos. Aquele foi um ano bastante seco, com ocorrência de um forte El Niño.
Até o dia 24, a região teve 41.867 fogos, contra 22.165 nos oito primeiros meses do ano passado e 36.333 no mesmo período de 2016. Comparando somente o mês de agosto, houve mais focos do que este ano em 2005 (63.764), 2007 (46.385) e 2010 (45.018). O ano de 2005, como mostra a resposta acima, foi o último recorde de desmatamento da região e 2010 foi um ano extremamente seco.
Esta questão dos fogos envolve só o Brasil?
Não. A Amazónia colombiana também tem queimadas e o país solicitou apoio a outros países. Já a Bolívia informou ontem que aceitará a ajuda externa para conter os incêndios, oferecida por Chile, Paraguai e Espanha. Ali os incêndios já consumiram mais de 745 mil hectares de terra na região de Chiquitania, na fronteira com o Paraguai, e 100 mil hectares em Beni, na Amazônia boliviana.
Já existe uma explicação para essas queimadas?
A principal explicação encontrada até o momento é o crescimento do desmatamento. A principal hipótese de especialistas é que queimadas estão a acontecer para limpar o que já foi derrubado. A explicação vem da Nasa. Segundo o pesquisador Doug Morton, isso é possível de aferir com uma análise das colunas de fumo que podem ser observadas por satélite. Elas têm uma espécie de assinatura que mostram sua origem. Não são de fogo espalhado e mais baixo, que seria o indicador de queima de resíduos de campos de cultivo ou para limpeza de pasto, por exemplo, mas são centralizados e muito altos, de pilhas de troncos de árvore queimando que tenham ficado ao sol secando,
A culpa das queimadas pode ser da seca?
Este ano de fato está mais seco, mas não tanto quanto estava 2016. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia (IPAM) divulgou uma nota técnica recentemente avaliando essa possibilidade, mas também concluiu que a maior relação é com o desmatamento.
Analisando os dados disponíveis até ao dia 14 de agosto, notou-se que “os dez municípios da amazónia que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”. Segundo os pesquisadores do IPAM, esses municípios, até ao dia 14, eram os responsáveis por 37% dos focos de calor em 2019 e por 43% do desmatamento registado até o mês de julho na região.
E quem está a fazer essas queimadas?
Os focos de queimadas estão espalhados por todo o chamado arco do desmatamento, que vai do Acre, passando por Rondônia, sul do Amazonas, norte do Mato Grosso e sudeste do Pará. No Pará, há uma investigação corrente, depois ter sido anunciado por um jornal de Novo Progresso que produtores locais estavam convocando um “dia do fogo” no dia 10 de agosto. De fato, o Programa Queimadas do INPE viu um aumento de incêndios na região naquele dia e os Ministérios Públicos Estadual e Federal estão investigando a questão.
Houve aumento efetivo do desmatamento no Brasil?
O número oficial usado pelo governo para divulgar os dados de desmatamento anual da Amazónia ainda não foi divulgado mas números obtidos com por outra fonte indicam que sim. O sistema Deter, também do Inpe, que faz deteções rápidas com satélite para orientar a fiscalização em campo, observou um aumento de 49,62% no corte da floresta entre 1 de agosto do ano passado e 31 de julho deste ano (período histórico de análise), em comparação com os 12 meses anteriores. Os alertas do Deter observaram a perda de 6,841 km² neste período, ante 4.572 km² no período anterior.
E há outros sistemas a confirmar estes números?
Outros sistemas de monitoramento independentes confirmaram a tendência de alta. O SAD, da ONG Imazon, indicou para esse período alta de 15%.Instituições estrangeiras, como a Nasa e a Universidade de Maryland, que também monitora florestas em todo o mundo, também constataram alta no desmatamento da Amazónia nos últimos 12 meses. O próprio governo Bolsonaro admitiu que houve um aumento no corte da floresta, mas ressaltou que isso vem ocorrendo desde 2012. A gestão disse que talvez a perda não seja tão alta quanto mostrou o Deter e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a destacar alguns erros do sistema (que tem acurácia em torno de 90%).
Já houve desmatamentos maiores no passado?
Sim. Os anos de 1995 e 2004 tiveram as maiores taxas de perda da floresta – 29.059 km² e 27.772 km², respetivamente, de acordo com o Prodes, do Inpe, que calcula a perda anual da floresta (entre agosto de um ano a julho do ano seguinte) desde 1989. Em 2012, observou-se o menor nível histórico – 4.571 km².
E como reagiu o governo a estas informações?
A crise teve início em 19 de julho. Inicialmente, o presidente Bolsonaro disse que os dados de alta do desmatamento do Inpe eram “mentirosos” e que seu diretor estaria “ao serviço de alguma ONG”. Depois o governo admitiu que o desmatamento estava aumentando mas justificou afirmando que isso era uma tendência desde 2012, e negou que os números fossem tão assim tão maus. Sobre as queimadas, o governo também primeiramente alegou sensacionalismo, disse que o problema não era tão grave assim e até acusou ONGs de colocarem fogo na floresta. Após a repercussão externa, considerada exagerada pela gestão Jair Bolsonaro, o governo lançou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO, um convênio com Estados que permite o uso de tropas das Forças Armadas em intervenções) e envio agentes da Força Nacional para os Estados da região.
N.E. – Quesões lançadas em colaboração com a redação do ESTADÃO (ESTADO DE S. PAULO)que forneceu os dados das respostas