Numa casa no bairro português de Malaca, cerca de 20 crianças cantam, todos os sábados, músicas no crioulo de matriz portuguesa Kristang, para impedir que esta língua com mais de 500 anos morra, disse à Lusa a professora.
Sara Frederica Santa Maria conta que foi a vontade de preservar a memória do pai, que morreu em 2008, e o “medo de perder a língua” que fez com que decidisse, em 2012, abrir as portas da sua casa todos os sábados, das 16:00 às 18:00.
“O que me inspirou a ensinar Kristang foi o meu pai. Ele fez uma pesquisa sobre o idioma no final dos anos 1980 e, antes de falecer em dezembro de 2008, disse-me que pretendia começar uma aula aqui na minha casa”, contou à Lusa a professora de 50 anos.
“Ele deveria começar as suas aulas em janeiro de 2009, mas infelizmente, faleceu em dezembro de 2008, com um ataque cardíaco”, descreveu.
Sara Frederica Santa Maria admitiu ter demorado algum tempo até decidir, em 2012, seguir o sonho que o pai nunca concretizou.
“O meu pai preparou os tópicos do programa de estudos. Eu estava a ler o seu trabalho após a sua morte e decidi continuar o que ele havia deixado para trás”, explicou.
“Assim como o meu pai, também tenho medo de perder a língua, [mas…] com estas aulas semanais, consigo manter o idioma”, disse.
Neste momento, leciona cerca de 20 estudantes, dos quatro aos 14 anos e para além das músicas, ensina danças tradicionais portuguesas a estes jovens e também algumas receitas de bolos portugueses.
O Kristang surgiu há cerca de 500 anos quando os portugueses conquistaram o porto estratégico de Malaca em 1511, uma cidade no coração de um lucrativo comércio de especiarias.
Depois de 100 anos de domínio português, a cidade foi tomada pelos holandeses, depois pelos ingleses, até à independência da Malásia em 1957.
Esta linguagem, ameaçada de extinção, emprega a maior parte do seu vocabulário do português, mas a sua estrutura gramatical é semelhante ao malaio e extrai as suas influências dos dialetos chinês e indiano.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Kristang encontra-se “seriamente ameaçado”, estimando-se que pouco mais de duas mil pessoas ainda saibam falar este crioulo de matriz portuguesa. A organização calcula que metade das 6.000 línguas faladas no mundo desaparecerão até 2100.
Este crioulo é ainda falado em algumas áreas de Malaca, como em Ujong Pasir, um dos lugares onde os descendentes de colonos portugueses na Ásia se instalaram.
“As pessoas do bairro português [onde eu moro] têm muito orgulho da sua língua, cultura e tradições”, sublinhou Sara Frederica Santa Maria.
“Enquanto o Governo de Malaca nos permitir ficar aqui como uma comunidade, a nossa cultura e tradições linguísticas viverão”, concluiu.
Nos dias 28 e 29 de junho vai ser realizada, em Malaca, a segunda edição da Conferência da Comunidade Luso-Asiática, organizada por Joseph Santa Maria, representante da minoria luso-malaia perante o estado de Malaca, pela Associação AMI, pela associação cultural Coração em Malaca e pela organização não-governamental NGD, com o objetivo de fortalecer os laços culturais que unem a comunidade a Portugal.
“Tem sido uma paixão e persistência divulgar e promover a comunidade do bairro, a sua cultura de origem portuguesa, secular e presente como um valioso património a conservar”, disse à Lusa a presidente da Coração em Malaca, Luísa Timóteo.